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quarta-feira, 13 de julho de 2022

Na direção do outro: como tornar a escola um ambiente de carinho

“Geral! Geral! Geral!”. Esse era o grito que eu ouvi muitas vezes no ensino médio (na verdade, no colegial, porque isso era nos anos 80), quando meus colegas de escola, com livros didáticos nas mãos, juntavam-se em volta de outro e lhe batiam na cabeça. A bem da verdade, podia-se “dar geral” com as mãos abertas, mas nunca com as mãos fechadas. Se não, era falta de respeito...

Certa vez, em uma aula de química orgânica, depois de eu responder algo errado em voz alta, o professor olhou sorrateiramente aos demais e disse “bem, meus queridos, só uma palavra pode ser dita diante desta resposta ridícula: geral!” E lá fui eu cobrir a minha cabeça, para me proteger daquela bordoada autorizada que os demais vieram aplicar em mim.

De maneira geral, a experiência de sala de aula era ruim, para mim e para muitos outros alunos. Eu estudava e tirava boas notas, mas, muitas vezes, me sentia fazendo algo que não entendia e estudava exclusivamente para meus pais e professores não ficarem bravos comigo. E, para não levar geral dos colegas. E você? Também sofreu bullying? E soube, no momento, identificar que isso estava acontecendo? E os teus filhos? Como você sabe que não estão sofrendo bullying na escola?

Em 2018, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) fez uma investigação sobre bullying, com estudantes com 15 anos de 79 países que fizeram o exame de proficiência internacional do PISA em leitura, matemática e ciências. A OCDE perguntou aos estudantes coisas como: quantas vezes os outros estudantes te deixaram fora das atividades de propósito?, quantas vezes zombaram de você?, quantas o ameaçaram?, tiraram ou destruíram suas coisas?, te agrediram fisicamente? ou espalharam boatos desagradáveis a teu respeito?

Quase um terço (29%) dos estudantes brasileiros relataram ter sofrido bullying pelo menos uma vez por mês, contra quase um quarto (23%) em média nos países da OCDE. Além disso, 12% dos estudantes brasileiros foram classificados como sendo vítimas frequentes de bullying (contra 9% em média nos países da OCDE).

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), entre os alunos do 9º. ano do Ensino Fundamental (antiga 8ª série do ginásio) que reportaram sofrer bullying, a maioria é constituída por meninos, de minorias étnicas e de origens humildes, tendo como principais causas declaradas a aparência física, raça e etnia, religião, orientação sexual e local de origem. Esses dados constam do relatório “A Educação no Brasil: Uma perspectiva internacional” da OCDE.

Do ponto de vista acadêmico, a investigação da OCDE indicou que estudantes que vivenciaram o bullying como vítima, agressor ou observador tiveram piores resultados educacionais. Em média, os estudantes brasileiros que reportaram ter sofrido bullying algumas vezes por mês pontuaram 24 pontos a menos do que os estudantes que sofreram menos bullying, considerando perfil socioeconômico dos estudantes e escolas. Para fins de comparação, a média dos estudantes em leitura foi de 413 pontos em leitura e, portanto, 24 pontos a menos é muito expressivo.

Mais importante do que isso, o efeito do bullying na saúde mental, emocional e física dos jovens é muito negativo. Estamos no mês de setembro, do movimento Setembro Amarelo, uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio. Como mostram as pesquisas no mundo todo, suicídio entre jovens (nem sempre está), mas pode estar associado à ocorrência de bullying.

A vulnerabilidade ao suicídio entre os jovens é um problema complexo, que pode estar relacionada a uma série de causas biológicas, emocionais e sociais interdependentes (e não a uma só razão), incluindo-se, dentre outros, exposição à violência dentro e fora da escola, perda de um ente querido, conflitos familiares, falta de significado, desamparo e desesperança, uso de drogas, ansiedade, depressão, esquizofrenia e outras condições psiquiátricas. Comportamentos típicos de jovens em situação de maior risco incluem o isolamento social, mudanças bruscas de humor e automutilação.

O impacto do tratamento preventivo é alto. Na escola, isso inclui educar os estudantes sobre o bullying e seus efeitos, ter uma cultura que expressamente não aceite esta prática, diferentemente daquela que tínhamos nos anos 80. Inclui ter um relacionamento próximo com os alunos, ajudar o jovem em risco a conectar-se às pessoas e ao ambiente, valorizar seus atributos e características, interessar-se pelas suas atividades, ouvi-lo individualmente e com muita proximidade e disponibilidade emocional, e encorajá-lo a tomar parte em atividades extracurriculares engajadoras.

De maneira geral, ter uma pedagogia ativa que estimule os alunos a interagir com os demais em sala (e fora dela) também diminui o risco de isolamento e de não-identificação com o projeto e ambiente escolar, assim como atividades que desenvolvam competências sócio-emocionais como auto-regulação, empatia, comunicação e criatividade.

Se os alunos são vistos e tratados como robôs que reproduzem conteúdos, eles terão dificuldade de compreender e comunicar suas questões humanas. É também muito recomendável formar a equipe pedagógica e administrativa da escola para identificar e lidar com esses indícios, e contratar uma equipe de especialistas para orientar a escola e as famílias nos casos concretos.

Mais do que tudo, o diálogo construtivo e a parceria entre pais e escola faz muita diferença na prevenção e solução dos casos. Jovens inseridos em ambientes de carinho, atenção individualizada, afeto e cuidado tendem a se sentir mais vistos e respeitados como indivíduos, e podem ser melhor apoiados.



Fernando Shayer - co-fundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa.

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