O Acidente Vascular Cerebral (AVC), conhecido
popularmente como derrame cerebral, é a segunda maior causa de morte no mundo.
E o Cirurgião-Dentista também pode ser um grande aliado na prevenção e até
mesmo na detecção de um possível AVC.
Existem dois tipos de AVCs, o isquêmico, que é
quando o fluxo de sangue é interrompido em uma artéria cerebral (responsável
por 80% dos casos), e o hemorrágico, quando ocorre o sangramento de uma das
artérias cerebrais. Ambos interrompem a oxigenação de uma parte do cérebro.
Os sinais clínicos são semelhantes e podem ocorrer
em qualquer idade. Existe ainda o AVC Transitório, conhecido como Mini-AVC.
Seus sintomas são semelhantes aos demais e podem durar até 24 horas. Após um
Mini-AVC, há um risco maior de um AVC nas semanas seguintes.
De acordo com o especialista, mestre e doutor em
Estomatologia pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Câmara Técnica
de Estomatologia do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, (CROSP), Dr.
Artur Cerri, o Cirurgião-Dentista tem uma participação importante na detecção
de alguma alteração no paciente, pois tem um contato permanente e muitas vezes
até familiar com ele. “O AVC, principalmente o isquêmico, pode não ocorrer de
forma gradativa. Na Odontologia, uma das queixas é exatamente a dormência do
rosto, uma sensação de parestesia, além da dificuldade de engolir, de caminhar
e de se comunicar”.
Para Dr. Artur Cerri, o profissional deve
aproveitar também a vantagem dos retornos para verificar a pressão arterial,
principalmente dos pacientes que têm maior risco (aqueles que bebem, fumam, que
estão sob estresse etc.). “O profissional da área raramente verifica a pressão
arterial dos pacientes, a qual é um dos indicativos de AVC. Hoje, temos
aparelhos digitais de fácil manuseio e relativamente confiáveis. Aliás, o
paciente quando senta na cadeira tem uma descarga de adrenalina que é natural
pela ansiedade e pelo medo, isso faz com que a pressão arterial suba mais
ainda”.
Ele explica que o Cirurgião-Dentista não faz essa
checagem, pois cabe ao especialista da Medicina, mas ele também é o
profissional que pode perceber e comunicar ao paciente ou a um parente alguma
situação. “Muitas vezes, o paciente tem dificuldade em deglutir. Apesar de usar
o sugador ou tentar engolir, tem dificuldade pela fraqueza e comprometimento
muscular (outro indicativo de AVC). Raramente o paciente se dá conta disso. Ele
acha normal a condição de parestesia (dormência) e atribui a qualquer outra
situação que não a condição verdadeira”.
Recursos que a Odontologia oferece na detecção
Dr. Artur relata que a radiografia panorâmica,
recurso utilizado na Odontologia para ter uma visão geral do tratamento a ser
preconizado, estudado e executado, pode muitas vezes detectar um dado
inesperado: placas de ateroma (aterosclerose). “Como é uma condição
calcificada, a radiografia panorâmica muitas vezes nos oferece a possibilidade
de ver essas placas na carótida. Por isso, o Cirurgião-Dentista precisa ter
muita atenção e não focar só na mandíbula, mas também nas áreas em volta”.
O especialista complementa que as placas costumam
ser bilaterais e, mesmo quando unilaterais, representam um grande risco. “Via
de regra, essas placas, quando pequenas, não têm interferência hemodinâmica (na
circulação sanguínea), mas no futuro podem ter interferência e consequências
sérias”. As tomografias solicitadas rotineiramente, segundo Dr. Artur, também
têm um valor muito grande não só na boca, mas nas estruturas adjacentes da
cavidade bucal.
Outro recurso que deveria ser considerado e
explorado pelos profissionais é a palpação ganglionar dos linfonodos (gânglios
linfáticos). “Temos mais de 300 linfonodos, mas a palpação de cabeça e pescoço
não é feita. Um linfonodo comprometido é um indicador de que algo não anda bem
naquela região. O Cirurgião-Dentista tem uma gama de possibilidades para ajudar
o paciente nesse sentido. Para isso, o profissional deve fazer uma anamnese
detalhada e atualizada, sempre, diz Dr. Artur Cerri.”
Importância da anamnese
O Cirurgião-Dentista, mestre em Odontologia
(Diagnóstico Bucal) pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Câmara
Técnica de Estomatologia do CROSP, Dr. Celso Augusto Lemos Júnior, também
considera que uma anamnese bem realizada pode auxiliar o profissional na
identificação de pacientes com maior risco para o AVC.
