Projeto de Lei é um retrocesso à proteção da rica
biodiversidade brasileira
Indignação.
Esta foi a reação do secretário Gilberto Natalini, titular da Secretaria do
Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da prefeitura de São Paulo, sobre o projeto de
lei que propõe a liberação da caça esportiva. “Enquanto batalhamos, junto a
ambientalistas e à sociedade, para que o homem compreenda seu papel no planeta,
de proteção à fauna e à flora, é um absurdo que ainda nos deparemos com
atitudes que vão completamente contra qualquer política de defesa do meio
ambiente e das espécies”, afirmou ele.
Natalini
se refere ao Projeto de Lei 6268/2016, de autoria do Deputado Federal
Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, que além de propor alterações na
regulamentação e estabelecimento da Política Nacional de Fauna, “afronta a
importância da proteção à fauna e seus interesses de uso”. A justificativa do
autor do PL é que a atual legislação, em vigor há 50 anos, estaria obsoleta.
“Toda lei pode e deve ser atualizada, mas esse projeto de lei abre as portas
para a perda dos serviços ambientais proporcionados pela fauna nativa”, alerta
Natalini.
Além
de incitar a caça no Brasil, a iniciativa propõe procedimento para o abate
cinegético, incrementando a indústria da caça esportiva e de armamentos. “Esse
projeto abre sérios precedentes para o abate de animais ameaçados de extinção,
lembrando que o impacto da caça ilegal pode ser uma das causas de mortalidade
mais preocupantes para a conservação da onça-pintada (Panthera onça) e
onça-parda (Puma concolor) no país”, pondera o secretário.
Em
seu artigo 9º, o PL permite que espécimes da fauna, provenientes do manejo em
Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, possam ser
comercializados pela população, regulamentando o tráfico de animais silvestres.
“obviamente, isso não ficaria limitado a estas Unidades de Conservação”, diz
Natalini. Ele ainda observa que “no Artigo 11, dá ao poder público a promoção
de ações para erradicar espécies exóticas consideradas nocivas à saúde publica,
às atividades agropecuárias e correlatas. Esse artigo não distingue espécies
exóticas de nativas; o Artigo 20, que autoriza o abate de animais nocivos à
agropecuária e à saúde pública, coloca novamente em risco espécies de mamíferos
de grande porte e/ou topo de cadeia, como as onças”.
O
combate ao comércio ilegal da fauna silvestre gera centenas de milhares de
animais apreendidos por ano. Só no estado de São Paulo, cerca de 30 mil são
apreendidos, todos os anos, pela Polícia Militar Ambiental. “Nosso maior
desafio é preservar a vida, sob todas as formas. Legalizar a retirada desses
animais da natureza é certamente um retrocesso e, talvez, o maior equívoco
ambiental que o homem possa provocar ao seu meio”, sentenciou Natalini.
Informações complementares sobre a caça no Brasil
Não
é de hoje a falta de cuidados com nossos recursos naturais e com a flora e a
fauna. No levantamento realizado pelo biólogo André Antunes, de 1904 a
1969 cerca de 23 milhões de animais silvestres (de cerca de 20 espécies em
Rondônia, Acre, Roraima e Amazonas) foram mortos para suprir o consumo de
couros e peles. Em pouco mais de 60 anos, os caçadores abateram na Amazônia 5,4
milhões de catetos (Pecari tajacu), 4,4 milhões de jacarés-açu (Melanosuchus
niger), 804 mil jaguatiricas (Leopardus pardalis) e gatos-maracajá (Leopardus
wiedii) e 183 mil onças-pintadas (Panthera onça).
No
Brasil a caça retaliatória contribui para uma alta taxa de mortalidade anual
das onças. Na Mata Atlântica, a população de onça-pintada foi reduzida em 80%
nos últimos 15 anos. A população de onças-pardas no país teve um declínio de
mais de 10% nos últimos 21 anos e a de onças-pintadas foi estimado em
aproximadamente 30% nos últimos 27 anos.
Nos
dias atuais ainda há inúmeras evidências que comprovam tal atividade, seja para
a confecção de objetos e vestimentas, seja por puro prazer, na chamada “caça
esportiva”. Uma das maiores constatações dessa prática é a redução
significativa dos animais silvestres nas matas brasileiras.
A
extinção local dos animais de grande porte, além de tudo, acarreta grandes
alterações no ecossistema, já que eles não têm substitutos para as funções ecológicas.
Esses animais desempenham, por exemplo, papel fundamental na dispersão de
sementes, na fertilização do solo e na renovação da floresta. Temos aí o
fenômeno das “florestas vazias”, eliminando o futuro da própria floresta.
Proteger
a vida em toda a sua diversidade é uma bandeira que a Prefeitura de São Paulo
leva adiante. Porém, a responsabilidade ainda é de cada cidadão-consumidor que
prefere os produtos ecologicamente corretos e adota atitudes ambientalmente
saudáveis. Afinal, nós humanos fizemos um buraco enorme na natureza nos últimos
10 mil anos. Agora precisamos ter a habilidade, e talvez a obrigação moral, de
consertar um pouco o estrago. A maior parte do que faremos, expandindo e
protegendo áreas selvagens e as populações de espécies ameaçadas de extinção,
ditará a nossa própria sobrevivência no Planeta.