Pesquisadores conseguiram demonstrar relação entre o fenômeno climático e a propensão ao fogo, criando uma ferramenta que pode, no futuro, auxiliar em ações preventivas
O risco de incêndio na Amazônia
é maior em regiões onde o armazenamento de água subterrânea está comprometido,
principalmente se o El Niño estiver agravando a seca. Usando imagens de
satélite e dados de queimadas, pesquisadores conseguiram demonstrar a relação
entre o fenômeno climático e a propensão ao fogo, criando uma ferramenta que
poderá, no futuro, auxiliar em ações preventivas.
Os resultados do estudo, com
base em informações de 2004 a 2016, revelam uma diminuição nas condições de umidade
em três níveis – do solo superficial (sfsm), da zona das raízes das árvores
(rtzsm) e das águas subterrâneas (gws), sendo este último o que apresenta maior
severidade de aridez. São esses “reservatórios” que demoram mais para se
recuperar quando afetados por secas consecutivas e extremas decorrentes do El
Niño, um dos fenômenos climáticos de maior impacto na Terra.
Nas últimas décadas, incêndios
florestais provocados pelo homem (antropogênicos) alteraram significativamente
a dinâmica da vegetação na região amazônica. Essas atividades humanas são
consideradas “ignições” para o fogo na floresta tropical, sendo que a escalada
das queimadas está ligada às condições climáticas.
Somente em 2024, o total de
focos de incêndio registrado de janeiro a 20 de novembro na Amazônia é o maior
desde 2010 – foram 132.211 em pouco menos de 11 meses, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com uma
metodologia diferente da usada pelo Inpe, o Laboratório de Aplicações de
Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), alerta que já foram queimados
cerca de 128 mil km2 do bioma neste ano, o que corresponde ao
território da Inglaterra.
“Resolvemos investigar o impacto
da seca meteorológica e hidrológica dos incêndios na Amazônia com atenção no
papel das águas subterrâneas e eventos do El Niño dentro do projeto Sacre, que
tem foco maior em áreas urbanas, mas também olha para zonas rurais e florestas.
E conseguimos demonstrar a relação”, comemora o professor Bruno Conicelli, do
Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), autor
correspondente da pesquisa.
Publicado na revista Science of the Total Environment, o artigo
tem como coautor o pesquisador Ricardo Hirata, coordenador do “Sacre: Soluções Integradas de Água
para Cidades Resilientes”. Um dos maiores projetos de pesquisa
aplicada em recursos hídricos no Brasil, o Sacre tem como tema central as águas
subterrâneas e o objetivo de reduzir a vulnerabilidade de cidades e do campo em
crises associadas às mudanças climáticas globais. Recebe apoio da FAPESP por meio de um Projeto Temático.
Base de
dados
Para a caracterização da seca
hidrológica, os pesquisadores utilizaram informações de satélite da missão
GRACE, sigla em inglês para Gravity Recovery and Climate Experiment,
que permite detectar o armazenamento de água terrestre integrando umidade do
solo, água superficial e a subterrânea.
Cruzaram com dados sobre a
gravidade da seca em cada local analisado. Com isso, conseguiram identificar
áreas com menor concentração de umidade no nordeste da bacia amazônica, além de
uma diminuição da umidade em direção ao leste.
As maiores áreas queimadas
coincidiram com regiões que enfrentaram seca durante eventos extremos do El
Niño, com um aumento entre 2015 e 2016. À época, o fenômeno foi considerado um
dos três mais intensos já registrados (juntamente com 1982/83 e 1997/98). O de
2023/2024 está entre os cinco mais fortes, segundo a Organização Meteorológica
Mundial (WMO, na sigla em inglês).
O El Niño é caracterizado pelo
aquecimento anormal da superfície do oceano Pacífico devido à diminuição da
intensidade dos ventos alísios. Os padrões da circulação atmosférica sobre o
Pacífico são alterados, com mudança também na distribuição de umidade e das
temperaturas em várias partes do planeta. Relatórios internacionais apontam que
haverá um crescimento na frequência e intensidade desse evento nas próximas
décadas.
“Sabemos que as queimadas na
Amazônia têm origem antrópica. No entanto, quando há o registro de um El Niño
mais intenso, como ocorreu em 2016, que investigamos, e novamente em 2024, as
secas meteorológicas e hidrológicas tornam-se mais severas na floresta. Nessas
condições, a vegetação depende intensamente da água subterrânea para
sobreviver. As árvores menores, com raízes menos profundas, são as primeiras a
sofrer com a falta de água”, diz Conicelli, que foi orientador da primeira
autora do artigo, Naomi Toledo. Quando a pesquisa começou, ela era aluna de
graduação da Universidad Regional Amazônica Ikiam, no Equador, onde Conicelli
foi professor durante quatro anos.
Em agosto, um grupo
internacional publicou o primeiro relatório State of Wildfires,
mostrando que os incêndios na Amazônia Ocidental – que inclui Amazonas, Acre,
Roraima e Rondônia – entre março de 2023 e fevereiro de 2024 foram
impulsionados por secas prolongadas ligadas ao El Niño. Aliadas às condições
meteorológicas, as secas explicaram 68% desses incêndios, seguida da influência
de ações antrópicas, como desmatamento, agricultura e fragmentação de paisagens
naturais (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/52493).
Sistema de
alerta
Com base no resultado do
trabalho, o grupo desenvolve um índice de risco de incêndios adaptado à região
amazônica, incluindo tanto indicadores meteorológicos (ligados às chuvas)
quanto hidrológicos (água no solo, rios, aquíferos e outras reservas). O modelo
pode ser aplicado em outros ecossistemas.
Ao demonstrar a interconexão
entre as condições meteorológicas e hidrológicas e o agravamento dos incêndios
florestais, os resultados podem contribuir com estratégias destinadas a mitigar
o risco de queimadas e ações de prevenção. “Estudos como esses são importantes
também para a conscientização do quanto a floresta fica vulnerável com eventos
climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos”, completa o
pesquisador.
Segundo Conicelli, a expectativa
é no futuro acrescentar dados coletados em campo para que o sistema sirva como
um alerta quando as águas subterrâneas ficarem em níveis baixos.
O artigo Dynamics of
meteorological and hydrological drought: The impact of groundwater and El Niño
events on forest fires in the Amazon pode ser lido em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969724067688.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/el-nino-agrava-impacto-da-seca-em-aguas-subterraneas-na-amazonia-e-eleva-risco-de-incendio-constata-estudo/53651
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