Numa época em que tantos procuram deixar o Brasil, certos conterrâneos
descobriram no separatismo um modo de ir para o exterior permanecendo onde
estão. De lambuja, economizam a passagem, evitam problemas de imigração e, numa
solução tipicamente brasileira, reabilitam o crédito mudando a razão social.
A
tese se manifesta em pontos de vista bem
conhecidos: “Sinto-me mais gaúcho do que brasileiro”; “Moro no Brasil que deu
certo”; “Estou cansado de sustentar o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste”;
“Chega de ser governado pelas elites nordestinas”.
Pois
é. Durante 90 dos 127 anos de república o governo brasileiro esteve confiado a paulistas,
mineiros, cariocas e gaúchos. Só o Rio Grande do Sul, com
38 anos na presidência, comandou o país por mais tempo que as outras duas dezenas de
estados que “não deram certo”
(Cruzes!).
Por
outro lado, alega-se que a representação dos Estados no Congresso Nacional é
distorcida pelas "desproporcionais bancadas" dessas regiões. Mais uma
vez as coisas não são bem assim. O Nordeste brasileiro é duas vezes mais
populoso que o Sul e sua representação parlamentar está rigorosamente
proporcional. Aliás, apenas os quatro antigos territórios, mais Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul e Tocantins se beneficiam da representação mínima de oito
cadeiras. E essa pequena conta é totalmente paga por São Paulo que tem 70
deputados quando, em virtude da população, deveria ter quase o dobro.
Reconheço que os promotores do informal
plebiscito separatista têm lá seus motivos. Contudo, o mesmo raciocínio que os
inspira permitiria conceber,
também, um Rio Grande do Sul formado apenas pelas áreas industrializadas da Região Metropolitana e
Serra Gaúcha, tendo por capital um município constituído somente pelos bairros
classe A da cidade. E aí - quem sabe? - repousaríamos ainda mais tranquilos nos
travesseiros da "superioridade". A propósito dela, pergunto: qual dos
problemas que facilmente apontamos olhando para o norte não temos aqui?
Nessa linha, a curiosidade aumenta.
Nossas ideias são mais progressistas? Ah, sim? E onde está o progresso? Por que
a Ford está na Bahia? Por que a Gerdau muda-se para São Paulo? Esquecemos,
parece, do ardoroso e militante público que têm entre nós as ideias
socialistas, estatizantes, corporativas e avessas ao empreendedorismo, ao livre
mercado e à meritocracia. A estratégia separatista contempla, também, essas
sementeiras do atraso e os destruidores do futuro que tanta influência exercem
por aqui?
A tabela que vem sendo usada para
definir perdas e ganhos na contabilidade dos Estados com a União, por quanto
pude verificar, parece incompleta. Ao que vi, trata apenas de tributos, ou
seja, do que vai para Brasília e dos retornos constitucionais aos estados e
seus municípios. Mas isso, aparentemente, não inclui gastos federais com
serviços, servidores, saúde pública e previdência social, obras, convênios,
etc., prestados pela União nos Estados e em seus municípios. O que estou
afirmando não passa a régua na conta, nem dá recibo de quitação. Nossa
Federação é um arremedo, seus serviços são precários, há abusos de toda sorte,
e nossas instituições trombam de frente com a racionalidade que delas se deve
exigir. Mas quem diz que faríamos melhor? Escrevo e falo sobre isso há décadas
e não sei se convenci alguém aqui na volta.
Por constrangimento, deixo de lado, no
exame das nossas dificuldades atuais, as suas causas internas, caseiras:
irresponsabilidade fiscal, demagogia barata, dificuldade de lidar com números e
o vale-tudo no jogo pelo poder. Como escrevi ontem, numa pequena nota:
"Era só o que faltava a esta geração - acabar com o Brasil e com a unidade nacional. Sou
gaúcho e o Brasil é o meu país".
Se, no longo curso da História, fosse
dado a uma geração qualquer o direito à secessão, como se poderia negar à
geração subsequente o direito de rever essa decisão ou de gerar nova secessão?
Nações não são gaitas de fole, ao sabor das paixões de cada momento. Ao menos
não são assim as que alcançam respeito
internacional, como o Brasil já teve e, agora, tanto se empenha em
decompor.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.