A estimativa é de 10 mil novos casos de lesão
medular por ano, sendo cerca de 8 mil deles por trauma[1]
De
acordo com as Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular do
Minstério da Saúde, estima-se que
anualmente no Brasil ocorram mais de 10 mil novos casos de lesão medular, sendo
entre 6 e 8 mil deles por trauma raquimedular ([SC1]
TRM) 1 que, na maioria das vezes, acontece por causa de um acidente
automobilístico.
O
trauma raquimedular [2]
é caracterizado por um impacto intenso na coluna vertebral que causa dano à
qualquer segmento (cervical, dorsal ou lombossacro) da medula espinal.
Este dano na medula pode interromper parcial ou totalmente a comunicação entre
o cérebro e os demais membros do corpo. Além da paraplegia e da tetraplegia,
outra sequela que pode ocorrer em função da lesão medular por TRM é a bexiga neurogênica[3],
uma disfunção neurológica que faz com que a pessoa perca a capacidade de urinar
naturalmente.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) considera os traumatismos resultantes de acidentes
de trânsito[4] – e consequentemente, as lesões medulares, como
“um problema mundial de saúde pública”. Por meio do plano global de ação pela segurança no trânsito[5],
a OMS alerta que se nada for feito para conter este problema, em uma década, o
número de feridos e/ou traumatizados em decorrência dos acidentes
automobilísticos poderá chegar a cerca de 500 milhões de pessoas ao redor do
mundo.
Homens jovens lideram as estatísticas
As
Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular do
Minstério da Saúde1 registram que cerca de 80% das vítimas são homens
e 60% deles têm entre 10 e 30 anos de idade.
O
paulista Bruno Landgraf, bacharel em Direito e ex-goleiro do São
Paulo Futebol Clube (SPFC), hoje com 37 anos, e o mineiro Alexandre
Ank, 44 anos, formado em Mecânica Industrial e graduando em
Educação Física, fazem parte desta estatística. Os dois lesionaram a medula em
acidentes de trânsito.
Bruno Landgraf tinha apenas
20 anos quando sofreu o acidente que o deixou paraplégico.
“Em
agosto de 2006, sai do centro de treinamento do São Paulo e, juntamente com 4
amigos, acessei a Rodovia Regis Bittencourt (BR-116), sentido a Juquitiba, no
interior do estado. Até hoje eu não tenho lembrança do acidente, mas de acordo
com o relato das pessoas que estavam comigo, acredito que eu possa ter
cochilado ao volante. Eles disseram que, após bater no guard rail, o carro
capotou e caiu em um barranco. Eu fiquei oito meses hospitalizado, passei por
cirurgias porque tive lesão medular (nível C3 e C4) e perdi todos os movimentos
do corpo”, conta Bruno que, atualmente, é atleta paralímpico do Rugby em Cadeira
de Rodas.
Já
Alexandre Ank ficou paraplégico ainda mais jovem, aos 17
anos de idade, após pegar uma carona para voltar para casa.
“Foi
em dezembro de 1996. Era por volta das 22h e ao sair de um jogo de futsal,
aceitei a carona de um amigo. Estávamos em uma avenida conhecida de Juiz de
Fora (MG), a avenida JK, e eu estava dormindo e acredito que o carro estava a
uma velocidade acima da permitida. Talvez por estar escuro e chovendo muito, o
motorista passou por um espelho d’água que encobria um buraco. Neste momento, o
pneu dianteiro do veículo bateu no burcao e estourou, fazendo o carro rodopiar
na pista. Com o impacto, eu fui arremessado pela janeira traseira do carro contra
um muro; eu bati as costas no muro e fiquei caído em um terreno baldio até ser
socorrido por um funcionário do SAMU, que estava próximo ao local em que
ocorreu o acidente”, relembra o paratleta profissional e paralímpico de tênis
de mesa.
Além
de paratletas, Bruno e Alexandre são embaixadores da Coloplast.,
empresa líder global em cuidados para pessoas com necessidades intimas de
saúde. Ambos utilizam suas redes sociais para conscientizar as pessoas sobre
uma outra condição que os uniu após o acidente: a retenção urinária crônica.
No
Brasil, mais de 100 mil pessoas sofrem com retenção urinária,[6],[7],[8]
. Segundo as recomendações da SBU[9], atualmente a técnica do
cateterismo intermitente (CI) é considerada como o padrão ouro em cuidado,
sendo a técnica mais difundida o cateterismo intermitente limpo (CIL) porque
pode ser realizada fora do ambiente hospitalar. Ela permite o esvaziamento
periódico da bexiga - (4 a 6x/dia) e evita multiplicação de bactérias. Além
disso, quando comparado aos cateteres de permanência, o CIL reduz pela metade a
ocorrência de infecções urinária[10].
