Mesmo com as conquistas, principalmente as individuais, como as da jogadora Marta, e com várias atletas atuando na Europa, o que poderia demonstrar um reconhecimento mundial, o futebol feminino ainda causa estranheza em muitas pessoas, e isso não é só no Brasil. Pesquisa realizada no Reino Unido, mostra uma atitude misógina de 68% dos homens em relação ao esporte, quando praticado por mulheres.
A meu ver, isso ocorre por cinco fatores
principais:
- Percepção
cultural: o
futebol é visto como um "esporte masculino" e historicamente foi
dominado pelos homens.
- Sexismo: infelizmente, o
preconceito de gênero ainda é muito presente em nossa sociedade. Assim, as
pessoas (geralmente homens) podem presumir que as mulheres são
inerentemente menos capazes fisicamente e menos capazes de jogar futebol
em um alto nível. Além disso, as pessoas podem ter crenças sobre o tipo de
comportamento que é "apropriado ou não" para as mulheres. Portanto,
o futebol, por ser um esporte que envolve contato físico agressivo, acaba
sendo visto como "coisa de homem".
- Desigualdade
de investimento: o futebol feminino recebe menos investimento do que o masculino,
o que pode causar a impressão de que o futebol feminino é de menor
qualidade ou menos importante. Os salários e condições de trabalho
têm sido muito melhores no futebol masculino do que no feminino. Há mais
patrocinadores interessados no futebol masculino do que no feminino.
- Falta
de visibilidade: ainda recebe muito menos atenção da mídia do que o futebol
masculino. Isso inclui não apenas a transmissão de jogos, mas também a
cobertura de notícias e histórias de jogadoras. Isso pode levar a um ciclo
vicioso: a mídia pode justificar sua falta de cobertura, alegando que não
há interesse suficiente no futebol feminino, mas sem cobertura da mídia, o
esporte tem dificuldade em atrair novos fãs e jogadoras.
- História mais curta: o futebol feminino tem uma história muito mais curta do que o masculino. Por exemplo, a primeira Copa do Mundo de futebol masculino foi realizada em 1930, enquanto que a primeira Copa do Mundo de futebol feminino foi realizada mais de 60 anos depois, em 1991.
A crítica a Renata Silveira, a primeira mulher a narrar jogos de futebol da Copa no Brasil, certamente é atravessada por sexismo. Como mencionei anteriormente, o futebol é historicamente dominado por homens, as mulheres que desafiam esse status quo - seja jogando, treinando, comentando ou narrando - ainda enfrentam muita resistência.
É importante notar que esses fatores estão mudando e o futebol feminino está se tornando cada vez mais normalizado e respeitado. As conquistas, como as da meia-atacante Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo, juntamente com um maior investimento e cobertura da mídia, estão ajudando a mudar as percepções sobre o esporte. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a paridade total com o futebol masculino.
Além disso, um fenômeno estudado pela psicologia é
o viés de confirmação, que é a nossa tendência de interpretar informações de
forma que confirmem as nossas crenças pré-existentes. Portanto, aqueles que já
acreditam que as mulheres não deveriam narrar jogos de futebol podem
interpretar a narração de Silveira de uma maneira negativa, independentemente
de seu desempenho real.
A psicologia nos ensina que sempre há um elemento
de estranheza com aquilo que é novidade, com o desconhecido. As pessoas estão
muito mais acostumadas a ver homens jogando futebol e a ouvir vozes masculinas
narrando os jogos. Ver uma mulher jogando ou narrando futebol imediatamente é
percebido como algo esquisito.
Felizmente, a psicologia também nos dá a solução: a
familiaridade surge da exposição. Com o passar do tempo, começamos a normalizar
as coisas que experienciamos regularmente. As coisas que são constantes e
duradouras em nossa cultura tendem a se tornar os padrões que
aceitamos.
O futebol masculino tem uma presença constante na
cultura, certo? Isso gerou uma familiaridade que torna o futebol masculino um "padrão",
aquilo que é o “normal” para muitas pessoas. Portanto, quando as mulheres
entram em campo - literalmente - ocorre um desvio desse "padrão".
Inicialmente, isso causa estranheza, resistência e desconforto. Depois, à
medida que as pessoas vão sendo cada vez mais expostas à participação das
mulheres no futebol, um novo padrão é construído - o de que o futebol feminino
é tão emocionante quanto o masculino.
Jan Luiz Leonardi - psicólogo,
formado em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech, dos EUA, com
mestrado em Psicologia Experimental pela PUC-SP e doutorado em Psicologia
Clínica pela USP. É coordenador do Clube de Excelência em Psicologia Baseada em
Evidências.
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