Por séculos, a filosofia foi separada do universo empresarial. Há razões históricas para isso.
Esta área de conhecimento nasceu a partir da busca
incessante por algo que transcende o mundo material e individual. Aristóteles,
por exemplo, trouxe o termo telos para referir-se a um “fim
último”, que sobrepassa nossas ações pragmáticas, e nos conecta com o Todo,
o que possibilita uma vida significativa e um estado de plenitude que ele chama
de eudaimonia.
Acessamos tal estado pela contemplação: uma postura dócil de admiração a algo
que vai além, nos envolve e nos plenifica.
Essa contemplação não é, para os filósofos gregos,
uma postura passiva, de quem somente aprecia à distância algo que não o
modifica. Aristóteles argumenta que, ao contemplar o indivíduo se alimenta
dessa verdade e passa a atuar de forma sábia, que ele denomina phronesis.
Outros filósofos clássicos trouxeram essa ideia de acesso a algo maior, que se
traduz em uma vida mais consciente e plena. O próprio termo filosofia
vem de philo sophia: amor à sabedoria, uma jornada em
direção à verdade que nos ultrapassa e completa.
Outros filósofos surgiram com diferentes visões,
mas a maioria propondo um pensamento que eleva o ser humano a uma condição mais
consciente. Este “pano de fundo” transcendente originou o termo filosofia
perene: o campo de sabedoria no qual diferentes pensamentos
convergem, apesar das diferenças.
No entanto, a história tem seus caprichos. A
revolução científica (séc. XVI), com René Descartes, Francis Bacon e outros,
declarou que com a razão e a ciência o homem se tornaria o senhor do
universo, capaz de pensar, medir, dividir e controlar a natureza.
Esta abordagem racional e controladora foi incorporada pela teoria econômica, que honrou também a linha individualista e utilitarista de pensadores como John Locke. A racionalidade cartesiana impregnou os sistemas econômicos culminando na Revolução Industrial, que deu origem à estrutura organizacional em voga até hoje.
O mundo do trabalho passou a girar em torno da
produção. O indivíduo era um grande recurso, tendo sua existência reduzida à
atividade laboral, o animal laborans, nas palavras da
filósofa Hannah Arednt: um sujeito que vive para trabalhar.
Este universo onde o trabalho é onipresente e a
produção é tudo o que importa, gerou uma sociedade coisificada e consumista,
que atingiu o ápice na sociedade norte-americana pós-guerra, rica em dinheiro e
com fome insaciável de adquirir produtos. Consolidava-se, assim, a sociedade do
Ter,
nas palavras de Erich Fromm. Nela, o indivíduo se esvazia de sentido, se
desconecta do Todo e passa a ser uma bolha que se alimenta de coisas materiais.
Nesta concepção, a filosofia e a busca por uma vida sábia e plena torna-se
irrelevante e inútil.
A organização racional é concebida com uma
estrutura hierárquica, dividida em partes fechadas e hiper especializadas, com
uma dinâmica de relações meramente funcionais e burocráticas. Em pleno século
XXI, para o nosso assombro, a maioria das organizações ainda conserva este
formato, sustentado pelos mesmos pilares do século XIX. Nessas organizações
coisificadas não há espaço para o Ser, tudo o que vai além de produzir e
gerar mais lucro para seus donos não tem importância ou valor.
É necessário levar humanização às empresas, propor
significado e propósito, relações genuínas e transparentes, práticas éticas,
formação de líderes mais verdadeiros. Quando ouço “na nossa empresa não há
espaço para filosofar demais”, fico absolutamente inquieto, pois a filosofia
é prática: é o canal para acessar a sabedoria, que se concretiza em mundos
melhores.
Para reconciliar estes dois mundos separados pela
história, busco traduzir a sabedoria da filosofia em provocações e iniciativas
práticas, como:
- Propor
reflexões individuais e coletivas sobre o propósito e significado das
ações no trabalho. O porquê e para que fazemos as coisas;
- Formar
estruturas organizacionais planas, celulares, que se comunicam com
interdependência e maturidade, além da própria fronteira;
- Trazer
a ética como forma essencial de atuação da empresa e não como uma retórica
oca ou manipuladora;
- Conectar
a empresa com todos os seus stakeholders, explicitando sua
função social e sustentável;
- Olhar para a tecnologia como “recurso” e não fim em si mesma, limitando-a a um uso que trará mais consciência à organização.
Acredito que a
filosofia pode salvar as empresas do colapso, porque a sociedade do Ter
está se mostrando cada vez mais inviável, com o esgotamento de indivíduos,
sociedades e o planeta. Ao resgatar a sabedoria atemporal e perene, seremos
capazes de reinventar o mundo, conectando-nos a algo que nos transcende e nos
atrai ao mesmo tempo. Conseguiremos caminhar para o que Edgar Morin chama de humanismo
planetário: um olhar holístico no qual o Todo é a razão de ser das
partes. Neste ideal, o útil deixa de ser um fim em si mesmo, e
valores universais permeiam nossas sociedades e organizações.Divulgação
Mqnr
Utopia? Prefiro pensar que é destino, possível de
ser alcançado, desde que optemos por sermos mais filósofos.
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