O necessário
distanciamento social trouxe à tona novamente o debate em torno da adoção do
ensino domiciliar. O projeto de lei que regula o chamado homeschooling é uma
pauta histórica de grupos religiosos e ideológicos que tramita pelo Congresso
há quase uma década. A discussão do tema ganhou força no governo Bolsonaro, que
aproveita a crise sanitária para aprová-la ainda neste semestre, sem o crivo da
Comissão de Educação, onde poderia e deveria haver um aprofundamento da
discussão.
Esta análise é necessária se for levada em conta que altera dispositivos da Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, e da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente. A pergunta que deve nortear esse
debate, porém, é se este realmente deve ser o foco da discussão.
E especialistas são unânimes em responder que não.
Num país em que o modelo de ensino é sempre tido como único e as diferenças de
ofertas são marginais, é fazer o rabo balançar o cachorro. Deixa-se de lado o
debate principal que envolve a busca pelo melhor modelo educacional para só
depois replicá-lo na rede pública e privada.
Outro ponto que coloca o homeschooling em xeque é que são pouquíssimas famílias
que estariam preparadas para deixar os seus filhos fora da escola a fim de lhes
dar uma formação melhor em casa. A realidade de uma parte significativa dos
estudantes é que muitos vão para a escola porque não têm com quem ficar no
período em que os pais precisam trabalhar.
Nos casos em que existe a possibilidade de um dos pais ou algum responsável
dedicar tempo de acompanhamento do processo de aprendizado dos filhos ou
tutelados, a proposta pode fazer sentido e ser significativa. Mas é fato que o
tempo para isso é escasso devido à rotina de atividades domésticas dos
responsáveis. E há de se ter também, além de horas disponíveis, condições
intelectuais.
Não é à toa que a maior queixa das escolas de educação básica é a de que os
pais entregaram para as escolas o papel de educar, de orientar o bem e o mal, e
de preparar para a realidade da vida. O que vai muito além de transferir
conhecimento.
Embora hoje o conteúdo seja commodity e muitos professores se formem com
escancarada defasagem no processo pedagógico, os recursos coletivos que as
escolas dispõem possibilitam troca de informações com outros alunos da mesma
faixa etária e uma formação que os prepara para conviver com cidadãos diferentes,
para lidarem com a diversidade do mundo. É algo que vai além do preparo para o
mercado de trabalho ou para a interpretação de texto.
Por isso, debater homeschooling é tornar a exceção o tema central. Não estamos
preparados socialmente, financeiramente e intelectualmente para lidar com isso.
As novas metodologias, os recursos tecnológicos de apoio e o material didático
não dão conta de substituir a orientação do professor e a idealização do
cidadão presente.
César Silva - diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e
docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo - FATEC-SP há mais de 30 anos.
Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em
Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos, Processos
Organizacionais e Sistemas de Informação.
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