Um modelo de felicidade para mim é levar minha cachorrinha, Bella, para passear. Uma atividade que o resto da família não curte e não reproduz quando eu não posso fazê-lo. Provavelmente porque acham a tarefa muito chata. Eu também acho a tarefa em si, tediosa. Mas daí que vem o truque que vai ser o fio condutor desse artigo: “Como transformar uma atividade chata em uma atividade feliz”. Para adotar um formato mais “Youtúbico”, vamos falar das “Cinco mindsets de ser feliz levando sua cachorrinha para passear”.
Mindset 1 Desprendimento
Vivemos numa época de razoável conforto e acesso à
comida. Se temos o que comer e um teto sobre nossa cabeça, a tal da Felicidade
que vem depois, hoje em dia, depende da nossa capacidade de consumo: os gurus
da felicidade prometem uma vida extraordinária se você trabalhar muito, ganhar muito
e estar entre o um por cento dos caras que dominam essa ou aquela técnica para
ganhar prestígio, dinheiro e bom manejo da Lei da Atração. Passear com a Bella,
pelo contrário, exige apenas um tênis, uma roupa confortável e um terreno sem
lama e com uma temperatura que não machuque as patinhas da mestiça de Pitbull
com Boxer. Passear com ela pode levar a um Mindset propício à Felicidade: o
desprendimento das preocupações e medos, para apreciar um simples passeio pelas
ruas esburacadas da cidade. Sem metas a bater.
Mindset 2 Conexões
A Universidade de Harvard fez um estudo de oitenta
cinco anos, iniciado nos anos 30 do Século passado, onde seguiram as pessoas do
nascimento ao último suspiro para saber, no fim de tudo, o que definia para
essas pessoas, depois de uma vida de lutas, sacrifícios e altos e baixos que
caracterizam as vidas de nós-outros, o que realmente gerava felicidade. O
resultado mais predominante é que, ao final de uma vida, a Felicidade poderia
ser medida pela capacidade de conexões com pessoas, redes de apoios, famílias,
onde a pessoa pudesse se sentir parte de algo e ser validada, considerada
dentro dessa rede de conexões e pertencimento. Isso quer dizer, então, que a
Felicidade é um patrimônio apenas dos Extrovertidos e das pessoas com boas
habilidades sociais? Os tímidos estão fadados à infelicidade? Claro que não,
mas a capacidade de se conectar à vida, seja com amizades, família, trabalho,
arte, interesses diversos, é um marcador da sensação de Felicidade. Bella se
conecta profundamente com o passeio, tudo cheira e deixa suas marcas e seu
legado com pequenos xixis. E nunca foi para Harvard.
Mindset 3 Frustração
Os gurus da Autoestima saem por aí gritando que a
Felicidade depende diretamente, claro, de nossa Autoestima: se você se amar o
suficiente, tudo vai funcionar bem em sua vida. Esse senso comum vem desde as
últimas décadas do século passado, o que gerou algumas fornadas de pais muito
preocupados com a autoestima de seus rebentos. Não há nada de errado com a
ideia, o problema começa a surgir quando cuidar da autoestima vira criar uma
bolha onde a criança não pode sofrer nenhuma frustração. Nem derrota. Temos
gerações de pessoas que, se não podem fracassar nem cometer erros, ficam
paralisados em casa e vivem em um mundo virtual onde tudo dá certo o tempo
todo. Bella às vezes cheira o arbusto por tempo demais ou quer ir dar uma
cheirada na moça que passa na rua com o olhar meio assustado. Bella é o ser
mais doce do planeta e tem medo de um Chiwawa (também tenho), mas tem uma cara
meio ameaçadora. Tem gente que não gosta e tem medo. Ela, então, toma um puxão
na trela se quer ir abanar o rabo para a desconhecida. O passeio vai bem se ela
pode respeitar os limites e, às vezes, fracassa diante de chuva ou outra
condição atmosférica. Sem limites e frustrações, não há aprendizado. Bella não
parece ter problemas de autoestima.
Mindset 4 “Outridade”
Esse mindset depende do ítem anterior: uma condição
de nossa vida atual é ligar a sensação de Felicidade com a capacidade de se
colocar acima e adiante de qualquer outro interesse na vida. Ouvimos frases do
tipo: a sua prioridade é você! Você merece! Vá atrás de seus sonhos! e assim
por diante. Isso significa que o Autocuidado é uma coisa, em si, negativa?
Claro que não. Olhando o ítem acima da capacidade de conexão, não é difícil
concluir que, estabelecer conexão com você mesmo e seu corpo pode e deve ser
uma fonte de Felicidade. Mas nessa época de gigantescos Egos e gigantescos Eus,
não dá para mensurar uma melhora dos índices de felicidade nessas pessoas
fascinadas em mostrar nas Redes Sociais como são bárbaras e como sua Felicidade
é ruidosa. E de plástico. Elas são mais felizes? A ciência diz que não.
Parece que a Outridade, ou a Alteridade, gera uma
sensação mais sólida e mais legítima de Felicidade, ou seja: proporcionar
felicidade ao Outro gera mais recompensa do que ficar imerso no gigantesco Eu
que come o mundo. Quando eu chamo a Bellinha para passear, a alegria dela aos
pinotes é uma fonte segura de Felicidade para o passeio. Os segundos que vão do
convite até a trela são muito legais e produzem efeito duradouro em mim, assim
como ver pessoas queridas felizes. Um modelo de Felicidade.
Minset 5 Mente de Principiante
Eu tento mudar de percurso em nossos passeios, mas
pode ser que ele seja repetido alguns dias. Bella repete o mesmo caminho como
se fosse a primeira vez, explorando cheiros, cantos, pneus de carros como se
fosse a primeira vez. Os praticantes de Meditação chamam isso de Mente de
Principiante, que é acessar as experiências como se fosse a primeira vez. A
Neurociência tem um nome bacana para isso: o “Rewirement”, que é a capacidade
de se experimentar a mesma situação procurando novos ângulos e novas
possibilidades. Achar novidade no que é usual. Como Bella reexplorando o
caminho e achando novas possibilidades. Como achar divertido o que é comum.
Pense no benefício para todas as tarefas chatas e as relações repetitivas. Quer
aprender? Leva a Bellinha dar um rolê.
Somos seres capazes de atribuir significado ao
nosso dia a dia. Antes de encontrar o Sentido, devemos atribuir Significado. A
perda do Significado da vida, e consequentemente, do Sentido, está na raiz de
nossas doenças do Desespero, como Depressão, Dependência Química e Suicídio.
Temos a solução: leva a Felicidade para um passeio. E treine. É um treino
OBS: esse texto é inspirado pelo trabalho da pesquisadora de Felicidade Laurie Anderson e o Mindfulness de Jon Kabat-Zinn.
Marco Antonio Spinelli - médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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