Um dos temas mais
candentes a respeito das competências dos Tribunais de Contas trata da
possibilidade de aplicação de sanções às empresas contratadas pela
Administração Pública para a execução de obras, serviços e fornecimento de
bens.
Tradicionalmente,
as Cortes de Contas costumam aplicar multas aos gestores envolvidos em
contratações irregulares ou que tenham causado danos ao patrimônio público por
meio do sobrepreço, superfaturamento ou desídia na fiscalização da execução do
ajuste. Trata-se de uma competência exercida com fundamento no inciso VIII do
art. 71 da Constituição Federal, segundo o qual, é atribuição de tais órgãos de
controle “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre
outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário”.
Além dessa atuação
já consolidada, parece-me também possível estender a fixação de penalidades às
empresas que transacionam com o Poder Público. A questão gira em torno de
definir os limites da jurisdição dos Tribunais de Contas sobre os particulares
contratados, o que demanda a análise teleológica da legislação, a partir da
regra constitucional acima transcrita.
Com efeito, no
âmbito do TCE-SP, a Constituição Estadual e a Lei Orgânica da Corte (Lei
Complementar n. 709/1993) fixam, entre as competências do Órgão de Controle,
aquelas para: (i) julgar as contas daqueles que derem causa à “perda, extravio
ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário” (art. 33, II, CE; e
art. 2º, III, da LC 709/1993); e (ii) “aplicar aos responsáveis, em caso de
ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em
lei” (art. 33, IX, CE; e art. 2º, XII, da LC 709/1993).
As sanções que
podem ser aplicadas estão previstas nos artigos 101 e 104, inciso II, da LC
709/1993, que determinam:
Artigo 101 - O Tribunal de Contas poderá aplicar aos ordenadores,
aos gestores e aos demais responsáveis por bens e valores públicos, as multas e
sanções previstas neste Capítulo.
Artigo 104 - O Tribunal de Contas
poderá aplicar multa de até 2.000 (duas mil) vezes o valor da Unidade Fiscal do
Estado de São Paulo (UFESP) ou outro valor unitário que venha a substituí-la,
aos responsáveis por:
(...)
II – ato praticado com infração à norma legal ou
regulamentar;
A análise dessas
normas leva à expansão da figura do responsável para fins de aplicação de
sanções pelo TCE-SP, pois ele pode ser identificado como o agente público ou o
particular que pratique ato com infração à norma legal ou regulamentar, além
daquele que execute ação que cause prejuízo ao Erário. Em outras palavras, o
termo responsáveis abrange os agentes públicos envolvidos e as pessoas físicas
e jurídicas privadas que mantenham relacionamento com o Estado.
Acrescento que, no
âmbito dos ajustes administrativos, especialmente na fase de execução, ainda
que não existam, no momento, indícios de atos de corrupção —o que pode demandar
investigações dos órgãos competentes— ou de favorecimento à contratada, é
possível a responsabilização dela, em virtude do descumprimento dos deveres
legais decorrentes da probidade e da boa-fé que rege as relações contratuais.
Assim, o art. 66 da
Lei n. 8.666/1993 (correspondente ao art. 115 da Lei n. 14.133/2021) determina
que o “contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as
cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências
de sua inexecução total ou parcial”, regra que é complementada pelas
disposições de direito privado e da teoria geral dos contratos, de acordo com o
art. 54 da mencionada norma (equivalente ao art. 89 da Lei n. 14.133/2021).
A integração das
normas de direito privado aporta ao tema a disposição do art. 422 do Código
Civil, segundo o qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”.
É dentro desse
quadro de normas que a responsabilidade das empresas contratadas deve ser
analisada, uma vez que a boa execução dos ajustes firmados com o Poder Público
deve ser objeto de análise não apenas da entidade contratante, mas também da
sociedade e dos Tribunais de Contas a quem compete fiscalizar a regularidade
dos gastos realizados pela Administração Pública.
Dimas Ramalho - Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
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