Mais rápida, barata e sustentável, técnica analítica pode ser importante aliada dos médicos no tratamento de diversos tipos de doenças
Um novo método desenvolvido
por cientistas do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP promete
simplificar o processo para detectar a presença e determinar a concentração de
medicamentos no organismo de uma pessoa. Além de ser mais rápida e barata, a
técnica exige uma quantidade bem menor de amostras de urina, sangue ou saliva
de alguém que precisa passar por exames médicos. O procedimento pode ser um
importante aliado dos profissionais da saúde no tratamento de pacientes
acometidos por diversos tipos de doenças e até mesmo em perícias no caso de
intoxicações por uso abusivo de fármacos ou mortes por overdose. Os resultados
obtidos no trabalho geraram um artigo que foi publicado na Molecules, revista
científica internacional da área de química.
A metodologia foi aplicada em
amostras de urina humana para identificar cinco tipos de antidepressivos e
antiepiléticos muito utilizados no Brasil: Carbamazepina, Citalopram,
Desipramina, Sertralina e Clomipramina. Segundo os cientistas, monitorar a
concentração de medicamentos presentes no organismo é importante, por exemplo,
para avaliar a eficácia de um tratamento. Se o paciente excreta uma porcentagem
muito alta de certo remédio pela urina, isso pode explicar o fato do composto
não estar surtindo efeito, permitindo que o médico mude a estratégia da
terapia. Outro motivo que mostra a relevância de se realizar esse tipo de
avaliação na área médica é que, nas últimas décadas, o uso excessivo de alguns
fármacos para fins recreativos tem preocupado organizações de saúde em todo o
mundo. Esse hábito pode causar graves problemas de intoxicação, o que demanda
análises precisas dos medicamentos ingeridos pelo usuário no caso de algum
incidente.
Como funciona o método? - Primeiramente, a amostra a ser
analisada passa por uma espécie de filtro para eliminar algumas impurezas que
podem interferir no resultado. Depois disso, a porção de urina é colocada
dentro de um equipamento (cromatógrafo líquido) onde um robô suga parte da
amostra para que ela seja misturada com os solventes, compostos que ajudam a
transportá-la até tubos bem finos, responsáveis por reter e separar os
medicamentos. Após essa etapa, os fármacos são encaminhados para outro aparelho,
chamado espectrômetro de massas, que realiza a identificação e quantificação
dos remédios. Todo esse processo é desenvolvido, otimizado e repassado
previamente pelos cientistas a um computador, que executa as tarefas de forma
automática.
“Diferentemente dos métodos
tradicionais, que envolvem uma série de procedimentos manuais trabalhosos e
demorados para preparar as amostras, nós conseguimos automatizar o processo,
eliminando diversas etapas. Isso fez com que o tempo de análise caísse pela
metade, passando de aproximadamente 16 minutos no método convencional para
cerca de oito minutos com o nosso método. Além disso, é possível realizar e
controlar todos esse passo a passo a distância, direto das nossas casas, por
exemplo, tornando o procedimento muito mais flexível”, explica Edvaldo
Vasconcelos Soares Maciel, autor do trabalho e doutorando do IQSC.
O pesquisador conta que a
nova metodologia pode ser adaptada para monitorar e detectar qualquer tipo de
medicamento ou produto ingerível em outros tipos de fluidos biológicos, como a
saliva e o sangue, e até mesmo ser utilizada em outras áreas, como meio
ambiente e no ramo alimentício - os cientistas, inclusive, já testaram o método
para avaliar a presença de agrotóxicos no mel produzido por abelhas e de toxinas
no vinho. Outro benefício da técnica é que ela demanda uma quantidade bem menor
de solventes e amostras para que a detecção dos compostos de interesse seja
feita, barateando o processo: “Pensando em um exame que exige a coleta de
sangue do paciente, ou seja, um procedimento invasivo, é interessante que
retiremos a amostra rapidamente, na menor fração possível, evitando ao máximo
qualquer desconforto. Já com relação aos solventes, com apenas uma gota já
conseguimos realizar a análise, quantidade aproximadamente 100 vezes menor que
a utilizada nos métodos tradicionais”.
Um outro item que também
possibilitou o barateamento das análises foi o desenvolvimento dos pequenos
tubos utilizados durante o processo de separação, detecção e quantificação dos
medicamentos. Feitos de óxido de grafeno e sílica (principal componente da
areia), os dispositivos criados no IQSC são mais finos que os convencionais e
possuem um custo bem menor que os encontrados no mercado. De acordo com o
professor Fernando Mauro Lanças, docente do IQSC e orientador de Edvaldo, a
redução de custos pode beneficiar, principalmente, a indústria, que muitas
vezes realiza experimentos 24 horas por dia. Lanças afirma ainda que a
utilização de quantidades menores de solventes, além de gerar benefícios econômicos,
também contribui para o estímulo da sustentabilidade, já que o excedente desses
compostos, que geralmente são nocivos e tóxicos ao meio ambiente, é descartado.
“Muito maior do que o preço que se paga para comprar esses solventes são os
gastos para dar um destino adequado a eles, que não podem ser jogados em
qualquer lugar. Então, uma vez que nós trabalhamos com quantidades menores
desses materiais, obviamente teremos menos produtos para descartar, deixando o
processo mais ecológico”, explica.
Os testes com o novo método
foram realizados em amostras brancas (limpas) de urina humana, nas quais foram
adicionados os princípios ativos dos medicamentos que os pesquisadores
pretendiam identificar. Os resultados comprovaram a eficiência na execução de todos
os passos da análise, garantindo a separação, detecção e quantificação dos
remédios. Também foram analisadas outras 10 amostras de urina, essas
diretamente de doadores que concordaram em participar do trabalho. As amostras
não passaram por nenhum tratamento específico e foram analisadas “às cegas”.
Nos testes, foi detectada a presença de resíduos de citalopram na urina de um
dos voluntários.
Problema mundial - Os transtornos mentais humanos, como
depressão e ansiedade, podem ser classificados atualmente como um dos problemas
que mais desafiam a medicina. Sem idade certa para afetar as pessoas, esses
distúrbios causam tanto impactos econômicos como sociais. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que 4,4% da população mundial já
tenha sofrido dessas patologias e a previsão é de que a depressão será o
segundo transtorno humano mais prevalente em 2030. Segundo a Pesquisa Nacional
de Saúde (PNS) de 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), cerca de 16,3 milhões de pessoas com mais de 18 anos sofrem
de depressão no país, um aumento de 34,2% no período de 2013 a 2019. Os
tratamentos envolvem psicoterapia cognitiva e, principalmente, a ingestão oral
de antidepressivos e, em alguns casos, até de antiepilépticos, que também podem
ser usados para tratar esses distúrbios, pois atuam como estabilizadores do
humor.
O método desenvolvido no IQSC
já foi validado e está pronto para ser incorporado à indústria ou transferido
para hospitais que desejarem utilizá-lo. O trabalho foi financiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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