Mesmo com o diagnóstico de uma doença rara e genética, o raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X (XLH), Jennyfer Marques Parinos, 28 anos, superou-se e, hoje, representa a seleção brasileira paralímpica de tênis de mesa. Nascida na baixada santista, a jovem atleta conta como foi a jornada até obter o diagnóstico. “Passei por 19 ortopedistas até ser diagnosticada com XLH em um hospital em São Paulo. Sempre me esforcei, tentei ser ativa e não me limitar a praticar atividades físicas. Felizmente, eu sou privilegiada. Tenho acesso ao cuidado adequado e isso me (permitiu) e me permite ir além”, explica Jennyfer, que conquistou recentemente três medalhas (duas de ouro em duplas mista e feminina, e uma de prata, individual) nos Jogos Parapan-Americanos de Santiago, no Chile.
Entenda melhor o XLH. A doença é causada por uma variante patogênica em um gene que sintetiza uma proteína importante do organismo - responsável pela regulação do metabolismo de fosfato. “Em uma pessoa com o desenvolvimento normal, o processo ocorre da seguinte forma: vamos imaginar que no nosso rim existe um caminhão que fica responsável pelo transporte do fósforo - elemento essencial para a composição do DNA, produção de energia no organismo e para a formação dos ossos e dentes. Quando o organismo precisa reabsorver o fósforo, sinal verde para o caminhão, que leva a substância até a corrente sanguínea. Já quando o fósforo está em excesso e o organismo não precisa reabsorver, é dado um sinal vermelho para o caminhão, que dispensa o fósforo na urina. Quem tem a doença, sofre com a desregulação dessa reabsorção. Ou seja, em uma situação que o indivíduo precisa reter o fósforo, ele acaba perdendo na urina”, explica a nefrologista pediátrica Maria Helena Vaisbich.
A especialista ressalta que apesar das manifestações da doença começarem, geralmente, na idade pediátrica - quando a criança começa a ficar em pé e andar - o tratamento não deve ser feito só até o indivíduo parar de crescer. “Trata-se de uma doença progressiva, crônica e permanente que se mantém ativa na fase adulta. Não é só uma sequela da enfermidade na idade pediátrica. Novas complicações aparecem ao longo da vida, na idade adulta. Jovens e adultos com XLH podem ter quadro clínico grave, como calcificações de tendões, fraturas e pseudofraturas decorrentes de uma fragilidade óssea que, inclusive, aumenta o quadro de dor e dificuldade de mobilidade vivido por eles. Também podem apresentar osteoartrite, fragilidade muscular e rigidez articular importante. Além do quadro ortopédico, estes pacientes apresentam alta morbidade, são de risco, por exemplo, para desenvolver hiperparatireoidismo (e suas complicações) bem como doença cardíaca”.
Um recente estudo de vida real, publicado em 2024¹, mostra o impacto do XLH na população brasileira. “Este estudo revelou que pacientes sem o cuidado adequado têm uma dependência de analgésicos e antinflamatórios (com risco de ocasionar insuficiência renal). Esses mesmos pacientes também são submetidos à um número considerável de cirurgias, que, infelizmente, não proporcionam grandes melhoras na funcionalidade”, reforça a médica.
Entre outros dados, o levantamento também evidencia outros
problemas como o hiperparatireoidismo, que apresenta consequências graves e foi
observado em 62-87% dos casos.1 “Esse estudo mostra como os impactos
desta doença são signitifcativos, tendo em vista que estamos falando de uma
população que está em plena fase produtiva: são pessoas que trabalham e
estudam, mas que podem ficar incapacitadas se não tiverem acesso ao cuidado
adequado”.
Tratamento
De acordo com a nefrologista, antigamente, o tratamento de XLH era
feito por meio suplementação de fosfato e de vitamina D. “Utilizávamos essa
abordagem para tratar as crianças com o objetivo de melhorar as alterações
ósseas e o crescimento. Contudo, este tratamento tinha uma difícil aceitação
dos pacientes. Os efeitos benéficos eram limitados e tínhamos efeitos
colaterais importantes, como o desenvolvimento de nefrocalcinose (depósito de
sais de cálcio nos rins). Felizmente, já existe um tratamento preciso, que age
exatamente na proteína desregulada e garante mais qualidade de vida para o
paciente. Essa medicação está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), mas
somente para crianças. É necessário que adultos com XLH também tenham acesso a
esse tratamento. O acesso precisa ser para todos os pacientes elegíveis”,
finaliza a especialista.
Referências
¹
Real-world data of Brazilian adults with X-linked hypophosphatemia (XLH)
treated with burosumab and comparison with other worldwide cohorts
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