Pacientes com deficiência intelectual não têm prioridade nos atendimentos e enfrentam atrasos nos cuidados médicos e na realização de exames de rotina.
Durante a Semana Nacional das Pessoas com Deficiência Intelectual e Múltipla, que acontece de 21 a 28 de agosto, a SOBRASP – Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente – alerta para falhas graves no atendimento dessas pessoas na rede de assistência à saúde, enfrentando riscos que poderiam ser evitados com profissionais capacitados, protocolos e práticas clínicas inclusivas e respeito aos seus direitos como pacientes.
A segurança do paciente é um direito humano fundamental. No entanto, de acordo com a OMS – Organização Mundial da Saúde-, cerca de um em cada dez pacientes sofrem danos em ambientes de atenção à saúde, e mais de três milhões de mortes anuais em todo o mundo são atribuídas à falta de segurança nos cuidados – problemas que poderiam ser evitados com medidas simples, como a higienização adequada das mãos e cuidados rigorosos no manuseio de medicamentos. Pessoas com deficiência enfrentam barreiras adicionais, como comunicação inadequada, ambientes não acessíveis e preconceito estrutural, que aumentam o risco de eventos adversos, conhecidos como “erros médicos”.
A pandemia de COVID-19 contribuiu para
um aumento no número de pessoas com deficiência intelectual no Brasil e no
mundo. Segundo dados do último Censo do IBGE, de 2022, entre as 198,3 milhões
de pessoas com dois anos ou mais de idade no país, 14,4 milhões (ou 7,3%)
possuem algum tipo de deficiência. Destas, cerca de 2,6 milhões apresentam
neurodivergência intelectual, o que pode afetar atividades como trabalho,
estudo ou cuidados pessoais. Além disso, aproximadamente 2,4 milhões (1,2% da
população) têm diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Vale
destacar que o número de autistas não está incluso na estatística geral de
deficiência do Censo.
Desafios no
atendimento seguro e de qualidade em saúde
Infelizmente, além do aumento no número de casos, as pessoas com deficiência intelectual continuam sendo discriminadas no atendimento à saúde. Estudos indicam que esses pacientes frequentemente não têm prioridade nos atendimentos, enfrentando atrasos em cuidados médicos e declínio na realização de exames de rotina, como os cardiovasculares.
“Há uma vulnerabilidade acentuada entre
esses pacientes, com taxas mais altas de incidentes de segurança e tratamento
discriminatório. É fundamental implementar políticas específicas já existentes,
que tenham como foco as pessoas com deficiência. O Ministério da Saúde tem a
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência,
atualizada pela Portaria GM/MS n. 1.526/2023), que garante a segurança e a
equidade nos cuidados dessa população. São necessárias intervenções que abordem
a acessibilidade e a capacitação dos profissionais de saúde para promover um
atendimento de qualidade e seguro”, alerta Luciana Musse, membro da
SOBRASP.
Direitos do
paciente com deficiência
A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reconhecem a pessoa com deficiência intelectual e múltipla como sujeito de direitos, garantindo-lhes o direito de se casarem e terem filhos, por exemplo. Mas, seus direitos sexuais e reprodutivos são violados com frequência.
Na condição de paciente, têm direito de
ser ouvido e a participar direta e ativamente da tomada de decisão sobre seu
tratamento e ações que envolvem sua vida e saúde.
Confira outros direitos do paciente com deficiência intelectual ou múltipla:
·
À vida e à saúde por meio de cuidado seguro e de qualidade;
·
A não ser discriminado;
·
À informação, que deverá ser transmitida ao paciente de forma
acessível, através de uma linguagem simples, clara e sem infantilizar a pessoa
com deficiência intelectual ou múltipla;
·
A um acompanhante durante todo o período de internação,
independentemente da idade;
·
A uma segunda opinião, mesmo em situações de urgência e
emergência;
·
Ao acesso ao seu prontuário, sem custos ou justificativas;
·
Ao consentimento informado;
·
À privacidade durante os cuidados em saúde;
·
A não ser submetido a tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes;
·
Ao ser cuidado em estabelecimentos de saúde seguros e protegidos e
por trabalhadores de saúde qualificados;
·
A apresentar queixa e exigir reparação, se acontecer um incidente
evitável (“erro médico”).
Políticas
públicas
As políticas
públicas desempenham um papel fundamental na promoção da inclusão e do respeito
às pessoas com deficiência. Na área da saúde, é fundamental estabelecer
critérios de acessibilidade física e de comunicação em hospitais e centros de
saúde, garantindo que esses espaços sejam realmente acessíveis e seguros a
todos. Protocolos também devem ser criados em linguagem simples e acessível
para assegurar o respeito ao consentimento livre, prévio e informado das
pessoas com deficiência durante qualquer procedimento médico, promovendo um
atendimento humanizado e respeitoso, com base em direitos humanos.
Outro aspecto importante é garantir os direitos sexuais e reprodutivos dessas pessoas, especialmente de mulheres, lésbicas, bissexuais, pessoas transgênero e meninas com deficiência intelectual, psicossocial ou sensorial. Essas garantias são essenciais para promover a autonomia e o bem-estar de cada indivíduo.
Por fim, é fundamental investir na capacitação de profissionais da saúde que atuam tanto na iniciativa privada, quanto no setor público, promovendo cursos e treinamentos que abordem a segurança e a qualidade do cuidado, assim como os direitos das pessoas e dos pacientes com deficiência e as consequências de práticas prejudiciais e discriminatórias. Assim, é possível construir uma cultura de segurança do paciente com deficiência, baseada no respeito à sua dignidade, inclusão e valorização da diversidade, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária para todos.

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