“Quando as pessoas respondem pior ao tratamento, procuramos entender melhor a infância e verificamos que 80% passaram por algum tipo de abuso emocional”
O tratamento da
depressão provocada por diferentes estressores é um dos principais desafios dos
profissionais da saúde mental e tem sucesso, principalmente, com o auxílio
medicamentoso, em casos moderados e graves, mas as mudanças de hábitos, como
atividade física, psicoterapia e dieta alimentar, são considerados fundamentais
para que o paciente possa voltar a ter qualidade de vida e não apenas deixar de
ter sintomas.
A relação da
alimentação e a conexão entre o intestino e o cérebro são alvos de estudos, há
séculos, desde o início da medicina, e ganhou ainda mais força nas últimas
décadas com os avanços das pesquisas no processo inflamatório que leva ao
quadro depressivo.
Durante a palestra
“Intestino, Cérebro e depressão”, realizada no Congresso “Brain, Behavior and
Emotions”, no início deste mês de junho, em Florianópolis (SC), o médico Kalil
Duailibi, presidente do Departamento Científico de Psiquiatria da Associação
Paulista de Medicina (APM), lembrou que Hipócrates, pai da medicina ocidental,
já descrevia como hábitos alimentares provocavam alterações na saúde e defendia
alguns tratamentos por meio das dietas.
“Ele descrevia
vários tipos de alimentos que ajudariam diversos quadros clínicos, não só na
parte gástrica e do intestino, mas também na parte mental. Hipócrates
preconizava para a melancolia que é a nossa depressão, uma dieta que é muito
próxima do que hoje chamamos de “dieta do Mediterrâneo” com pouca carne
vermelha, e muito mais peixes, oleaginosas e azeite”, comentou.
Duailibi ressalta
que, nos últimos 200 anos, os estudos sobre nutrientes e a falta deles nos
quadros mentais avançaram, mas que a mudança na compreensão aconteceu,
principalmente, há 25 anos, com as pesquisas sobre a microbiota intestinal, que
reforçou a ligação com o cérebro.
“Nos últimos anos,
a gente tem estudado como pessoas com determinadas características de
personalidade, também têm algumas alterações nesta microbiota, como por
exemplo, pessoas com muita irritabilidade teriam mais bactérias que produzem
ácido propiônico, enquanto pessoas mais tranquilas teriam uma microbiota com
muito mais lactobacilos”, exemplificou.
A depressão
começou a ser vista como uma “doença inflamatória” a partir dos estudos sobre a
Inflamação e suas repercussões no organismo e, a partir de 2011, a ciência
avançou com o estudo do intestino permeável, conhecido como “leaky gut” ou
disbiose, no termo médico brasileiro, de onde viria este "estado
inflamatório". O psiquiatra explica que o estresse crônico geraria uma
alteração no lúmen intestinal com bactérias sendo liberadas para camadas mais
profunda, atingindo a circulação, gerando este estado inflamatório.
TRATAMENTO
Neste contexto,
Duailibi destaca a necessidade de um tratamento multidisciplinar para
depressão, que leva em consideração as diferentes características do quadro de
cada paciente, mas que também inclui os conceitos de alimentação do pai da
medicina.
“Quando a pessoa
tem um quadro depressivo de moderado em diante, a medicação é obrigatória. O
que vai desatolar essa pessoa é remédio. Quando o quadro é leve para moderado,
a atividade física, aeróbica, com dieta, mais integral, são importantes, pois
vai tratando esse ‘leaky gut’ e fecha esse estado de disbiose com bactérias do
bem que produzem gaba, serotonina”, explicou.
“A psicoterapia,
dieta, atividade física são um pacote de qualidade de vida. Não é só parar
sintomas, é preciso que o paciente volte a estar pleno, isso é muito mais do
que apenas do deixar de ter sintomas. Por isso, é fundamental o acompanhamento
de um nutricionista e um educador físico também”, acrescentou o psiquiatra.
Entre os
principais estressores entre os homens estão desemprego e insegurança
financeira. Já entre as mulheres, Duailibi cita as questões afetivas,
rompimentos e relações familiares. O quadro de abusos de substâncias com uso
contínuo do álcool ou em quantidade maiores, ainda pode agravar o quadro
depressivo e provocar lesão neural com uso frequentes.
O psiquiatra
também faz um alerta para estressores na infância como bullying, perda de pais
e avós e, principalmente, o abuso emocional. “Quando as pessoas respondem pior
ao tratamento, procuramos entender melhor a infância e verificamos que 80%
passaram por algum tipo de abuso emocional.”
Brain, Behavior
and Emotions - O maior congresso de Neurociências do Brasil reúne especialistas
de todas as regiões do Brasil para discutir atualizações nas áreas de
Psicologia, Psiquiatria, Neurologia, Gerontologia, Geriatria e Neuropsiquiatria.
A próxima edição será no Rio de Janeiro, entre os dias 26 e 29 de junho de
2024.
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