Um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), em Jaboticabal, em colaboração com a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), desenvolveu uma ferramenta de inteligência
artificial (IA) para avaliar o estresse do tambaqui (Colossoma macropomum),
peixe nativo mais produzido no Brasil. O estudo foi publicado na
revista Aquaculture.
Os resultados podem ter impacto tanto para o aumento do
bem-estar dos animais quanto para a seleção de exemplares mais tolerantes ao
ambiente de cultivo. O tambaqui é uma espécie amazônica cultivada sobretudo nos
Estados da região Norte. O Brasil é o maior produtor mundial da espécie,
fornecendo 110 mil toneladas em 2022 (leia mais em: agencia.fapesp.br/54167 e agencia.fapesp.br/37902).
“Primeiro verificamos que, em uma condição estressante, ou seja,
em um ambiente mais confinado do que o normal, os peixes ficavam mais escuros.
Depois, que a adição de um hormônio ligado ao estresse também alterava a
coloração nas escamas. Então treinamos um software com mais de 3 mil imagens
para chegarmos num limiar de estresse que pudesse orientar piscicultores e
programas de seleção genética, pois vimos que essa é uma característica
herdável”, explica Diogo Hashimoto, professor do
Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp), que coordenou o estudo.
O trabalho tem como primeira autora Celma Lemos, que realiza
doutorado na instituição, e integra projeto apoiado pela FAPESP no âmbito de um
acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Para desenvolver a ferramenta, os pesquisadores fotografaram
3.780 tambaquis de duas populações, uma do Caunesp (1.280 indivíduos) e outra
da Embrapa Pesca e Aquicultura, em Palmas, no Tocantins (2.500 indivíduos), com
a colaboração da equipe coordenada pela pesquisadora Luciana Shiotsuki.
Em seguida, cada imagem teve marcada a região que deveria ser
avaliada pelo software, a metade inferior do corpo. O contraste com a coloração
da parte superior é bastante comum em peixes, provavelmente um atributo da
seleção natural, que resultou numa espécie de camuflagem. O “countershading”,
como é chamado em inglês, pode ser observado, por exemplo, em tubarões, que têm
o ventre mais claro do que as costas.
Os pesquisadores treinaram então um modelo de aprendizado profundo
(deep learning) para chegar a um limiar que indica, pelo número de
pixels pretos em relação aos brancos da imagem, o grau de estresse dos
tambaquis.
Uma vez que os exemplares do Tocantins tinham sido marcados
quanto à sua ascendência, foi possível saber quanto a característica pode ser
passada adiante. “Calculamos que a tolerância ao estresse é uma característica
moderada a altamente herdável. Isso se reflete em ganho de peso e tolerância a
doenças, abrindo caminho para termos gerações com cada vez mais bem-estar em
ambiente de cultivo”, avalia Hashimoto.
Mecanismos fisiológicos
A mudança na coloração sob estresse é uma característica
encontrada em diversas espécies de peixe, mas ainda não havia sido comprovada
no tambaqui. No caso das que se tornam mais escuras à medida que estão mais
estressadas, como a tilápia (Oreochromis niloticus), um hormônio
envolvido no estresse promove a expansão dos melanóforos, células que, a olho
nu, são pequenas pintas pretas.
Para comprovar o efeito no tambaqui, os pesquisadores coletaram escamas de seis indivíduos, da população de Jaboticabal, e as mergulharam em duas soluções. Numa delas, havia uma solução neutra e o α-MSH, uma versão do hormônio estimulante de melanóforos. Na outra, apenas a solução neutra. Depois de 30 minutos, os autores observaram que as banhadas no hormônio estavam mais escuras, com os melanóforos expandidos.
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| Escamas antes e depois de 30 minutos mergulhadas em solução com hormônio ligado a estresse: indicado pela seta, expansão de melanóforos gera coloração mais escura (foto: Celma Lemos/Caunesp) |
Em outro experimento, seis tambaquis foram retirados dos tanques normais de criação, de 200 metros quadrados, fotografados e divididos em três reservatórios redondos muito menores, de 2 mil litros (85 centímetros de altura e 1,66 metro de diâmetro). Depois de dez dias, foram novamente fotografados e a diferença de coloração era evidente, confirmando que a espécie também fica mais escura à medida que se estressa.
“A ferramenta de IA pode ser usada para monitorar o estresse dos
peixes cultivados, num momento em que se cobra cada vez mais bem-estar animal.
Apenas avaliando as fotos dos animais, seria possível obter essa medida e
melhorar as práticas quando necessário, como reduzir o número de indivíduos por
tanque, por exemplo”, diz o pesquisador.
O artigo Deep learning approach for genetic selection of
stress response in the Amazon fish Colossoma macropomum pode ser lido
em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0044848625007343.


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