Novas decisões dos ministros Gilmar
Mendes e Carmem Lúcia confirmam que a relação entre franquia e franqueado se
baseia em contrato empresarial de natureza civil, portanto, ações envolvendo
essas partes devem ser julgadas pela Justiça ComumFreepik
Já está pacificado na
legislação: contrato de franquias, que têm caráter empresarial e de natureza
civil, não caracteriza vínculo de emprego. Assim, eventuais ações do tipo devem
tramitar e serem julgadas pela Justiça Comum, não pela do Trabalho.
O alerta é da
advogada Melitha Novoa Prado, advogada especialista em franchising há 35
anos e sócia-fundadora do escritório Novoa Prado & Kurita Advogados, com
base em decisões dos ministros Gilmar Mendes e Carmem Lúcia, do Supremo
Tribunal Federal (STF), publicadas no fim de 2024, que reforçaram essa
jurisprudência.
Segundo Melitha, antes da Lei
de Franquias (nº 13.966/2019), havia uma certa "ignorância" sobre
como funcionava o setor, e muitos contratos entre a franquia e o franqueado que
operava a marca não eram bem feitos - o que levava muitos a ajuizarem
reclamações trabalhistas.
Porém, até o final do
julgamento, geralmente se concluía que não havia qualquer vínculo do tipo:
afinal, o franqueado investiu, fez gestão do negócio e respondia pelas decisões
empresariais. Mesmo não sendo um negócio próprio, a franquia também tem riscos.
"Todas as decisões que
vieram posteriormente caíram na mesma conclusão: que realmente não tinha
como caracterizar vínculo de emprego entre as partes no franchising, e isso foi
pacificado pela jurisprudência do STF. Tanto que entrou na Lei de
Franquias", destaca.
O caso da Prudential, franquia
de corretoras de seguros, é emblemático nesse sentido. Diversas decisões
judiciais foram favoráveis à companhia em instâncias superiores, após ser
processada por ex-franqueados na Justiça do Trabalho, onde reclamaram vínculo
de emprego.
A discussão, segundo Melitha, é
que diversos ex-franqueados alegaram que não eram franqueados, mas sim
representantes ou promotores comerciais. "Houve uma mudança de propositura
nos novos contratos, e muitos dos que assinaram afirmaram que não eram
franqueados por serem pessoa física, pedindo para vincular a
subordinação", explica.
A advogada recomenda ao
franqueador que cumpra e obedeça todas as etapas do processo de seleção de um
franqueado para não ter esse tipo de susto. Também é preciso contar com
especialistas para preparar a documentação de acordo com a lei, explicar
todas as cláusulas para o futuro franqueado, e propor até um test-drive antes
que ele tome a decisão.
"Não é contratação, é
negócio próprio, está pacificado pelo STF. Por isso não é de qualquer jeito: é
importante preservar a relação de franquias, os seus pressupostos e
as características da relação para que o franqueado não venha a confundir
o papel dele", orienta a advogada.
DECISÕES
CONVERGENTES
Mesmo com diversas reclamações,
todas as ações ajuizadas contra a Prudential geraram decisões favoráveis para a
empresa nas instâncias superiores. Até agora, o STF afastou o vínculo de
emprego em 43 RCLs (Reclamações Constitucionais), sendo que 24 já tiveram o
processo encerrado.
Essas decisões, segundo o STF, convergem
com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 48 recursos
julgados pela instância superior trabalhista.
Representando a Prudential no
STF, o advogado Lucas Rabêlo Campos disse, na ocasião dos julgamentos, que os
autores das reclamações mantiveram contratos típicos, previstos na legislação
própria do franchising e de corretagem de seguros.
Ele explicou que ambos os
regimes jurídicos que regulam a relação preveem ausência de vínculo
empregatício entre as partes contratantes. "Além disso, não houve alegação
de vício de consentimento (quando a vontade das partes não é manifestada) em
nenhum dos casos."
As ações julgadas recentemente
endossam a jurisprudência. Entre novembro e dezembro de 2024, o ministro Gilmar
Mendes analisou três RCLs - 73.467-SP, 71.295-DF e 73.479-RS, ajuizadas pela
seguradora -, em que reconheceu a incompetência da Justiça do Trabalho para
julgar a relação franquia-franqueado, e remeteu os processos à Justiça Comum.
Sua decisão derrubou três
acórdãos de Tribunais Regionais do Trabalho - São Paulo (TRT-2), Rio Grande do
Sul (TRT-4) e Distrito Federal (TRT-10), que reconheceram o vínculo e acabaram
contrariando os precedentes vinculantes do tribunal superior.
No mesmo período, a ministra
Carmen Lúcia cassou dois acórdãos, do Rio de Janeiro (TRT-1) e de São Paulo
(TRT-2), que haviam reconhecido o vínculo entre empresários (donos das
corretoras franqueadas) e a seguradora Prudential, reforçando a relação
comercial entre as partes.
Segundo Gilmar Mendes, a
situação é fruto de uma renitência da Justiça do Trabalho, que não tem cumprido
as deliberações do STF - uma problemática que tem gerado um grande número de
processos vindos da seara trabalhista, e sobrecarregando ainda mais o
Judiciário.
Dados do portal Corte Aberta apontam
que, de 7.360 RCLs distribuídas aos ministros do STF entre janeiro e setembro
de 2024, 4.440 estavam classificadas nas categorias Direito do Trabalho e
Direito Processual Civil e do Trabalho - o que mostra que uma parcela
significativa das ações que tramitam nas instâncias superiores envolvem esse
tipo de reclamação.
DE UMA VEZ
POR TODAS?
Mesmo pacificada, essa questão
ainda continua a gerar reclamações de vínculo de emprego de ex-franqueados na
Justiça do Trabalho, mas caminha para ser resolvida definitivamente ao longo de
2025, segundo os advogados especializados nessa área. Está pendente de
julgamento a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1149, ou
"ADPF de Franquias".
Em parecer enviado à ministra
Carmen Lúcia, a relatora da ADPF, a Procuradoria Geral da República (PGR),
pediu que os processos de vínculo trabalhista que envolvem contratos de
franquia sejam julgados pela Justiça Comum. Por outro lado, o
procurador-geral da República, Paulo Gonet, destacou que a Justiça do Trabalho
só poderia discutir o vínculo empregatício nos casos em que a Justiça Comum não
reconheça a validade do contrato de franquias.
Citando novamente a Prudential,
Melitha Novoa Prado lembra que os ex-franqueados quiseram provar a relação de
pessoalidade e subordinação nas ações que chegaram ao STF. Porém, as decisões
mostram que se cumpriu a lei e todos os requisitos de contrato empresarial
foram respeitados, uma vez que a seguradora provou que era uma relação de
franquias e ganhou.
A advogada lembra que todos têm
direito à Justiça, mas não adianta teimar e discutir a questão nas instâncias
trabalhistas. "Nenhum advogado deve recomendar isso para o cliente. O
importante é cumprir o papel de franqueador e preparar a documentação de acordo
para diminuir riscos de discussão. Porque além de as partes gastarem para se
defender, a ação não vai dar em nada", sinaliza.
Karina Lignelli
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/stf-reforca-contrato-de-franquia-nao-gera-vinculo-de-emprego
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