“Primeiro o A, depois, o B, um círculo aberto e aí está o C.” É assim que a coruja Arquimedes ensina ao pequeno Arthur - que, em breve, será o Rei Arthur - as primeiras letras do alfabeto, no clássico “A espada era a lei”, da Disney. Uma letra após a outra, ele, assim como toda criança, vai aprendendo a desenhar os símbolos que representam os sons do alfabeto romano, utilizado na maior parte do mundo ocidental. Mas por que, afinal, as crianças passam tanto tempo aprendendo as letras imprensa, ou de forma, se, no futuro, precisarão aprender a letra cursiva? Não seria mais fácil ensinar logo a segunda maneira?
Ler e escrever são processos muito importantes para
conectar as pessoas ao restante do mundo. Mas esses dois processos, que parecem
um fim em si mesmos, são, na verdade, o produto final de vários outros
processos subjacentes que precisam acontecer antes e que são extremamente complexos.
A especialista em Educação Infantil e coordenadora de evolução de conteúdo do
Sistema Positivo de Ensino, Anna Baratieri, explica que esses outros processos
têm a ver com representações, com as formas que temos de representar o mundo. E
a escrita não é a única dessas formas. Há a pintura, o desenho, a dança e até
mesmo a própria fala. “Partindo daí, a escrita é um sistema de representação da
representação. O alfabeto representa os sons da nossa fala, cada letra pode
representar um ou mais sons”, detalha.
Assim como acontece com todos os outros sistemas de
representação, ler e escrever são processos muito abstratos. E, na idade em que
começam a aprender esses processos, as crianças ainda têm uma mentalidade muito
concreta, apegada àquilo que é possível ver e tocar. “A criança precisa
entender primeiro que o que ela fala é um sistema de representação, que a fala
é um som encadeado no outro e que as letras do alfabeto representam cada um
desses sons. Para ela, fazer esse primeiro movimento é difícil porque o cérebro
dela ainda está muito ligado ao que é material”, completa a especialista.
O mundo como ele é
Esse processo de abstração, que é fundamental para
que os pequenos comecem a compreender que podem representar aquilo que falam
por meio de letras, sílabas e palavras completas, é muito complexo. Para evitar
trazer mais complexidade ao aprendizado, pode-se iniciar a introdução a essa
representação com a letra imprensa - ou letra de forma. Em termos de
coordenação motora, é muito mais simples fazer o registro desse tipo de letra
que o da letra cursiva, porque ela é menos rebuscada e tem traços curtos e
simples. Além disso, o fato de que cada letra é desenhada isoladamente, não
articulada com as demais, ajuda a criança a entender a articulação da fala. “É
prestando atenção ao registro escrito de letra por letra que ela começa a fazer
uma transposição para o que ela fala. Como, na escrita, ela está escrevendo uma
letra depois da outra, sem articular, ela vai conseguir entender que o processo
inverso é possível. Ou seja, ela pode pegar uma palavra falada de forma fluida
e quebrar em pequenos sons. E é a partir disso que ela vai fazer relação entre
uma letra, um som; outra letra, outro som”, destaca Anna.
Outro motivo é que o mundo é um lugar repleto de
letras de forma. Nas placas de trânsito, nas embalagens de produtos, nas
legendas de filmes e séries, nos livros, a maior parte do que está escrito,
está escrito em letra imprensa. Então, a chance de que as crianças tenham
contato com esse tipo de letra é muito maior, quando comparada à letra cursiva.
Assim, o reconhecimento que elas têm da letra imprensa é muito mais acelerado e
o processo de aprendizagem é suavizado, uma vez que o que está sendo
apresentado pelos professores são letras já familiares.
Por fim, a letra imprensa é menos variável que a
cursiva. “Cada um tem seu jeito de escrever e, ainda que nas pré-escolas a
gente veja uma letra mais desenhada, porque os professores têm esse cuidado de
desenhar melhor as letras cursivas, a letra de forma é muito mais estática.
Mesmo que as fontes sejam diferentes, o formato das letras é praticamente
sempre o mesmo”, completa. Afinal, é com essas letrinhas que os pequenos
poderão ter contato com o registro da cultura, das histórias e de tudo o que é
importante para a sociedade.
Sistema Positivo de Ensino
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