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terça-feira, 23 de julho de 2019

O Lobby no Brasil e o que podemos importar de melhores práticas dos Estados Unidos


Como já é sabido por grande parte da sociedade, o lobby no Brasil sempre teve uma conotação negativa. A falta de regulamentação e o “jeitinho brasileiro de fazer relacionamento”, fizeram com que esse mercado sempre navegasse na obscuridade e cercado por práticas altamente questionáveis no que tange a relação entre empresas e governo. 

Entretanto, é passado da hora de ressignificar o termo e trazer à tona sua real definição. Um país cresce e se desenvolve muito quando o setor privado e público trabalham juntos e com transparência na formatação e execução de políticas públicas de qualidade. Esses dois setores devem ser parceiros - e não inimigos.

Recentemente, tive o privilégio de fazer parte de um seleto grupo de executivos que participaram da II Missão de Global Advocacy e International Lobbying, em Washington, D.C. Uma iniciativa do Irelgov, em parceria com a AMCHAM e a George Washington University (uma das referências mundiais na área de Relações Governamentais), e com o apoio da VITTORE Partners. 

O programa, que durou uma semana, colocou o grupo brasileiro de volta para sala de aula, onde discutimos de maneira interdisciplinar os vários pilares da área de relações governamentais. Além disso, todos os dias, após o período de aulas, nós visitamos entidades públicas e privadas para entender quais são as melhores práticas do lobby nos Estados Unidos.

Muitas coisas despertaram minha atenção ao longo da missão, mas a principal delas foi a transformação pela qual a área está passando, mesmo no país onde o lobby é “referência mundial”. Um dos mais importantes componentes dessa transformação é a revolução tecnológica, que está delimitando novos campos de atuação para as Relações Governamentais. 

Se antes o relacionamento entre empresas e governo era feito praticamente de maneira pessoal e por meio da mídia tradicional, hoje é indispensável o uso de tecnologia e das redes sociais para estabelecer essa comunicação. Até porque, a sociedade é um dos stakeholders (públicos estratégicos) mais importantes desse processo e os cidadãos estão, sim, cada dia mais ativos e presentes no debate político. 

Sim, as pessoas comuns (sociedade civil) são parte fundamental de qualquer ação de lobby nos USA e têm grande impacto e interferência nas políticas públicas!  

Outro fator que têm crescido muito ao longo dos anos naquele país (e que tem começado a gerar reflexo direto aqui no Brasil atualmente) é a relevância da área dentro das organizações. As Relações Governamentais estão ganhando um papel estratégico dentro das empresas, principalmente porque o nível de confiança que os empregados têm perante as empresas americanas é o maior de todos os tempos, muito mais que o governo, e outras entidades (conforme pesquisa atual que nos foi mostrada em uma das aulas).

Em uma realidade onde são as pessoas que escolhem onde querem trabalhar e não o oposto, a comunicação interna precisa engajar e impactar os colaboradores de maneira a fazê-los a acreditar no negócio e contribuir positivamente para a sua prosperidade. Por outro lado, a comunicação externa (que vai desde a comunicação com o cliente, com a sociedade, com a comunidade local, com o governo, entre tantos outros stakeholders), precisa construir o posicionamento da organização e se relacionar bem com os seus públicos para fortalecer a imagem e adquirir públicos fieis à empresa e suas causas.

A confiança da população é um fator extremamente importante para o sucesso de uma empresa, que pode ser arruinado em questão de dias com uma crise de imagem. Falamos muito sobre gerenciamento de crises e a relevância de ter ações preventivas, evitando eventos e circunstâncias que acarretem danos à imagem. Abordamos alguns casos importantes e históricos e, por estarmos em um grupo de executivos brasileiros, acabamos discutindo bastante esse ponto nos casos de Mariana e Brumadinho, inclusive o fator reincidência.

As visitas aos órgãos públicos e privados também foram muito enriquecedoras. Conhecemos uma grande consultoria internacional de lobby e pudemos entender melhor todo o processo e estratégia de Relações Governamentais adotados em mercados fora dos USA. Visitamos também um dos principais Institutos de Relações Governamentais Americano, que tem por objetivo dar todo suporte para seus clientes (pessoas jurídicas e físicas) no que tange a matéria, incluindo apoio na montagem de uma área dentro de um cliente, suporte às negociações e, até mesmo, auxilio nas melhores estratégias de lobby dentro do congresso americano. 

Também visitamos o congresso americano e o gabinete de um congressista Democarata, experiência riquíssima onde pudemos entender um pouco da história de como funciona a política na maior democracia do mundo.

Ao longo desses dias, uma coisa ficou muito clara. O mapeamento de stakeholders e o levantamento das ferramentas de engajamento e comunicação com os públicos alvo são os principais pilares de estruturação e sustentação da área. Só conseguimos desenvolver boas práticas de lobby quando entendemos a fundo o segmento em que a organização está inserida, o ambiente político externo e o público com o qual a organização deseja conversar. Exercícios e técnicas de negociação também fizeram parte do nosso treinamento. 

A leitura de ambiente e comportamento, assim como técnicas de engajamento e persuasão, entraram no currículo ao longo dos dias na universidade. Principalmente, porque as mudanças propostas para políticas públicas são sempre transformações de médio e longo prazo. Não se transforma o ambiente público de um dia para o outro. 

Além disso, a conversa envolve muitas partes, muitas discussões e debates e, muitas vezes, um longo caminho de persuasão a ser construído. Portanto, saber engajar e manter os stakeholders certos incluídos na conversa é algo fundamental para o sucesso de um projeto em Relações Governamentais.

Um aspecto muito importante da II Missão de Global Advocacy e International Lobbying, foi entender as melhores práticas da área nos Estados Unidos, percebendo que mesmo lá não existe fórmula ideal. Trazer isso para o Brasil exige uma grande adaptação e não podemos simplesmente reproduzir o modelo americano. Teremos que encontrar o nosso caminho, pois as culturas e realidades são totalmente diferentes. 

Há muitos anos o Brasil vem discutido a necessidade de regulamentação da profissão, mas o assunto nuca foi prioridade. Entretanto, e após tantos escândalos políticos e de corrupção, e diante de várias tragédias nacionais, o debate está se tornando mais sólido e real, inclusive com o envolvimento de vários setores da sociedade, sendo que a expectativa é que o projeto de lei seja aprovado e efetivado ainda esse ano. Promover a transparência na relação entre público e privado é uma das prioridades na área e dos profissionais envolvidos. Nesse sentido, o crescimento do Compliance e do combate à corrupção tem ajudado a impulsionar a regulamentação do setor.

Fazer parte dessa equipe foi um privilégio, além de uma incrível experiência de carreira. Contribuir para o debate, conhecer grandes profissionais brasileiros da área e interagir com alguns dos mais renomados profissionais do setor nos USA foi o ponto alto dessa viagem. 

Ainda temos muito trabalho pela frente aqui no Brasil e me comprometo, no que depender da minha atuação profissional e pessoal, a ser parte ativa para as mudanças que necessitamos no setor, compartilhando tudo o que aprendi durante essa jornada fantástica em Washington.




Raul Cury Neto - um dos principais headhunters da área de Relações Governamentais do país e sócio fundador da VITTORE Partners, consultoria de recrutamento especializada nos mercados de Jurídico, Tributário, Anticorrupção e Relações Governamentais.


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