“Tenho menos medo do vírus do que dos demônios interiores da humanidade: ódio, ganância e ignorância” (Yuval Noah Harari)
Os
números da pandemia provocada pela Covid-19 crescem e estamos chegando ao
absurdo número de quase 1.500 mortes por dia, o que facilmente dobrará em razão
da inadequação de políticas públicas e ausência plena e incontestável de
gerenciamento da crise por aqueles que elegemos. Segue o Brasil quebrando seus
recordes de inanição intelectual governamental numa infindável espécie de
esquizofrenia narcisista (nova modalidade instalada), onde o monstro se vê belo
no espelho e se sente perseguido por todos, mesmo que a perseguição transite apenas
na sua mente sombria pelo fato dele mesmo ser desprovido de qualquer valor
digno de nota.
Nesse
cenário pouco pudico, no que se refere ao contexto administrativo da crise
instalada, prefere-se comprar – e todos devem saber a real razão – aparelhos de
respiração ao custo de R$ 150 mil a comprar uma dose de vacina ao preço de
aproximadamente R$ 50,00. Nessa ambiência ululante de desapego ao humano,
acompanhado de um olhar apenas na direção do poder, o jogo se estreita tendo
como objeto vidas, vidas de brasileiros que se perdem todos os dias.
Como
nos antigos desenhos animados do “He-man” e “She-ra” se trata a pior questão de
saúde pública mundial em terrae brasilis como se o humano super
herói, sozinho, fosse capaz com a realização de exercícios ou tomando suco de
laranja, vencer essa doença mortal com diferentes cepas.
E
não são só mortes, há com essa postura pífia o desmantelamento do sistema
econômico e de emprego que são imbricados e interdependentes, tal qual faces de
uma única moeda. Se temos 14,1 milhões de desempregados, e aproximadamente 716
mil empresas fechadas após a chegada da pandemia, sem falar da economia
informal de quase 12 milhões de pessoas, isso significa que o moinho perdeu
completamente a força para girar. A economia brasileira encolheu cerca de 4,4%
em 2020, com uma redução de 9,7 milhões de pessoas ocupadas e um aumento de
mais de 12 milhões de pessoas fora da força de trabalho, ou seja, humanos que
não conseguem sequer procurar emprego, pois impedidas pelas sequelas econômicas
da pandemia.
Não
há fórmula mágica para resolver esse imbróglio, contudo, temos absoluta
convicção que a histeria do não fazer em posicionamento absolutamente omisso,
só trará mais mortes e a piora do sistema econômico.
O
sistema do abre e fecha do mercado e do comércio em geral não soluciona a
questão, impedindo apenas por um período a plena disseminação que com a
reabertura volta a todo vapor. A história de 7 séculos atrás – ocorrência
da peste negra – nos mostrou o contágio de todo o mundo, sendo que cidades
italianas foram reduzidas pela metade em termos populacionais, sem que
existisse à época qualquer dos meios de transportes existentes hoje. Nessa
linha, fechar fronteiras pode ser um remédio interessante, mas ter protocolos
sérios para não as fechar para evitar a bancarrota da economia seria algo que
nos parece bem mais inteligente.
Ao
ouvir, e com muita dificuldade, o que se diz pelos governantes (o que se repete
há longos anos) que não há dinheiro, não há orçamento, não há aquilo, não há
isso, é situação que revela uma incompetência plena e sem fim. Há que se ter
uma solução.
Aqui,
se apresenta uma solução, que uma criança de 12 anos poderia dar, sem que
sejamos ministro da economia, presidente da república, governador ou ocupe
qualquer posição de poder, vamos a ela: Temos uma população hoje de
aproximadamente 212 milhões de pessoas. Há em larga escala na iniciativa
privada, inúmeros laboratórios, hospitais, clínicas e empresas até mesmo de
outros setores querendo comprar a vacina e com caixa para isso, havendo nesse
interesse um duplo significado. Empresas que não são do setor laboratorial ou
hospitalar necessitam vacinar seus empregados e os familiares desses para que
sua produtividade volte e como consequência suas vendas, seu lucro volte a
existir. Noutras palavras, necessitam voltar suas operações.
As
empresas específicas como hospitais, laboratórios e clínicas comprariam as
vacinas evidentemente para obter lucro com a venda dessas. Num raciocínio
simplista, com o custo de R$ 50,00 por dose da vacina, o governo poderia
liberar a compra pela iniciativa privada nos seguintes moldes: Cada dose
comprada pelos laboratórios, hospitais, etc., poderia ser vendida no preço
máximo de R$ 350,00, desde que a cada dose comprada, o laboratório comprasse
duas e efetivasse aplicação ou direcionamento para o SUS, realizando a doação
dessas duas doses. Nessa simples fórmula, o lucro – e evidentemente realizado
de uma forma simples – seria de mais de 100% ou pelo menos igual a 100% para
essas empresas.
Pesquisa
recente desenvolvida pela empresa HSR Health a respeito do comportamento do
brasileiro sobre o acesso à imunização mostra que 80% dos entrevistados
aceitariam pagar um preço entre R$ 50 e R$ 99 pela aplicação da vacina. O
estudo foi feito entre 16 e 27 de julho por meio de painel online, com 1.509
brasileiros de todos os estados, de 18 a 65 anos. Sem dúvidas, milhões de
brasileiros não poderiam pagar pela vacina, mas caso 70 milhões de brasileiros
se dispusessem a pagar por essas doses, os outros 140 milhões as receberiam de
graça, o que nos levaria para a imunidade coletiva. Nessa circunstância
apontada o governo não gastaria nada, a iniciativa privada teria lucro e
cumpriria uma função social importante e conseguiríamos ir adiante com o
combate de forma séria e programada, além de retomar a economia e o mercado de
trabalho com maior brevidade.
De
acordo com notícias recentes, clínicas privadas brasileiras já estão negociando
a aquisição de 5 milhões de doses da vacina indiana Covaxin e empresas
brasileiras buscam adquirir um lote de 33 milhões de doses da
Oxford/AstraZeneca. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Sesi
(Serviço Social da Indústria) avaliam a possibilidade de obter os imunizantes
contra a Covid-19, mas aguardam as coordenadas governamentais para dar
andamento na compra das vacinas. Existe um sinal de que os setores da indústria
e do comércio pretendem auxiliar e acelerar o plano de imunização nacional, que
está, atualmente, devagar, quase parando.
Importante
salientar, que sequer envolvemos aqui os planos de saúde, que com generoso
aumento aplicado recentemente, e com inúmeros pacientes internados utilizando
seus planos de saúde para tratar a doença, poderiam também ser chamados para
subsidiar parte de tudo isso. Nem se diga que a referida postura seria capaz de
gerar tratamento diverso para supostas classes sociais com alguma ofensa ao
texto constitucional, no sentido de possibilitar vacinar uns e não vacinar
outros, pois aqui, todos teriam acesso a imunização. Trata-se aqui de viver ou
morrer, não de ilações jurídicas.
Não
parece haver segredo, e sim explícita e escancarada má vontade de atuação unida
ao pleno despreparo.
Enquanto
a vida significar menos que “ter poder” e a ingratidão pelo povo e seu voto for
o trilho a ser seguido, continuaremos sendo a república das bananas como no
conto “O almirante”, seguindo o Brasil como uma simples colônia.
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães - advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISP-SP