Combinação de vacina e remédio reduziu em 70% as mortes por malária em ensaio clínico
Um ensaio randomizado descobriu que a vacinação sazonal e
a combinação de medicamentos preventivos reduzem as hospitalizações e as mortes
de crianças por malária em aproximadamente 70%. Os resultados do ensaio clínico
de fase 3 foram publicados no New England Journal of Medicine. Intitulado “Seasonal
Malaria Vaccination with or without Seasonal Malaria Chemoprevention”, o
estudo acompanhou quase 6 mil crianças entre 5 e 17 meses em Burkina Faso e
Mali – dois países com carga muito alta da doença –, e onde a quimioprofilaxia
sazonal é o esquema terapêutico vigente.
Coordenado por pesquisadores da Escola de Higiene e
Medicina Tropical de Londres (LSHTM) em parceria com Institut de Recherche en
Sciences de la Santé (Burkina Faso); Malaria Research and Training Center
(Mali) e Universidade de Ciência, Tecnologia e Técnicas de Bamako (Mali), o
estudo que envolveu a primeira vacina (RTS,S/AS01) contra malária do mundo
descobriu que a administração associada, em vez de isolada, da vacina e do
medicamento antimalárico antes da estação das chuvas poderia reduzir
substancialmente os casos com risco de vida no Sahel (grande faixa Subsaariana
que cruza a África), região em que o aumento da transmissão da malária é
sazonal. Após três anos, a combinação de administração sazonal de
antimaláricos, conhecida como quimioprevenção sazonal da malária (SMC) e
vacinação diminuiu os episódios clínicos, as internações hospitalares com
malária grave definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como as
mortes provocadas pela doença. A SMC é a abordagem usada atualmente em Burkina
Faso e Mali. “Esta é a primeira vez que uma combinação de quimioprevenção e
vacinação demonstrou ser sinérgica na redução da incidência de malária não
complicada e grave”, destaca o professor da LSHTM e membro da equipe de
pesquisa e Dr. Daniel Chandramohan.
Para este estudo duplo-cego, randomizado e controlado, as
crianças foram divididas em três grupos de intervenção, sendo que um deles
recebeu a vacina RTS,S / AS01E sozinha; outro recebeu a quimioprevenção sazonal
da malária sozinha, e o terceiro grupo recebeu uma combinação de vacina e SMC.
Com isso, a equipe descobriu que uma combinação da vacina RTS,S / AS01E e SMC
foi mais eficaz do que a vacina ou a SMC sozinha. A associação com a vacina
reduziu a incidência de casos de infecção em 62%, de malária grave em 70% e de
morte pela doença em 73%.
O Dr. Chandramohan explica que as crianças receberam três
doses da vacina antes da estação de transmissão da malária no primeiro ano e,
em seguida, uma dose de reforço antes da estação das chuvas nos anos
subsequentes. Questionado se houve alguma evidência de que a eficácia da
intervenção combinada contra a malária clínica foi maior nos poucos meses após
a série primária de vacinações do que após as doses de reforço, o Dr.
Chandramohan confirma e diz que o efeito após as doses primárias da vacina foi
maior do que as doses de reforço no ano 2 e no ano 3. “No entanto, o efeito da
combinação da vacina e quimioprevenção foi significativamente maior do que a
SMC isolada. Estamos acompanhando as crianças do estudo para avaliar o efeito
das doses de reforço 3 e 4. Os resultados estarão disponíveis em 2022”,
acrescenta.
Para o pesquisador, esta combinação, com resultados
surpreendentes, tem o potencial de prevenir a malária em grandes partes da
África, onde os casos permanecem altos e onde a doença é transmitida
sazonalmente. “a vacinação sazonal com quimioprevenção sazonal será uma nova
abordagem para reduzir o fardo da malária nas áreas de transmissão sazonal”,
ressalta. Ainda segundo o o Dr. Chandramohan, se a resistência aos medicamentos
usados atualmente para SMC aumentar, a vacinação sazonal com RTS,S / AS01 pode
ser uma solução potencial. “Se a resistência a Sulfadoxina-pirimetamina +
amodiaquina (SP + AQ) se tornar alta e se não houver uma combinação alternativa
de medicamentos, a vacinação sazonal por si só é uma opção”, aponta.
