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Millepora alcicornis - foto: Thalia Santana/Biofábrica de Corais/Fundação Grupo Boticário |
Dispositivo criado
por pesquisadores da UFPE inova a técnica de transplante de corais a partir da
recuperação de fragmentos. Turismo científico é tendência para a proteção de
espécies em Porto de Galinhas
Pesquisadores da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE) desenvolveram uma tecnologia inédita que pode ajudar a
salvar espécies de corais em risco de extinção. Os cientistas criaram um
dispositivo que inova a técnica de transplante de corais a partir da
recuperação de fragmentos com perda tecidual. O dispositivo funciona como uma
espécie de berço, onde os fragmentos são mantidos até que se recuperem e
cresçam. Com isso, podem ser reinseridos em seus habitats, ocupando papel-chave
no equilíbrio recifal.
“O dispositivo permite aprimorar a
técnica de transplante de corais, na medida em que torna todo o processo mais
simples e acessível. Móvel e de fácil produção, inclusive por impressora 3D,
permite adaptar a técnica à morfologia das diferentes espécies e pode ser
transportado para qualquer local em que os pesquisadores necessitem conduzir os
estudos ou manejos de recuperação”, explica o engenheiro de pesca e coordenador
científico do projeto, Rudã Fernandes.
Com o dispositivo, Fernandes e sua
equipe cultivaram a espécie Millepora alcicornis, coral nativo
brasileiro conhecido como coral-de-fogo, conseguindo com que crescesse 40% em
apenas três meses. Pela mesma tecnologia, também foi possível cultivar o coral Mussismilia
harttii, que figura na lista vermelha de espécies em extinção. Com esta
espécie, os pesquisadores têm conseguido multiplicar o número de pólipos
obtidos a partir de um mesmo fragmento.
O projeto, que conta com o apoio da
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, enxerga a conservação recifal
como um processo multidisciplinar e que deve ter participação da população
local, assim, também atua nas frentes de educação ambiental, engenharia e
prototipagem, turismo, desenvolvimento de tecnologias de aquicultura,
fisiologia e bioprospecção de moléculas bioativas para múltiplas atividades.
“Queremos viabilizar cadeias econômicas integradas e sustentáveis, que
respeitem a natureza”, afirma Fernandes.
Na mesma linha, o
coordenador geral do projeto, Ranilson Bezerra, ressalta a
multidisciplinaridade da ação, que traz resultados que impactam toda a
comunidade. “O retorno para o turismo local é imenso. O trabalho que
desenvolvemos com brilho nos olhos, carinho e dedicação é de extrema relevância
para jangadeiros, profissionais de mergulho e proprietários de pousadas, hotéis
e resorts”, diz Bezerra.
De acordo com a gerente de
Soluções em Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, Marion
Silva, projetos como este demonstram como a proteção da
biodiversidade gera benefícios para o país, inclusive do ponto de vista
econômico. “É extremamente importante cada vez mais o poder público, a
iniciativa privada e a sociedade se conscientizarem da necessidade de cuidarmos
dos ambientes naturais, da fauna e da flora. Temos na natureza um grande ativo
que pode ser usado de forma sustentável e responsável para gerar renda e
empregos”, diz.
Turismo sustentável
Ano após ano, Porto de Galinhas, em
Pernambuco, recebe milhões de turistas de todo o mundo atraídos por seus
famosos corais. De acordo com o Ministério do Turismo, o município de Ipojuca,
onde fica o famoso destino turístico, foi mapeado como o nono destino mais
procurado pelos viajantes brasileiros durante o último verão (dezembro de 2019
a janeiro de 2020).
Não à toa, o projeto da UFPE tem
despertado o interesse dos empresários de Ipojuca, em especial do setor
hoteleiro, que começa a entender que, sem os corais, o turismo na região pode
minguar, comprometendo uma atividade que hoje é responsável por grande parte da
geração local de emprego e renda.
Para que Porto de Galinhas continue sendo um destino turístico
relevante, sustentabilidade virou palavra-chave. Com ajuda da associação de
hotéis do município e o Projeto Reanimar, os pesquisadores estão desenvolvendo
uma iniciativa focada no fomento à economia azul, ou seja, economia baseada nos
recursos naturais e serviços fornecidos pelo oceano. A ideia é que, com apoio
dos empresários, seja construída uma base permanente para a recuperação dos
corais de Ipojuca, sempre em colaboração com instituições científicas.
O objetivo é que novas iniciativas com
esse propósito sejam aceleradas. De acordo com os pesquisadores, mais de dez
hotéis da região já manifestaram o interesse de apoiarem em suas estruturas o
desenvolvimento de bases de manejo de espécies nativas, que funcionarão como
startups responsáveis por desenvolver projetos e tecnologias de conservação
para diversas espécies marinhas (tartarugas, peixes, estrelas-do-mar etc.). “O
hotel colabora com a preservação e poderá associar sua imagem como benfeitor
daquela espécie em Porto de Galinhas”, explica Fernandes.
Para
ele, o turismo científico será uma tendência na região e há possibilidade de as
técnicas e abordagens desenvolvidas serem escalonadas, uma vez que há parceiros
internacionais envolvidos, incluindo a Universidade do Qatar. No turismo
científico, os viajantes colaboram e participam de ações de conservação,
promovendo a conscientização e ajudando a combater práticas predatórias, como
remover os corais de seu habitat ou danificá-los.
A
situação dos corais
O
branqueamento é um processo de deterioração que pode levar à morte dos corais.
É causado pela alteração da temperatura dos oceanos, que deixa a água mais
ácida e provoca a expulsão ou perda de pigmentação das zooxantelas, algas que
vivem em associação mutualística com o coral. Poluição e práticas turísticas
inadequadas também contribuem para fatigar o ambiente.
De
acordo com o Serviço Geológico do Brasil, os recifes de corais se estendem por
3 mil quilômetros da costa brasileira, concentrando-se desde o Sul da Bahia até
o Maranhão, especialmente entre Salvador e o arquipélago de Abrolhos, ambos no
estado baiano.
Além
disso, são os únicos recifes de coral do Atlântico Sul, visto que cerca de 92%
se encontram nos oceanos Índico e Pacífico. Embora ocupem apenas 0,1% dos
oceanos, os recifes são ecossistemas extremamente ricos em biodiversidade,
servindo como berçários e fornecendo alimento e abrigo para milhares de
espécies de peixes, crustáceos, moluscos, algas e outros seres vivos. Segundo o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), um quilômetro quadrado
de recife de coral saudável e bem manejado pode gerar a produção anual de 15
toneladas de peixes e outros frutos do mar. Ainda de acordo com a agência da
ONU, os serviços ecossistêmicos oferecidos pelos corais beneficiam cerca de 850
milhões de pessoas no mundo que vivem a uma distância de até 100 quilômetros
dos recifes, sendo que 250 milhões dependem diretamente dos corais para a sua
subsistência.
Fotos:
https://drive.google.com/drive/folders/1Phu5DCA5Yno9JFpzYFrG9-YtefH1mR6w
Vídeos: https://drive.google.com/drive/folders/1lPuptOsrDmWipbYd6tx3y9SMEt3bGWYz