Não é novidade no Brasil que
diretores de escolas particulares e secretários municipais e estaduais de
educação, em muitos casos, não gostam, por motivos óbvios, de divulgar
ocorrências de casos envolvendo violência escolar, como bullying,
indisciplinas, incivilidades, etc. Eles acreditam que a divulgação desses dados
acaba gerando uma imagem negativa para o seu trabalho.
Todavia, com o advento da Lei
Federal 13.185/15, a Lei Antibullying, criou-se uma obrigação específica para
os agentes públicos gestores da educação (secretários estaduais e municipais),
que determinou em seu artigo 6º, que serão produzidos e publicados relatórios
bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática (bullying) nos estados e
municípios para planejamento das ações. Até o presente momento, você e eu
devemos estar nos perguntando: onde estão esses resultados? A Lei Federal
descumprida é de 2015. Já se passaram três anos e o silêncio ainda impera.
A obrigação da transparência
na condução das políticas públicas de combate à violência na educação é o
grande propósito desses relatórios antibullying e é obrigação tanto das escolas
públicas quanto particulares. A Lei alterou a LDB (Lei de Diretrizes de Base e
Educação) e determinou que todas as escolas, respeitadas as normas comuns e as
do seu sistema de ensino, terão a incumbência de promover medidas de
conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência,
estabelecendo ações destinadas a promover a cultura de paz.
Passados três anos da sanção
da “Lei Antibullying”, desconhece-se o cumprimento efetivo das obrigações
determinadas da produção de relatórios bimestrais por parte dos secretários de
educação, tanto municipais como estaduais em todo o Brasil. Provavelmente,
alguns apresentarão relatórios apontando nenhuma ocorrência, e caso isso
apareça, dependendo do tamanho do universo de alunos envolvidos, é o caso de se
olhar com mais atenção.
Inclusive, pode haver eventual responsabilidade de
agente público tentando “maquiar” a realidade escolar sob sua direção para
fins, não de interesse do povo, mas da administração local, com o objetivo de
evitar desgastes de imagem com os pais dos alunos e a sociedade civil.
Segundo relatório da UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, de janeiro de 2017,
milhões de meninas e meninos sofrem violência relacionada ao ambiente escolar
todo ano. Cerca de 34% dos estudantes entre 11 e 13 anos de idade relataram
terem sofrido bullying no mês anterior, de acordo com dados de 19 países de
baixa e média renda analisados pelo estudo “School Violence and Bullying: Global Status Report”
(Violência Escolar e Bullying: Relatório da Situação Global, em tradução
livre).
Ainda no mesmo documento, a
UNESCO informou que o Relatório da Situação Global destaca que a violência
escolar é impulsionada por dinâmicas de poder desiguais, que muitas vezes são
reforçadas por normas e estereótipos de gênero, orientação sexual e demais
fatores que contribuem para a marginalização, como pobreza, identidade étnica
ou idioma. Em uma pesquisa de opinião sobre experiência com bullying, realizada em 2016 e respondida por 100 mil jovens de 18 países, 25% relataram que sofreram bullying em decorrência de sua aparência física, 25% em decorrência de
seu gênero ou orientação sexual e 25% em decorrência de sua origem étnica ou
nacionalidade.
O surgimento de relatórios
antibullying com nenhuma ocorrência, realizados às pressas, ou com
documentações pífias, sem credibilidade e dotadas de nenhum apoio no mundo real
(pesquisas, questionários etc.), a meu ver, pode configurar fraude contra as
leis antibullying e improbidade administrativa. O assunto é extremamente sério,
urgente e deve ser objeto de atenção imediata por parte dos envolvidos.
O descumprimento da obrigação
específica do artigo 6º da Lei Antibullying, que determina a produção efetiva
de relatórios, baseados em metodologias que possam ser comprovadas e conferidas
posteriormente - inclusive pelo Poder Judiciário caso o fato seja levado aos
tribunais - traz prejuízos para milhões de estudantes por todo o país.
Enfim, a
ausência desses relatórios efetivos dificulta o gestor público adotar medidas
concretas e bem direcionadas para reduzir a violência no meio escolar. Além
disso, esse desrespeito pode caracterizar dolo na omissão de se cumprir
efetivamente as Leis Federais 13.185/15 e 13.663/18, além de descumprimento do
princípio da legalidade, previsto na Lei Federal 8.429/92 (Improbidade
Administrativa), sujeitando esses agentes públicos a processos judiciais, já
que trazem obrigações específicas para os secretários municipais e estaduais de
educação.
Lélio Braga Calhau - Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas
Gerais. Graduado em Psicologia pela UNIVALE, é Mestre em Direito do Estado e
Cidadania pela UFG-RJ. É também autor do
livro “Bullying: o que você precisa saber”.