Anvisa volta a alertar que, ao contrário do que propagandas “enganosas” afirmam, substância não combate o câncer
A
fosfoetanolamina voltou a ser assunto nas redes sociais. Fake news alimentam a
notícia de que a substância seria eficiente contra vários tipos de cânceres, a
ponto de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisar divulgar
na última semana uma nova nota técnica reafirmando o contrário. A polêmica
envolvendo a fosfoetanolamina é antiga. Teve início ainda em 2015, quando a
Universidade de São Paulo (USP) divulgou o primeiro posicionamento a respeito
em razão das inúmeras liminares judiciais para fornecimento do produto a
pacientes oncológicos.
“Em 2016, a
pressão pública e política resultou na aprovação de uma lei que permitia o uso
da fosfoetanolamina por pacientes diagnosticados com câncer, mesmo sem a
conclusão dos testes clínicos. Essa decisão foi amplamente criticada pela
comunidade científica e por profissionais de saúde, que argumentaram que a
autorização, sem a devida comprovação científica, poderia colocar a saúde dos
pacientes em risco”, recorda o oncologista clínico Fernando Medina, do Centro
de Oncologia Campinas.
Em outubro
de 2020, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a
inconstitucionalidade da Lei 13.269/2016, que autorizava o uso da
fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”, por pacientes
diagnosticados com neoplasia maligna. A decisão se deu no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5501, ajuizada pela Associação Médica
Brasileira (AMB). O Plenário já havia concedido medida liminar para suspender a
eficácia da norma.
Nesta
semana, a Anvisa divulgou um alerta, no qual informa que, ao contrário do que
algumas propagandas “irregulares e enganosas” difundidas em redes sociais
dizem, a substância fosfoetanolamina não combate o câncer “ou qualquer doença”,
nem possui “propriedades funcionais ou de saúde”, diz o texto da agência.
O fato é que
a "pílula do câncer" gerou e continua gerando muita controvérsia no
Brasil. A substância desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade
de São Paulo foi promovida como um tratamento potencial para o câncer. No
entanto, a falta de estudos clínicos robustos e de evidências científicas
adequadas levantaram sérias preocupações sobre sua eficácia e segurança.
“Um dos
estudos que avaliaram a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento do câncer
foi conduzido pela própria USP, que desenvolveu a substância. Os resultados
desse estudo foram publicados em 2016. Os testes pré-clínicos e clínicos não
indicaram resultados promissores na redução ou eliminação de células
cancerígenas. Além disso, a substância não apresentou os efeitos terapêuticos
esperados e, em alguns casos, causou efeitos colaterais adversos”, detalha
Medina.
Os testes,
comenta o oncologista, foram fundamentais para a decisão da Anvisa de proibir a
produção, comercialização e uso da fosfoetanolamina como medicamento. A falta
de eficácia comprovada, juntamente com os possíveis riscos à saúde, levou as
autoridades de saúde a concluírem que a substância não deveria ser utilizada
como tratamento para o câncer.
O que é
A
fosfoetanolamina, presente na membrana das células do corpo humano, colabora na
eficiência do sistema imunológico. A substância sintética foi produzida com a
proposta de fortalecer a imunidade e ajudar a combater as células tumorais. Nos
Estados Unidos, o produto é vendido como suplemento, com indicação para
fortalecimento do sistema imunológico e combate às células tumorais. Ocorre,
porém, que nenhum estudo científico corrobora os efeitos positivos atribuídos à
substância. Um estudo sobre fosfoetanolamina realizado pelo Instituto do Câncer
do Estado de São Paulo (Icesp) em 2017 foi suspenso diante dos resultados
iniciais que não apontaram os benefícios esperados.
Antes da
aprovação de qualquer medicamento no Brasil, é necessária a avaliação de
ensaios clínicos para atestar a eficácia e a segurança do produto. No caso da
Fosfoetanolamina, a Anvisa informou que não recebeu qualquer pedido de
avaliação para registro da substância e nem pedido de pesquisa clínica.
Fake news
A
desinformação alimentada pelas redes sociais continua a ser um problema
significativo, especialmente no que diz respeito a tratamentos de saúde,
argumenta Fernando Medina. “A fosfoetanolamina, apesar de ter sido
cientificamente descreditada como tratamento eficaz contra o câncer, ainda é
promovida em algumas plataformas por pessoas ou grupos que, por diversos
motivos, insistem em sua eficácia”.
A nota da
Anvisa sobre a ineficiência da substância teve também um tom de apelo ao
bom-senso. “Utilizar produtos não registrados pela Anvisa para o tratamento do
câncer é extremamente arriscado. Esses produtos podem interferir negativamente
nos tratamentos convencionais. É crucial que os pacientes não abandonem
tratamentos médicos estabelecidos para utilizar terapias não autorizadas e de
eficácia desconhecida, como é o caso da fosfoetanolamina”, acrescenta a
agência.
Ainda em
2015, tão logo os efeitos “curativos” da fosfoetanolamina começaram a ser
divulgados sem o consentimento da universidade, a USP apresentou
esclarecimentos importantes sobre o produto. “Essa substância não é remédio.
Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal
de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre
a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em
humanos”, disse a nota da universidade na ocasião.
Desinformação
Promover a
educação em saúde pública, aponta Fernando Medina, é também aumentar a
conscientização sobre a importância de tratamentos baseados em evidências.
“Incentivar as pessoas a buscar informações em fontes confiáveis, como
instituições de saúde renomadas, publicações científicas e autoridades
governamentais, desencorajaria o compartilhamento de informações de fontes não
verificadas ou duvidosas, como foi o caso agora da fosfoetanolamina, que voltou
a ficar em evidência oito anos após o assunto ter surgido e ter sido
desmentido”, explica.
Medina
defende que é preciso reconhecer e entender o desespero e a vulnerabilidade de
pacientes com câncer e suas famílias, para oferecer a eles suporte e
alternativas baseadas em evidências. “O profissional médico precisa sempre
abordar as preocupações e esperanças das pessoas de maneira empática e
compreensiva e dar informações claras e acessíveis sobre a realidade dos
tratamentos de câncer”.
Por fim,
Medina lembra que além de cuidar da saúde, hoje os profissionais médicos também
precisam atuar em uma frente especial, a do combater à desinformação. “Esse é
um esforço contínuo que requer a colaboração de toda a sociedade, incluindo
profissionais de saúde, autoridades, educadores e a população em geral.”
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