Informação e responsabilidade social que podem salvar vidas
Há
quase 20 anos, a paranaense Gisela Maria Assis, enfermeira e estomaterapeuta, Mestre em
Tecnologias em Saúde (PUC-PR) e Doutora em Enfermagem (UNB-DF), atua no campo
das disfunções do assoalho pélvico e, como acadêmica, tem focado seu trabalho
na formação de profissionais e em pesquisas sobre os benefícios do cateterismo
intermitente limpo (CIL) para pacientes com lesão medular.
“Infelzimente,
ainda é comum pacientes com lesão medular receberem alta hospitalar e irem para
casa usando fraldas ou cateter vesical de permanência, que é aquele que fica
com a bolsinha pendurada. Por esta razão as reinternações pós-alta destas
pessoas são frequentes e, na maioria dos casos, em razão de infecções urinárias
recorrentes. Além disso, os que usam o cateter de permanência sofrem com o
constrangimento e passam a ter também limitações na vida intima, profisisonal e
socioeconomia.”, avalia a doutora em Enfermagem.
Ela
explica que a falta de informação faz com que, em nivel de Brasil, ainda demore
algum tempo para que o cateterismo intermitente limpo (CIL) se torne um
protocolo clínico acessível a todos os lesionados medulares.
“A
falta de informação começa na formação do profissional de Enfermagem, já que o
CIL não faz parte da grade curricular obrigatória. Por isso, é preciso fazer
campanhas educacionais e informativas direcionadas aos profissionais de saúde
em formação, mas também aos já estao em atividade, especialmente os da Atenção
Básica e que não receberam esta informação anteriormente.”, destaca a doutora
Gisela.
“Hoje
em dia, apenas os hospitais de reabilitação orientam o lesionado medular sobre
o cateterismo intermitente limpo e sobre os tipos de cateteres existentes,
incluindo o hidrofílico. No entanto, isto deveria ser feito nos hospitais de
Trauma, antes da alta hospitalar do paciente, já que a bexiga deixa de
funcionar no momento em que a lesão medular ocorreu “, complementa.
A
doutora Gisela Assis considera uma “responsabilidade social” do profissional
investigar o padrão de cuidado de esvaziamento da bexiga dos pacientes com
retenção urinária, especialmente os lesionados medulares, porque isso “pode
salvar vidas”.
“Se
o profissional tem a informação sobre os beneficios do cateterismo intermitente
limpo para o paciente que tem retenção urinária, este profissional passa a ter também
a responsabilidade de orientar este paciente a utilizar o CIL. Se o
profissional orientar o paciente, pode ser que ninguém mais o faça e isto custe
a função renal desta pessoa, em função das infecções urinárias recorrentes.
Então, é muito é custo muito alto para deixarmos de indicar algo que é
simples”, finalisa Gisela Assis.
1] Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. Brasília, 2013. Disponível em: Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular do Minstério da Saúde
[2] Paiva WS; Brock RS (2 de maio de 2011). Traumatismo Raquemedular. Medicinanet. Disponível em: Traumatismo Raquimedular | dos Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento | MedicinaNET
[3] Manual MSD. Versão para Profissionais de Saúde. Shenot, P.J (setembro de 2023). Bexiga Neurogência. Disponivel em: Bexiga neurogênica - Distúrbios geniturinários - Manuais MSD edição para profissionais (msdmanuals.com)
[4] Organização Mundial da Saúde – OMS (2009). Relatório Mundial sobre o Estado da Segurança Rodoviária. Disponivel em: 664_Portuguese 310509.indd (who.int)
[5] Organização Mundial da Saúde – OMS (29 de outubro 2021). Plano Global – Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030. Dispoonível em: PlanoGlobaldaSegundaDcadadeAopelaSegurananoTrnsito.pdf (www.gov.br)
[6] Furlan JC; et al. Global Incidence and Prevalence of Traumatic Spinal Cord Injury. Canadian Journal of Neurological Sciences (2013; Vol.40(4).Disponível em: Global Incidence and Prevalence of Traumatic Spinal Cord Injury | Canadian Journal of Neurological Sciences | Cambridge Core
[7] Jeong SK et al. Current Status and Future Strategies to Treat Spinal Cord Injury with Adult Stem Cells. Journal of Korean Neurosurgical Society 2020; 63(2): 153-162. Disponivel em: Current Status and Future Strategies to Treat Spinal Cord Injury with Adult Stem Cells (jkns.or.kr)
[8] Cameron AP et al. Bladder Management After Spinal Cord Injury in the United States 1972 to 2005. Journal of the American Urological Association 2010. Disponivel em: Bladder Management After Spinal Cord Injury in the United States 1972 to 2005 | Journal of Urology (auajournals.org)
[9] Sociedade Brasileira de Urologia-SBU (2013). Cap;1. Cateterismo Vesical Intermitente:Indicações e Técnicas. Disponível em: uroneurologia_2013.pdf (sbu.org.br)
[10] Coloplast IC User Survey, 2016. v0.5, data-on-file (PM-01339).