De acordo com ele, deve ser investigada a idade
acima de 55 anos, a história familiar de doenças cardiovasculares, a
hipertensão arterial, o colesterol elevado, o diabetes, a doença cardíaca, o
tabagismo, o alcoolismo, o sedentarismo, a obesidade, a estenose da carótida, a
fibrilação arterial e o uso de drogas, como a cocaína, por exemplo.
As medicações utilizadas pelo paciente, segundo Dr.
Celso, devem ser anotadas metodicamente e estudadas para identificar qual a
função dela no organismo e seus possíveis efeitos colaterais.
“Quando possível, é importante que o
Cirurgião-Dentista mantenha um diálogo com a equipe médica que atende esse
paciente de risco, para avaliar o estado geral e decidir o momento de executar
determinado procedimento odontológico. O Cirurgião-Dentista é sempre o
responsável pelo procedimento executado, independentemente de uma “liberação”
médica. A equipe médica deverá fornecer um relatório da atual condição do
paciente. Após sua leitura, o profissional tem condições de avaliar a
oportunidade do procedimento a ser executado”.
Atenção aos sinais e
sintomas
Os procedimentos de pré-atendimento visam conhecer
a saúde geral do paciente e mensurar os riscos. Segundo Dr. Celso, após o
início do atendimento, o profissional deve estar apto a reconhecer os sintomas
de um AVC.
Eles podem variar dependendo da área cerebral
afetada e podem incluir um ou vários sinais em conjunto, entre eles: paralisia
de um lado do rosto, paralisia de membros em um lado, perda de força em uma
metade do corpo, desorientação, incapacidade de falar com clareza (fala
embolada), incapacidade de perceber a própria doença (anosognosia), distúrbios
visuais (visão dupla, borrada ou perda de visão), queda de pálpebra,
formigamento, amortecimento de um lado do corpo e tontura.
Caso o Cirurgião-Dentista suspeite que o paciente
esteja tendo um AVC, ele pode usar um teste conhecido como SAMU:
S – Sorriso: peça para o paciente sorrir e veja se parte do rosto não
mexe;
A – Abraço: verifique se a pessoa consegue elevar os dois braços
como se fosse abraçar ou se um membro não se move;
M – Música: verifique se a pessoa repete o pedacinho de uma música ou
se enrola as palavras;
U – Urgente: chame uma ambulância ou vá a um pronto atendimento
especializado.
Se for positivo para uma das primeiras 3 letras, é
necessário chamar um serviço de urgência ou levar o paciente o mais rápido
possível para um atendimento médico.
Com relação aos cuidados necessários para atender o
paciente pré-disposto a desenvolver a doença, Dr. Celso explica que pouca coisa
se difere do que já se faz com um paciente sem alto risco. “Devemos avaliar
detalhadamente a anamnese, aferir a pressão arterial nas consultas, realizar consultas
seriadas e rápidas, tomar atitudes que minimizem o estresse ao máximo e manter
um diálogo com a equipe médica do paciente”.
Vale reforçar que possuir, no consultório, um
protocolo de ações a serem tomadas em caso de suspeita de AVC, com treinamento
da equipe auxiliar, é essencial, assim como ter suporte para manter a
oxigenação do paciente enquanto ele aguarda o resgate ou o encaminhamento para
atendimento médico de urgência.
Cuidados pós-AVC
Após um AVC, o plano de tratamento deverá ser
adaptado à situação de cada paciente, caso ele tenha sequelas. Assim, Dr. Celso
relata que, dependendo do paciente, pode ser necessário realizar o atendimento
à beira do leito ou em um ambulatório. “O Cirurgião-Dentista deve ter em mente
o dever de manter a saúde bucal do paciente por meio de adaptações no dia a dia
e na rotina de higiene, como por exemplo recomendar o uso de escovas com cabos
adaptados ou escovas elétricas, ou mesmo por meio do treinamento da enfermagem,
cuidadores ou parentes dos pacientes que não conseguem executar a própria
higiene oral”.
O uso de pastas com flúor é recomendado para
minimizar o risco de cárie, que costuma ser elevado em pacientes com
hiposalivação e dietas mais pastosas. O uso de enxaguatórios antissépticos para
quem tem controle adequado da deglutição pode ser recomendado.
A manutenção adequada da saúde bucal resulta em
inúmeros benefícios ao paciente que teve um AVC, pois diminui as chances de
pneumonia por aspiração e infecções orais, sejam elas bacterianas ou fúngicas,
que podem ser devastadoras nesse quadro.
Conselho
Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP)
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