Carcinoma prostático de ratos submetidos à restrição proteica materna (imagem: acervo dos pesquisadores) |
Em experimentos com ratos,
pesquisadores da Unesp observaram, nos descendentes, mudanças na expressão de
mais de 700 genes – um deles sabidamente associado à doença
Experimentos com ratos
conduzidos por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) ajudam a
entender por que descendentes de mulheres submetidas a uma dieta carente de
proteínas durante a gravidez tendem a apresentar maior risco de câncer de próstata
na vida adulta.
Em um primeiro estudo,
conduzido com apoio da FAPESP,
foram identificadas alterações na expressão gênica possivelmente relacionadas
com o desequilíbrio hormonal observado na prole e o aumento no risco da doença.
“A carência de proteína durante
os períodos de gestação e amamentação desregula as vias moleculares envolvidas
no desenvolvimento normal da próstata, levando ao comprometimento de seu
crescimento na prole jovem. Isso já se sabia [leia mais em: agencia.fapesp.br/28356].
Agora, identificamos que uma dieta carente em proteína durante a fase
embrionária e os dois primeiros anos de vida altera a expressão de mais de 700
genes na prole, entre eles o gene ABCG1, relacionado ao câncer de
próstata”, relata Luis Antônio Justulin Junior,
professor do Instituto de Biociências de Botucatu (IBB-Unesp) que liderou os
trabalhos.
Em um segundo estudo, os
cientistas demonstraram que a desregulação de um tipo específico de RNA
(micro-RNA-206) está relacionada ao aumento do hormônio estrógeno já no início
da vida – uma característica marcante da prole de ratas que tiveram carência de
proteína durante a gestação e lactação e que está associada ao aumento de risco
de câncer de próstata.
“Os resultados mostram, mais
uma vez, como a alimentação e tudo mais que acontece nas fases iniciais de
desenvolvimento são determinantes para moldar a trajetória de saúde e doença
dos filhos. Esse conceito também explora o que chamamos de os mil
primeiros dias de vida – fase que compreende o período de
gestação, amamentação e vai até os dois anos de idade do bebê”, afirma
Justulin.
Determinante
para toda a vida
Estudos que relacionam a saúde
da gestante com o desenvolvimento dos filhos têm sido conduzidos nas últimas
décadas, sobretudo em uma área de pesquisa denominada “origens
desenvolvimentistas da saúde e doença” (DOHaD, na sigla em inglês). Há fortes
evidências de que a interação gene-ambiente inadequada durante a fase
embrionária e os dois primeiros anos de vida pode ser um fator importante para
o aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis ao longo da
vida, como câncer, diabetes, doenças respiratórias crônicas e cardiovasculares.
Estudo internacional divulgado
em 2009 demonstrou a existência de um risco aumentado de câncer de próstata em
homens judeus expostos desde muito cedo à fome e aos horrores do Holocausto. A
esse efeito do ambiente desfavorável (por exemplo, a má alimentação materna)
sobre a expressão gênica dá-se o nome de epigenética. Nesses casos, não há
alteração na sequência de DNA (ou, seja, não há mutação genética) e sim uma
mudança na expressão de alguns genes na prole. E o novo padrão pode até mesmo
ser transmitido para as próximas gerações.
O trabalho feito na Unesp
investigou os mecanismos celulares envolvidos nesse processo nos testes com
ratos. Parte dos resultados foi divulgada na revista Scientific
Reports. O artigo descreve o perfil de expressão global de microRNAs e RNAs
mensageiros e aponta quais alterações moleculares estariam associadas ao maior
risco de câncer de próstata.
Vale destacar que cabe aos
microRNAs modular, por meio de mecanismos epigenéticos, a expressão dos RNAs
mensageiros – aqueles responsáveis pela síntese de proteínas. Dessa forma, os
microRNAs são fatores importantes na expressão genética.
Por meio de sequenciamento de
RNA e análises de bioinformática, os pesquisadores identificaram a desregulação
de um microRNA (miR-206) e de seu gene-alvo (PLG) tanto na próstata de
ratos jovens como em animais velhos expostos à restrição proteica no útero e
que desenvolveram o câncer. Segundo os autores, a desregulação nesse micro-RNA
pode ser uma resposta ao aumento de estrógeno já no início da vida.
“Também identificamos que
miR-206 modula a expressão do receptor de estrógeno alfa, que está sendo
relacionado justamente com o maior risco de desenvolvimento de câncer de
próstata na fase adulta”, conta o pesquisador.
Justulin explica que, além de
no começo da vida os animais analisados apresentarem diferença de
desenvolvimento e crescimento glandular, foi observado um desequilíbrio
hormonal. “Esses animais tinham maior nível de estrógeno, que, ao longo do
envelhecimento, subia ainda mais, enquanto os níveis de hormônios andrógenos
caíam. E esse desequilíbrio hormonal está relacionado com o desenvolvimento de
câncer de próstata humano”, diz.
O artigo publicado em Scientific
Reports foi premiado no primeiro Congresso DOHaD Brasil, realizado
pela Associação DOHaD Brasil.
Gene-alvo
Em um segundo artigo, publicado na
revista Molecular and Cellular Endocrinology, o grupo descreve
alterações em mais de 700 genes na próstata da prole, identificadas por meio de
técnicas de RNA-seq, que permitem medir a expressão de vários genes ao mesmo
tempo. Com isso, é possível obter o transcriptoma, ou seja, o conjunto completo
de moléculas de RNA expressas em um tecido.
Ao correlacionar as informações
obtidas no estudo com as de um banco de dados sobre câncer de próstata humano,
os pesquisadores identificaram o gene ABCG1 (um dos alterados)
como potencial “gene DOHaD” associado a distúrbios no desenvolvimento da
próstata com efeitos duradouros a ponto de aumentar o risco de câncer.
“Demonstramos que as mudanças
no perfil de expressão gênica persistem ao longo da vida, predispondo os ratos
a desenvolver câncer de próstata com o envelhecimento. Curiosamente,
identificamos marcadores moleculares comumente desregulados entre ratos jovens
e velhos com aqueles observados em pacientes humanos com a doença. No geral,
esses dados destacam a desnutrição materna como um fator ambiental-chave
envolvido nas origens do desenvolvimento do câncer de próstata na prole de
ratos”, conclui o pesquisador.
O artigo Deregulation
of ABCG1 early in life contributes to prostate carcinogenesis in maternally
malnourished offspring rats pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0303720723002538?via%3Dihub.
O artigo Early-life
origin of prostate cancer through deregulation of miR-206 networks in
maternally malnourished offspring rats está acessível em: www.nature.com/articles/s41598-023-46068-1.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-explica-por-que-dieta-pobre-em-proteina-na-gestacao-eleva-o-risco-de-cancer-de-prostata-na-prole/50625
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