As reformas trabalhista e
previdenciária tangenciam temas relevantes na vida de toda a população,
tratando de questões relativas à fonte de renda, seja na forma de trabalho,
recebimento de aposentadoria ou pensão. É razoável pressupor, portanto, que
qualquer alteração na normatização referente a tais assuntos cause certo
desconforto à sociedade, especialmente em ambiente conflagrado pelo maniqueísmo
e com pouco espaço para discussão equilibrada sobre tais tópicos, de fulcral
relevância para o presente e o futuro do Brasil. Não é recomendável,
entretanto, que o assunto seja tratado sob a ótica da pós-verdade, termo
escolhido como palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Oxford.
A pós -verdade consiste na situação
“em que os fatos objetivos são menos influentes na conformação da opinião
pública que os apelos à emoção e às crenças pessoais”. Nesse sentido, é
empiricamente perceptível que há uma miríade de versões, sobre os mais variados
assuntos, que refletem opiniões pessoais sobre temas que deveriam ser abordados
de modo mais fleumático. As reformas nas áreas laboral e previdenciária estão
entre esses temas que demandam maior sobriedade quando estiverem sob análise.
A legislação trabalhista é objeto de
discussão acalorada há muito tempo. Editada no ocaso do período ditatorial
varguista, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (C.L.T.), principal
diploma infraconstitucional em vigor, espelha um momento das relações
trabalhistas que não mais se coaduna com as necessidades sociais e econômicas atuais.
Baseada em uma economia marcada pela prevalência do setor industrial, com
vínculos de hierarquia mais rígida, as normas trabalhistas não mais se adequam
ao panorama hodierno, plasmado pelo crescimento do setor de serviços e por
relações mais horizontalizadas, típicas de uma sociedade em rede, conforme já
observado pelo pensador espanhol Manuel Castells.
Assim, diversamente do que se diz em
certos meios, a revisão da legislação laboral não tem por objetivo precarizar
os direitos dos trabalhadores, mas adaptar o regramento à realidade que lhe
subjaz. O ajuizamento de cerca de três milhões de ações trabalhistas no Brasil,
em 2016, demonstra que há algo errado. Embora empregados e empregadores tenham
interesses imediatos naturalmente contrapostos, o interesse mediato deve ser o
mesmo: prezar pela saúde financeira da empresa. Note-se que o ente produtivo,
além de representar fonte de renda para o trabalhador e de lucro para o
empregador, guarda relevância social por si, dado que é também origem de
tributos necessários para custear a sociedade em diversos campos. Conferir
tratamento hostil à empresa prejudica, destarte, toda a população,
especialmente o empregador e os obreiros, agentes diretamente envolvidos no
cotidiano produtivo.
Preocupação semelhante deve ocorrer
com a reforma previdenciária. Há dois motivos principais para a realização do
ajuste: a demografia e a disparidade normativa entre os setores sociais. O
aspecto demográfico é evidente, bastando ser feita a análise da pirâmide etária
nacional. A população jovem diminui, devido à queda na taxa de natalidade, e a
população idosa cresce, em virtude de avanços na medicina e melhores condições
de vida. Assim, enquanto há redução no número de contribuintes, incrementa-se a
quantidade de beneficiários do sistema previdenciário. Evidentemente, a conta
não fecha, provocando déficits bilionários aos cofres públicos.
No que tange ao segundo motivo, é
evidente que a sociedade deve repensar o pacto intergeracional que é
materializado na Previdência ao observar a diferença entre o Regime Geral e os
Regimes Próprios da Previdência Social. Ambos apresentaram déficit de cerca de
cento e cinquenta bilhões de reais cada, em 2016, para o custeio de benefícios,
com uma diferença: enquanto o setor privado despendeu o referido montante para
mais de vinte e nove milhões de pessoas, o setor público atendeu menos de
quatro milhões de cidadãos. O senso de comunidade, respeitado o direito
adquirido, deve prevalecer. Em respeito às gerações vindouras, é mandatório um
pacto social que, inexoravelmente, traga sacrifícios a todos os setores da
sociedade. É o preço a ser pago pela omissão governamental histórica em relação
a esse assunto.
As reformas trabalhista e
previdenciária são, em suma, temas que exigem uma análise acurada e desapaixonada.
A sociedade demanda mais democracia, mais segurança jurídica e o fim dos
privilégios. Para alcançar tal objetivo, porém, é necessário o uso de mais
subjetivos e menos adjetivos, ou seja, um discurso que contenha mais verdade e
menos pós-verdade.
Elton
Duarte Batalha -
Advogado e Professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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