Recentemente, a 4ª
Vara do Trabalho de São Paulo, em decisão bastante polêmica e comentada,
condenou a Uber a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de
R$ 1.000.000,00 (um bilhão de reais) e a realizar a contratação de todos os
motoristas vinculados a sua plataforma pelo regime celetista. A referida
decisão foi proferida no âmbito de Ação Civil Pública proposta da Procuradoria
Regional do Trabalho da 2ª Região, onde o parquet se baseou em denúncia da
Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA), na qual é alegada a
existência de vínculo empregatício entre os motoristas e o aplicativo.
De início, é
importante termos em mente que a decisão contraria os entendimentos já
consolidados de nossos tribunais superiores, os quais entendem pela
inexistência de relação hierárquica e de subordinação com os motoristas, uma
vez que os serviços são prestados de forma eventual e sem a estipulação de
horários pré-definidos. Uma breve pesquisa nos mostra que tais argumentos são
adotados pela 4ª Turma do TST, pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como pelo
Supremo Tribunal Federal, que vêm entendendo pela permissão do texto
constitucional para a existência de formas alternativas à relação formal de
emprego.
A compreensão das
questões envolvendo os aplicativos de transporte, todavia, não se cinge a
comparação entre entendimentos das Cortes Superiores, havendo muitas questões
transversais a serem consideradas concretamente.
É forçoso
reconhecer que o enquadramento jurídico das relações entabuladas entre a Uber
os motoristas, não se adequa perfeitamente aos paradigmas jurídico-contratuais
clássicos das relações de emprego. Como pré-requisito básico desta análise é
preciso entender o contexto geral da economia do compartilhamento, termo ainda
em construção e envolto também em controvérsias.
De uma maneira
geral, a expressão economia compartilhada (sharing economy ou colaborative
economy) se relaciona com o gerenciamento das plataformas tais como
ifood,
airbnb, e olx, e a prestação de serviços sob
demanda (on demand), na forma de negociação de pessoa para pessoas (peer-to-peer
ou p2p).
O jusfilósofo da
Universidade de Direito de Harvard, Yuchai Benkler, estudioso da Internet e do
surgimento da economia da sociedade em rede, em sua obra “The wealth
of networks: how social productions transforms markets and freedom”,
defende que a economia do compartilhamento está ligada a cooperação entre as
pessoas. E esta forma associativa se desenvolve em determinados segmentos da
sociedade em rede, possibilitando a sustentação de um novo modo de produção
onde não existem salários, jornada de trabalho, ou gerenciamento
hierárquico. O Crimi.
Um elemento
central da economia do compartilhamento pode ser apontado no conceito de
consumo colaborativo, onde o que importa é como as pessoas consomem, e não como
elas produzem, partindo do princípio de que a capacidade ociosa de bens pode
ser dividida sem que as pessoas abram mão de suas liberdades ou de seu estilo
de vida. Como decorrência da transferência dos paradigmas econômicos da
produção para o consumo, podemos apontar uma economia mais descentralizada, a
desregulamentação dos mercados, e a grande valorização das oportunidades e do
empreendedorismo.
Portanto,
pretender enquadrar os participantes dos empreendimentos nascidos no mundo da
economia do compartilhamento aos paradigmas da relação de emprego definida pela
CLT em 1943, é ignorar completamente o papel da inovação tecnológica no
ordenamento jurídico.
Não é o caso de
ignorar os eventuais abusos aos direitos e garantias fundamentais de motoristas
e demais colaboradores das plataformas de serviços, pelo contrário. Uma
regulamentação que não inviabilize os benefícios dos avanços tecnológicos, mas
que proteja os indivíduos em situação de vulnerabilidade é muito benvinda.
Há muito em jogo
no processo em trâmite na 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, e não somente em
relação a Uber, seus motoristas e comunidade de usuários. É importante nos
recordarmos de que o mesmo sistema de prestação de serviços abrange dezenas de
outras plataformas, tais como Ifood, 99, Loggi e Lalamove, para citar somente
algumas. Provavelmente o engessamento das relações entre as partes levaria a
interrupção de muitos desses serviços.
As controvérsias e debates ainda tomarão muito tempo, mas é essencial que elas não sejam obstáculos instransponíveis a inovação. Thuomas Friedman, em sua já clássica obra “o mundo é plano”, nos afirmou que “geral, os pessimistas estão certos e os otimistas errados, mas todas as grandes mudanças do mundo foram levadas a cabo por otimistas”. Assim, como advogados, não podemos perder o otimismo em relação às inovações tecnológicas, nem tampouco perder de vista os valores do Estado Democrático de Direito.
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