A Agência do Rádio
Mais entrevistou com exclusividade um dos principais juristas do país, o doutor
Ives Gandra Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de
Comando e Estado Maior do Exército (Eceme), que atua há mais de 60 anos na área
do Direito. Ives Gandra analisou a decisão do Juiz Sérgio Moro, que ordenou a
prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (5). Confira
a entrevista:
A defesa do ex-presidente Lula soltou uma nota na noite desta quinta
(5) em que afirma que a ordem de prisão é ilegal, já que ainda haveriam
embargos a serem analisados. Esse argumento, na visão do senhor, é válido?
Esses “embargos dos embargos”, normalmente, têm efeito protelatório. Por isso,
os tribunais costumam aplicar àqueles que apresentam o ‘segundo embargo’, a
pena de litigância de má fé. Agora, é evidente que um advogado - em um caso
como é o do presidente Lula - poderia atrasar o processo de prisão com novos
embargos que não estão propriamente no código, mas não são proibidos. É raro,
mas acontecem “embargos de embargos” de declaração.
Por que o Juiz Sérgio Moro decretou a prisão do ex-presidente tão
prontamente?
Porque o tribunal – que foi quem condenou [o ex-presidente] – entendeu que
todas as dúvidas dos embargos de declaração apresentados já haviam sido
equacionadas. Eu apresento um embargo de declaração quando há pontos obscuros
na defesa. Esses pontos foram apresentados nos embargos de declaração já
julgados pelo Tribunal, esclarecendo e pormenorizadamente todas as dúvidas.
Então o tribunal determinou que o juiz Sério Moro cumprisse a pena e ele fez o
que? Cumpriu a decisão que veio do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e
considerou encerrado o processo, esclareceu todas as dúvidas.
O que resta à defesa do ex-presidente Lula? Os advogados podem tentar
anular a prisão no próprio TRF4?
O que se pode fazer, teoricamente, é embargos sobre pontos lacunosos das
respostas que foram dadas aos embargos de declaração apresentados. O que, a
rigor, não é fácil, porque quem viu a resposta dos embargos de declaração, quem
viu a decisão sobre os embargos de declaração, o acórdão sobre os embargos de
declaração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pode perceber que eles
procuraram, pormenorizadamente, responder a todas as dúvidas dos advogados do
presidente Lula.
Na sua avaliação, o juiz Sergio Moro se precipitou ao decretar a prisão
de Lula ou tomou uma decisão correta?
O juiz Sério Moro, nesse caso, não está cumprindo uma decisão dele, mas uma
decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, até porque o Juiz Sérgio
Moro deu uma pena menor ao presidente Lula do que o Tribunal. O Tribunal
agravou a pena de nove para 12 anos. Então, na verdade, não há nenhuma
ilegalidade nesse decreto. E a função dos advogados do ex-presidente Lula é
fazer uma derradeira tentativa de ouvir quem é o ministro que poderia analisar
essa matéria no Supremo. E não é o ministro Marco Aurélio, à medida que o
ministro Fachin é relator da operação Lava Jato.
A defesa do petista também sustenta que não houve intimação do TRF-4
para análise dos embargos. Como o senhor analisa esse aspecto?
Se a decisão foi publicada no Diário Oficial, automaticamente é uma intimação.
Nesse caso, precisaria verificar. Eu duvido que tenha havido uma lacuna dessa
parte por parte do Tribunal. Se isso foi publicado no Diário Oficial, é
evidente que, a partir desse momento, é do conhecimento público, sabe-se que
houve a intimação. Por exemplo, para todo julgamento do Supremo, eles publicam
a pauta no Diário Oficial, sabendo o que vai ser decidido na terça-feira, nas
turmas, na quarta e quinta-feira, em plenário. Mas enfim, se houve uma falha
dessas, é evidente que aí não poderia ser aplicado, mas eu acho extremamente
difícil que tenha havido esse tipo de falha porque não é necessária intimação
pessoal. Bastaria uma publicação no Diário Oficial.
Ainda na noite desta quinta, antes do decreto de prisão contra o ex-presidente
Lula, alguns advogados entraram na Suprema Corte com um pedido de liminar
pedindo a reabertura da análise do mérito sobre a prisão após condenação em
segunda instância. Esse processo tem o ator da militância, que está sendo feita
pelo ministro Marco Aurélio Melo, para que seja pautado novamente. Se esse
entendimento mudar no STF, o caso de Lula pode mudar?
Dois pontos. Primeiro lugar: essas ações estão na relatoria do ministro Marco
Aurélio, e o ministro Marco Aurélio tem pedido pauta. Mas para estas ações, a
pauta terá que ser definida pela presidente do Supremo. É a presidente quem faz
as pautas das ações. Já houve um pedido dessa natureza feita pelo próprio
ministro Marco Aurélio e a ministra Cármen Lúcia entendeu que não era o caso de
se fazer e que iria se discutir uma questão em controle concentrado para um
caso concreto, dando a impressão que todos seriam iguais perante a lei, mas
alguns seriam mais iguais que os outros.
Não entrou antes quando havia muitos réus presos, com condenações de segunda
instância, para o fato de ser o caso do presidente Lula. Mas quando o
ex-presidente Lula entrou com habeas corpus, ela foi obrigada a colocar porque
aí já não era a discussão em tese, da relatoria do ministro Marco Aurélio, mas
a discussão em caso concreto. E, neste caso que nós tivemos, foi a rejeição do
habeas corpus por parte do Supremo. Então, o Supremo decidiu que para o caso
concreto do presidente Lula, depois de 11 horas de decisão, não cabe habeas
corpus. E essas outras ações só poderão entrar em pauta porque elas terão que
ser necessariamente decididas em plenário se a ministra Cármen Lúcia colocar em
pauta. Mas, na verdade, apesar de o ministro Marco Aurélio vir pedindo e não
ter conseguido pauta, seria extremamente deselegante se o ministro resolvesse
decidir monocraticamente essa questão, quando quem tem que definir a discussão
de uma questão dessa relevância é a Presidência do Supremo.
Há alguma possibilidade legal de se reverter essa decisão contra o
ex-presidente Lula?
A fundamentação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é razoável, quer
dizer, os embargos de primeiras declarações não foram aceitos. Por isso, só
poderia ser sobre a decisão, sobre esses embargos, o que reduz
consideravelmente o campo em que seria possível os segundos embargos. Quase
sempre, quando existem segundos embargos – e eles são raríssimos – eles também
são considerados protelatórios. Por isso, os advogados poderiam receber a
condenação de litigância de má-fé e, evidentemente, não podem mais a essa
altura mudar a decisão. E foi esse o fundamento maior do tribunal para
determinar ao juiz Sérgio Moro o cumprimenta imediato da pena. O pessoal está
atacando o ministro Sérgio Moro, mas ele está cumprindo uma decisão do TRF, que
diz: acabou, nós esclarecemos completamente os embargos de declaração e segundo
embargos de declaração seriam protelatórios, à medida em que tudo que
levantaram, nós já esclarecemos nas nossas respostas. Eu considero que os
advogados do presidente Lula vão evidentemente fazer as tentativas, mas a
posição deles é uma posição, diante do Supremo, indiscutivelmente mais frágil.
João Paulo Machado