Uma amiga querida
vem relatando nas mesas de boteco a saga de seu filho, que vem tendo anos de
relação estável com uma moça, um pouco mais velha, que tem uma espécie de
agenda relacional bastante diferente do rapaz. Sua paranóia era bastante
turbinada pelo seu Ginecologista, que ficava falando sobre envelhecimento de
seus óvulos e riscos envolvidos, que não vou me estender aqui porque me irrita.
O debate sobre congelamento de óvulos tensionou a pressão sobre o casal: você
quer ter filhos? Quer comprar um cachorro? A doença que já abordamos nessa
coluna, do Information Overload, além das dificuldades de comunicação do casal,
foi criando uma zona de cobrança de uma e de esquiva, do outro. Uma família
chamando a menina de chata e a outra chamando o rapaz de omisso e cagão.
Finalmente ele falou que não pretendia embarcar na jornada de uma gestação. O
embate se deslocou para comprar um apartamento, ou algo que representasse a
solidez da relação.
A disputa, então
passou a ser, obsessivamente, com a demanda da moça de levar a relação para “o
próximo nível” e o rapaz aparentemente tentando atender a demanda, porque gosta
da namorada, mas sempre atrasando a realização de seus desejos, mais ou menos
hollywoodianos. Finalmente, na hora de assinar os papeis para aquisição de um
imóvel, o rapaz derrubou a caneta e se declarou indeciso. Saiu da sala. A moça
ficou enlouquecida, mas a coisa não terminou por aí. No saguão da Imobiliária
ele declarou que estava terminando com ela. Não queria casar, não queria ter
filhos, não queria escalar nem o próximo, nem nenhum nível de relacionamento
que estivesse na sua cabeça. Já consigo imaginar as moças que estão lendo essa
história cerrando os dentes de raiva. E os rapazes comemorando a “coragem” do
cara. O fato é que isso não foi um término, foi um cancelamento. O homem
bloqueou a moça e a apagou da própria vida de uma maneira implacável e, pode-se
dizer, inapelável. Dá para imaginar que esse rompimento abrupto estava muito
relacionado a uma espécie de Burnout relacional. O cara simplesmente cancelou o
debate infinito, o blá-blá-blá também infinito e a questão obsessiva de qual
era o plano de carreira que o relacionamento deveria, ou não, cumprir.
No belíssimo filme
“Vidas Passadas”, ao qual eu pretendo dedicar uma análise mais longa no futuro,
dois namorados de infância, da Coreia do Sul, se reencontram, após mais de
vinte anos, em Nova York, ela casada e escritora, ele solteiro e com a vida
meio travada na mediocridade. Conversam longamente, inclusive, sobre o
relacionamento que ele acabara de romper. Nora, a moça, fala sobre casamento
com uma metáfora encantadora: para ela, o casamento é como plantar duas plantas
no mesmo vaso, e as raízes das plantas vão, inelutavelmente, disputar espaço, e
isso vai causar desconforto. Se as raízes se ajeitarem e forem complementares,
vai dar certo. Mas pode também acontecer das duas plantas se sufocarem
mutuamente.
Os estudos mostram
que o casamento hoje é muito mais igualitário, menos machista e menos
determinado por imperativos econômicos. A mulher, no mais das vezes, não
depende mais economicamente do marido, nem fica presa numa estrutura de
dominação, tanto que estatísticas americanas apontam que as mulheres já estão
pedindo o divórcio duas vezes mais do que os homens. Elas não ficam mais presas
dentro de um casamento infeliz. Já o desejo dos homens de casar e ter filhos,
além de assumir responsabilidades, está menor, levando a mulher a ser aquela
que fica lutando desesperadamente para levar a relação “ao próximo nível”, como
no caso que contei no início desse artigo.
O fato é que a
relação a dois ficou bastante contaminada pela instância política, de mulheres
que solicitam mais presença e dedicação dos caras, que sonham com esposas mais
acolhedoras e mais parecidas com a geração de suas mães. O resultado, como a
metáfora do filme, pode ser uma disputa entre as raízes que levam as duas
plantas ao esgotamento. Ou, uma raiz engolir a outra, com uma planta
prevalecendo e a outra perdendo o brilho. Isso está fazendo os casamentos serem
mais tardios e menos propensos a durarem.
A sabedoria
oriental do filme pode criar uma metáfora melhor: menos que uma disputa por
espaço, as raízes precisam ter uma presença complementar. O problema é que a
disputa de direitos e deveres cria uma espécie de nova moral, que às vezes
“obriga” um dos participantes à separação. Buscar a complementaridade, abrir
mão e sustentar a tensão de uma relação a dois já é suficientemente difícil,
sem que a relação vire uma eterna (e sofrida) queda de braço.
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