Foi divulgado, recentemente, que o aplicativo iFood obteve autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para efetuar voos com drones. Por meio desta forma de transporte, serão realizadas entregas, inicialmente, de forma híbrida, pois parte da logística será operada com drone enquanto outra parte com entregadores. A rota, num primeiro momento, é curta, cerca de 400 metros entre a praça de alimentação e o centro de distribuição do aplicativo situado dentro do mesmo shopping. É a partir desse local que os entregadores assumirão a conclusão da remessa.
Segundo
a empresa, o percurso que duraria cerca de 12 minutos será realizado numa média
de 2 minutos. A previsão é a de que essa experiência se inicie num centro
comercial na cidade de Campinas a partir do mês de outubro de 2020. A ampliação
para outras localidades nesta cidade e em outras pelo Brasil dependerá dos
resultados obtidos nessa primeira experiência.
Outras
empresas têm divulgado a realização de voos experimentais para entregas por
meio de drones.
A Unilever, por exemplo, desde 2017 tem estudos relacionados e, em fevereiro de
2020, num evento anual, fez um voo demonstrativo para investidores em sua sede
nos EUA, transportando três recipientes de sorvete com setenta e duas gramas
cada. É também conhecido o projeto do sistema de correios da Suíça que acabou
cancelado devido a identificação de problemas técnicos nas aeronaves.
Os
exemplos acima demonstram, a despeito de serem eficazes ou não, que a
utilização dos drones
como um meio de transporte entre as grandes empresas parece algo inevitável -
um caminho quase natural nos grandes centros urbanos -, afinal há algo de
encantador em seu uso: a articulação entre velocidade e eficiência.
No
entanto, elementos problematizadores devem ser trazidos à tona, pois a
realidade é por demasiado complexa para ser apreendida de maneira superficial e
imediata. Se, por um lado, os drones
parecem uma saída interessante para o desenvolvimento da logística em cidades
com seus modais limitados e limitantes aos humanos e às mercadorias, por outro,
é possível e desejável questionar sobre o desenvolvimento desses mesmos
espaços.
Não
se deve esquecer que ao longo do século XX e XXI os órgãos públicos, no Brasil,
privilegiaram o transporte rodoviário em detrimento de opções ferroviárias e
metroviárias e prejudicaram as desejadas eficiência e rapidez. Essa escolha
associada a uma significativa ineficiência dos transportes públicos e ao
incentivo do transporte individual têm inflado as regiões mais urbanizadas de
carros e motos; a consequência imediata desse processo é a crescente lentidão
no deslocamento e a intensificação do impacto ambiental negativo.
Relacionado
à situação descrita acima, encontra-se um histórico de precariedade no que diz
respeito ao planejamento urbano. Em regra, a debilidade na construção das
cidades brasileiras é experimentada pelas classes mais desfavorecidas e, por
isso, a constatação de que as cidades são espaços reveladores de profundas
desigualdades é há muito, repisada entre os estudiosos.
Tendo
o exposto acima, se os drones
parecem uma saída para garantir uma logística mais adequada às necessidades de
indivíduos e empresas que devem agilizar suas entregas, pois, afinal, a
sociedade como um todo tem acelerado também o tempo do consumo e da produção, é
um dever do cidadão participar e questionar as escolhas realizadas pelo poder
público.
Ao
que parece, se a utilização dos drones
na vida cotidiana é a demonstração de uma certa capacidade tecnológica (tal
qual foi a introdução da informática), ele também é uma resposta individual
para um problema que é público e coletivo, a saber a mobilidade urbana. O uso
desta forma de transporte indica uma resposta individual/privada que,
provavelmente, não será oferecida a toda população, pois tais serviços terão um
custo e, em consonância com a precariedade do planejamento urbano apresentada
acima, tendem a ser ofertados em bairros mais abastados que, em regra, contam
com melhores serviços e infraestrutura.
A
utilização dos drones
na vida cotidiana deverá apresentar muitos outros questionamentos para além dos
que foram até aqui trazidos, tais como: riscos à segurança dos cidadãos,
impactos sociais e ambientais, regulamentações, dentre outros. A renúncia em
discuti-los caracteriza a rejeição do diálogo e do debate coletivo que numa
sociedade cada vez mais dinâmica e complexa, representando uma conduta com
graves consequências.
Valéria
Pilão - doutora em Ciências Sociais, professora do curso de Sociologia do
Centro Universitário Internacional Uninter.
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