A quimioprevenção sazonal com a vacina tem um impacto
positivo ao reduzir o efeito da doença nas crianças. Entretanto, as atividades
de prevenção devem ser uma prioridade para o apoio internacional.
“Esperançosamente, a reunião do Grupo Assessor Estratégico de Expertos (SAGE,
na sigla em inglês) da OMS / Grupo Consultivo de Políticas de Malária (MPAG, na
sigla em inglês) em outubro recomendará o aumento da vacinação contra a malária
e possivelmente a combinação de quimioprevenção associada à vacinação sazonal”,
comemora.
Por fim, o professor detalha que está sendo avaliada a
possibilidade de malária “rebote ou retardada” em sua coorte de estudo. Também
estão modelando e planejando realizar estudos para avaliar diferentes
abordagens para fornecer a combinação de vacinação sazonal e quimioprevenção.
Ambas as intervenções podem ser entregues no modo de Programa Expandido de
Imunização (EPI) ou em campanhas ou uma combinação dessas duas abordagens. Além
disso, um estudo de custo-benefício está em andamento para estimar quantos
dólares foram gastos por criança/ ano. “Ainda não sabemos o preço exato da
vacina por dose, mas teremos ideia em alguns meses”, enfatiza.
Uma solução econômica
De acordo com o estudo “Effectiveness
of seasonal malaria chemoprevention at scale in west and central Africa: an
observational study“, o tratamento com a SMC foi associado a uma eficácia
protetora de 88,2%, com custo econômico médio de US $ 3.63 por criança/ano. O
estudo intitulado “Cost-effectiveness of district-wide seasonal malaria
chemoprevention when implemented through routine malaria control programme in
Kita, Mali using fixed point distribution“ ratifica a informação.
Sobre a malária
Doença febril aguda, a malária é causada por protozoários
do gênero Plasmodium e transmitida pela picada do
mosquito Anopheles sp, popularmente conhecido como mosquito-prego. A
doença, que provoca uma série de sintomas, incluindo dores de cabeça,
mal-estar, problemas gastrointestinais, dores nas costas, tosse e problemas
neurológicos, desde tonturas e convulsões e até coma, está presente em 87
países. Em 2019, foram 229 milhões de pessoas infectadas no mundo, e 409 mil
mortes. Crianças com menos de 5 anos na África Subsaariana representam
aproximadamente dois terços desses óbitos. Em 2000, foram reportados 238
milhões de infecções. Para saber mais, clique aqui. Há cinco espécies de parasitas que causam
malária e duas dessas – P. falciparum e P. vivax – são as
maiores ameaças.
Sobre a vacina
RTS,S / AS01 (nome comercial Mosquirix) é uma vacina
recombinante à base de proteína. Aprovada para uso pelos reguladores europeus
em julho de 2015, é a primeira vacina licenciada contra malária do mundo e
também a primeira licenciada para uso contra qualquer doença parasitária humana
de qualquer tipo. A RTS,S / AS01 foi concebida e criada no final dos anos 80
por cientistas que trabalhavam nos laboratórios SmithKline Beecham Biologicals
(hoje GlaxoSmithKline Vaccines) na Bélgica. Ela foi desenvolvida através de uma
colaboração entre a GSK e o Instituto de Pesquisa do Exército Walter Reed e foi
financiada em parte pela Iniciativa de Vacinas contra a Malária PATH e pela
Fundação Bill e Melinda Gates. Sua eficácia varia de 26 a 50% em bebês e
crianças pequenas. Em 23 de outubro de 2015, o Grupo Consultivo Estratégico da
OMS para a Imunização (SAGE) e o Comitê Consultivo para Políticas da Malária
(MPAC) recomendaram em conjunto uma implementação piloto da vacina na África.
Este projeto-piloto de vacinação foi lançado em 23 de abril de 2019 no Malawi,
em 30 de abril de 2019 no Gana e em 13 de setembro de 2019 no Quênia.
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