A cada 48 segundos, em média, um profissional de saúde é infectado pelo coronavírus no Brasil. Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstra que um total de 3,1 milhões de trabalhadores estavam ocupados na área médica em novembro do ano passado. Desse contingente, ao menos 490 mil já havia desenvolvido a Covid-19. O dado revela as dificuldades vividas pelos profissionais na linha de frente do combate à pandemia: jornadas de trabalho extensas, falta de equipamentos de proteção, escassez de testes para a Covid-19, entre outros problemas.
Especialistas apontam que a
precarização do trabalho na área médica deve gerar um volume cada vez maior de
ações trabalhistas relacionadas ao contágio dos profissionais de saúde pelo
coronavírus. Temas que estão presentes hoje no Judiciário e que devem se tornar
mais frequentes são o pedido de auxílio-acidente e de estabilidade para o
trabalhador acidentado; o reconhecimento de horas extras; o adicional
de insalubridade e periculosidade; indenizações por danos morais decorrentes da
infecção por Covid-19; o desrespeito ao intervalo para a refeição; e o pedido
de adicional por acúmulo de função.
“Estamos diante de um dado
bastante elevado mesmo que para uma situação pandêmica. Vemos que o número de
ações decorrentes de contágio e sequelas da Covid-19 em empregados da rede
médica, bem como ações decorrentes de doenças mentais oriundas da pandemia,
devem ter uma crescente nos próximos anos”, analisa Mayara Galhardo Felisberto, advogada
trabalhista do escritório Baraldi Mélega Advogados.
A proteção no ambiente de
trabalho dos profissionais de saúde é regulamentada hoje pela Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) e pelas chamadas Normas Regulamentadoras (NRs) do
Ministério da Economia. A CLT exige o cumprimento pelo empregador de normas de
segurança e medicina do trabalho, assim como a instrução dos empregados quanto
às precauções a serem tomadas. Já as NRs tratam, por exemplo, de riscos como o
contágio por agentes biológicos como, por exemplo, o coronavírus.
A advogada trabalhista Denise Arantes,
sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, lembra que
há penalidades para as empresas que deixam de garantir a proteção do
trabalhador da área médica. “O descumprimento das normas pode acarretar
responsabilidade administrativa para o empregador, com a possibilidade de
aplicação de multas e interdição do estabelecimento. Em relação à
responsabilidade trabalhista, os empregadores são obrigados, nos termos da lei,
a efetuar o pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade e a
cumprir as exigências previstas nas normas coletivas e na lei, inclusive
relacionadas ao afastamento de profissionais em grupos de risco e dos
profissionais que adoecem”, afirma.
O empregador também possui
responsabilidade civil em relação aos trabalhadores, o que dá direito a
indenizações relacionadas a despesas com o tratamento médico e a danos morais,
assim como ao recebimento de benefício previdenciário por doença ocupacional.
“É preciso dizer ainda, que os empregadores podem ser responsabilizados
criminalmente pelo descumprimento de normas de segurança, que podem caracterizar
desde contravenção penal, punível com multa, a crime de perigo, caso haja
exposição da vida ou da saúde do trabalhador a perigo direto e iminente”,
acrescenta Denise Arantes.
O advogado trabalhista Ruslan Stuchi,
sócio do escritório Stuchi Advogados, orienta que os
trabalhadores de saúde podem buscar o auxílio das entidades sindicais para
garantir a proteção no ambiente de trabalho por meio de acordos individuais e
coletivos. “Cabe ao sindicato a preservação de suas condições de saúde e um
ambiente saudável de trabalho. É fundamental a negociação de cláusulas pelo
sindicato com o empregador”, afirma.
Os trabalhadores que atuam
nas áreas administrativa de hospitais também estão sobre forte pressão e
exposição ao risco de contrair a Covid-19. “Quando possível, deveriam trabalhar
de forma remota, já que não teriam contato com o agente biológico. Ocorre que
em home office também
abre a possibilidade de outros riscos físicos e emocionais, que também merecem
atenção”, pondera Lariane
Del Vechio, especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório BDB
Advogados.
Setor público versus
privado
Atualmente, o descumprimento
de medidas protetivas tanto por hospitais públicos, que compõe o Sistema Único
de Saúde (SUS), quanto por hospitais particulares, têm resultado no ajuizamento
de ações civis públicas e ações coletivas pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT).
Entretanto, segundo
especialistas, a vulnerabilidade dos profissionais ao contágio por Covid-19 é
maior no setor público. O risco tem se reproduzido na desaprovação da classe
médica em relação à atuação do Ministério da Saúde. Conforme pesquisa da
Associação Médica Brasileira (AMB), divulgada na última semana, quase 80% dos
médicos brasileiros reprovam o combate da pandemia por parte do Governo
Federal.
Segundo a advogada Denise
Arantes, existe uma preocupação internacional em relação ao volume de trabalho
enfrentado pelos profissionais da saúde. “Desde o início da pandemia, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomendou aos hospitais e clínicas
que adotassem uma postura responsável, cabendo aos empregadores a adoção de
medidas para evitar ou reduzir o contágio dos profissionais de saúde, como
assegurar jornadas de trabalho não exaustivas”, relembra.
Para Mayara Galhardo, ainda é
importante que o empregador disponibilize espaços de representação e escuta dos
profissionais da saúde em relação aos problemas enfrentados na crise sanitária.
“Os trabalhadores precisam estar informados, treinados, conscientizados e
mobilizados para ações de proteção necessárias. É um direito ter um ambiente de
trabalho seguro e pleno acesso a medidas de proteção compatíveis com suas
atividades de rotina e as excepcionais, como aquelas decorrentes do atendimento
à Covid-19”, orienta.
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