À esquerda, comunidade de organismos marinhos cresceu livremente quando protegida por gaiola em São Sebastião, litoral de São Paulo, enquanto placa que ficou desprotegida (à direita) foi rapidamente predada por peixes (fotos: Gustavo Muniz Dias e Augusto Flores)
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Um consórcio internacional de
pesquisadores, dos quais 11 são brasileiros, confirmou a hipótese há muito
aventada de que, quanto mais próximos ao Equador, mais vorazes são os
predadores marinhos.
O estudo, publicado na
revista Science, é resultado de experimentos realizados em 36
pontos na costa das Américas, no Atlântico e no Pacífico, do Alasca à
Patagônia.
“A intenção era testar empiricamente
se as interações ecológicas, como competição e predação, são mesmo mais
intensas nos trópicos, diminuindo à medida que se aproximam dos polos. O estudo
mostra que sim, a ponto de diminuir a biomassa de algumas espécies”,
explica Gustavo Muniz Dias,
professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do
ABC (CCNH-UFABC), em Santo André, um dos brasileiros participantes do estudo, financiado pela FAPESP.
“Uma comunidade de invertebrados
exposta aos predadores, como vemos nos trópicos, é dominada por um conjunto de
espécies em que se vê claramente formas delas se defenderem contra a predação.
Normalmente, são organismos com estruturas calcárias, como os briozoários e
cracas presentes em marinas e cascos de embarcações. Em águas mais frias, mesmo
quando a comunidade está suscetível à predação, vemos mais invertebrados de
corpo mole, como as ascídias solitárias”, conta Augusto Flores, professor do Centro
de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP), em São
Sebastião, coautor do estudo também apoiado pela Fundação.
Segundo os
pesquisadores, o trabalho sugere como deverão ser as interações nas regiões
mais próximas dos polos à medida que a temperatura do planeta aumenta,
tornando-se mais parecidas com os trópicos atuais. Uma vez que a região mais
próxima ao Equador já é quente, no entanto, não se sabe as consequências das
mudanças climáticas nessas áreas.
“Pode ser
linear: aumenta-se a temperatura e tem-se uma intensidade maior de interações.
Mas pode haver alguma inflexão que faça com que a predação leve as comunidades
ao colapso. Por exemplo, pode ser que haja espécies no limiar de tolerância de
temperatura e, com isso, essas regiões podem sofrer uma perda de diversidade. É
difícil prever as consequências, porque não temos referencial. A região está no
máximo de temperatura que conhecemos atualmente”, afirma Dias.
Lulas livres e cracas na gaiola
Para
chegar aos resultados, os pesquisadores realizaram três experimentos padronizados
em 36 pontos costeiros das Américas, tanto no Oceano Pacífico quanto no
Atlântico. O estudo abarcou uma latitude de 115 graus, do Alasca, nos Estados
Unidos, até a Patagônia, num dos pontos mais austrais da América do Sul.
No primeiro experimento, os
pesquisadores lançaram ao mar pequenos discos de lula seca e os recolhiam
depois de uma hora. Como esperado, nos locais mais quentes, mais discos foram
comidos, demonstrando uma predação mais intensa. Em temperaturas abaixo de
20 °C, a predação chegou a zero.
Nos outros
dois experimentos, o objetivo era observar como a predação, principalmente por
peixes, afeta as comunidades de invertebrados.
Durante 12
semanas, placas de plástico protegidas por gaiolas e outras sem gaiolas ficaram
submersas para que os organismos crescessem aderidos a elas. Após o período,
uma parte das gaiolas foi aberta por duas semanas, com livre acesso pelos
predadores. As outras gaiolas continuaram fechadas.
As
ascídias solitárias, invertebrados de corpo mole, foram as maiores vítimas nos
trópicos nas placas desprotegidas. Enquanto as cracas, protegidas por suas
estruturas calcárias, permaneceram prosperando mesmo sem a proteção da gaiola.
“Em um
cenário de aquecimento das áreas temperadas, é possível que esse tipo de
organismo prospere, enquanto outros mais desprotegidos, como os de corpo mole,
sofram declínios ou mesmo desapareçam. A temperatura, portanto, é um fator
preponderante para estimarmos a intensidade de predação e, consequentemente,
quais espécies compõem essas comunidades”, completa Flores.
O estudo,
liderado pelo Instituto de Pesquisa Tropical do Smithsonian, no Panamá, e pela
Universidade Temple (Estados Unidos), teve entre as instituições brasileiras,
além da USP e da UFABC, pesquisadores das universidades federais do Ceará
(UFC), Rio Grande do Norte (UFRN), Rio de Janeiro (UFRJ), Paraná (UFPR) e do
Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, no Rio de Janeiro.
O artigo Predator control of marine communities increases with temperature
across 115 degrees of latitude pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/science.abc4916.
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/predacao-aumenta-a-medida-que-oceanos-aquecem-aponta-estudo/39127/
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