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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Fosfoetanolamina: redes sociais reacendem polêmica sobre “pílula do câncer”

 Anvisa volta a alertar que, ao contrário do que propagandas “enganosas” afirmam, substância não combate o câncer


A fosfoetanolamina voltou a ser assunto nas redes sociais. Fake news alimentam a notícia de que a substância seria eficiente contra vários tipos de cânceres, a ponto de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisar divulgar na última semana uma nova nota técnica reafirmando o contrário. A polêmica envolvendo a fosfoetanolamina é antiga. Teve início ainda em 2015, quando a Universidade de São Paulo (USP) divulgou o primeiro posicionamento a respeito em razão das inúmeras liminares judiciais para fornecimento do produto a pacientes oncológicos.

“Em 2016, a pressão pública e política resultou na aprovação de uma lei que permitia o uso da fosfoetanolamina por pacientes diagnosticados com câncer, mesmo sem a conclusão dos testes clínicos. Essa decisão foi amplamente criticada pela comunidade científica e por profissionais de saúde, que argumentaram que a autorização, sem a devida comprovação científica, poderia colocar a saúde dos pacientes em risco”, recorda o oncologista clínico Fernando Medina, do Centro de Oncologia Campinas.

Em outubro de 2020, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da Lei 13.269/2016, que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”, por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. A decisão se deu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5501, ajuizada pela Associação Médica Brasileira (AMB). O Plenário já havia concedido medida liminar para suspender a eficácia da norma.

Nesta semana, a Anvisa divulgou um alerta, no qual informa que, ao contrário do que algumas propagandas “irregulares e enganosas” difundidas em redes sociais dizem, a substância fosfoetanolamina não combate o câncer “ou qualquer doença”, nem possui “propriedades funcionais ou de saúde”, diz o texto da agência.

O fato é que a "pílula do câncer" gerou e continua gerando muita controvérsia no Brasil. A substância desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo foi promovida como um tratamento potencial para o câncer. No entanto, a falta de estudos clínicos robustos e de evidências científicas adequadas levantaram sérias preocupações sobre sua eficácia e segurança.

“Um dos estudos que avaliaram a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento do câncer foi conduzido pela própria USP, que desenvolveu a substância. Os resultados desse estudo foram publicados em 2016. Os testes pré-clínicos e clínicos não indicaram resultados promissores na redução ou eliminação de células cancerígenas. Além disso, a substância não apresentou os efeitos terapêuticos esperados e, em alguns casos, causou efeitos colaterais adversos”, detalha Medina.

Os testes, comenta o oncologista, foram fundamentais para a decisão da Anvisa de proibir a produção, comercialização e uso da fosfoetanolamina como medicamento. A falta de eficácia comprovada, juntamente com os possíveis riscos à saúde, levou as autoridades de saúde a concluírem que a substância não deveria ser utilizada como tratamento para o câncer.


O que é

A fosfoetanolamina, presente na membrana das células do corpo humano, colabora na eficiência do sistema imunológico. A substância sintética foi produzida com a proposta de fortalecer a imunidade e ajudar a combater as células tumorais. Nos Estados Unidos, o produto é vendido como suplemento, com indicação para fortalecimento do sistema imunológico e combate às células tumorais. Ocorre, porém, que nenhum estudo científico corrobora os efeitos positivos atribuídos à substância. Um estudo sobre fosfoetanolamina realizado pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) em 2017 foi suspenso diante dos resultados iniciais que não apontaram os benefícios esperados.

Antes da aprovação de qualquer medicamento no Brasil, é necessária a avaliação de ensaios clínicos para atestar a eficácia e a segurança do produto. No caso da Fosfoetanolamina, a Anvisa informou que não recebeu qualquer pedido de avaliação para registro da substância e nem pedido de pesquisa clínica.


Fake news

A desinformação alimentada pelas redes sociais continua a ser um problema significativo, especialmente no que diz respeito a tratamentos de saúde, argumenta Fernando Medina. “A fosfoetanolamina, apesar de ter sido cientificamente descreditada como tratamento eficaz contra o câncer, ainda é promovida em algumas plataformas por pessoas ou grupos que, por diversos motivos, insistem em sua eficácia”.

A nota da Anvisa sobre a ineficiência da substância teve também um tom de apelo ao bom-senso. “Utilizar produtos não registrados pela Anvisa para o tratamento do câncer é extremamente arriscado. Esses produtos podem interferir negativamente nos tratamentos convencionais. É crucial que os pacientes não abandonem tratamentos médicos estabelecidos para utilizar terapias não autorizadas e de eficácia desconhecida, como é o caso da fosfoetanolamina”, acrescenta a agência.

Ainda em 2015, tão logo os efeitos “curativos” da fosfoetanolamina começaram a ser divulgados sem o consentimento da universidade, a USP apresentou esclarecimentos importantes sobre o produto. “Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos”, disse a nota da universidade na ocasião.


Desinformação

Promover a educação em saúde pública, aponta Fernando Medina, é também aumentar a conscientização sobre a importância de tratamentos baseados em evidências. “Incentivar as pessoas a buscar informações em fontes confiáveis, como instituições de saúde renomadas, publicações científicas e autoridades governamentais, desencorajaria o compartilhamento de informações de fontes não verificadas ou duvidosas, como foi o caso agora da fosfoetanolamina, que voltou a ficar em evidência oito anos após o assunto ter surgido e ter sido desmentido”, explica.

Medina defende que é preciso reconhecer e entender o desespero e a vulnerabilidade de pacientes com câncer e suas famílias, para oferecer a eles suporte e alternativas baseadas em evidências. “O profissional médico precisa sempre abordar as preocupações e esperanças das pessoas de maneira empática e compreensiva e dar informações claras e acessíveis sobre a realidade dos tratamentos de câncer”.

Por fim, Medina lembra que além de cuidar da saúde, hoje os profissionais médicos também precisam atuar em uma frente especial, a do combater à desinformação. “Esse é um esforço contínuo que requer a colaboração de toda a sociedade, incluindo profissionais de saúde, autoridades, educadores e a população em geral.”

 

COC - Centro de Oncologia Campinas


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