No âmbito do Direito Constitucional, 2023 ficou marcado por mais uma mudança nas regras que disciplinam a nacionalidade brasileira. Com a promulgação da Emenda Constitucional n° 131/23, em 03 de outubro, alterou-se pela quarta vez, desde a entrada em vigor da Constituição em 1988, seu artigo 12, que disciplina as condições para aquisição e perda da nacionalidade brasileira. A recente mudança alterou os critérios para a perda da nacionalidade brasileira, excluindo a hipótese da perda automática pela aquisição voluntária de outra nacionalidade.
O tema era discutido no meio jurídico e no
Congresso Nacional desde 2018, quando a carioca Cláudia Sobral (Hoerig) teve
sua nacionalidade cancelada. Ela foi extraditada para os Estados Unidos da
América, onde foi condenada pelo homicídio de seu marido. Foi justamente o
cancelamento de sua nacionalidade que viabilizou a extradição, já que o Brasil
não extradita brasileiros natos. A carioca, que emigrou para os Estados Unidos
em 1990, naturalizou-se estadunidense em 1999. Ora, no texto vigente até
recentemente, o parágrafo 4°, inciso II, do artigo 12 da Constituição Federal
previa o seguinte: “Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que
[...] adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de a) reconhecimento de
nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição da
naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado
estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o
exercício de direitos civis”. Portanto, o referido dispositivo só admitia a
dupla nacionalidade, em caso de nacionalidade estrangeira originária, como
ocorre com inúmeros brasileiros descendentes de imigrantes europeus, ou quando
a naturalização resultasse de uma exigência do sistema jurídico do país estrangeiro
para viabilizar a permanência ou o exercício de direitos civis em seu
território. Em nenhuma destas hipóteses se enquadrava a carioca, que tinha
autorização para residir e trabalhar nos Estados Unidos, pois era portadora de
um “Green Card”.
À luz do texto constitucional que vigorou até
outubro passado, ao escolher uma outra nacionalidade por livre e espontânea
vontade, o indivíduo estaria renunciando à sua condição de brasileiro.
Ocorre que a notoriedade dada ao caso de Cláudia Sobral na imprensa trouxe
preocupação à comunidade brasileira que vive no exterior. Muitos foram pegos de
surpresa, pois haviam se naturalizado estrangeiros sem conhecer que a
naturalização poderia levar-lhes a perder a nacionalidade brasileira. É fato
que o governo brasileiro por muito tempo fez “vistas grossas” à imensa
quantidade de brasileiros que se naturalizavam em outros países, deixando de
promover de ofício o cancelamento de suas nacionalidades, conforme previa a
norma constitucional. A polêmica em torno do caso de Cláudia Sobral foi o pano
de fundo para a discussão e aprovação da Emenda Constitucional n° 131/23. Com a
mudança legislativa, o parágrafo 4° do artigo 12 da Constituição Federal passou
a vigorar com a seguinte redação:
- 4º -
Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença
judicial, em virtude de fraude relacionada ao processo de naturalização ou de
atentado contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático;
II - fizer pedido expresso de perda da
nacionalidade brasileira perante autoridade brasileira competente, ressalvadas
situações que acarretem apatridia.
Enfim, o estrangeiro naturalizado brasileiro pode
perder a nacionalidade em decorrência de um comportamento ilícito (fraude à
naturalização ou atentado contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático). Já o brasileiro nato só perderá a nacionalidade brasileira se
assim o desejar, devendo para tanto formular um requerimento expresso. Aliás,
mesmo aqueles que tenham requerido a perda da nacionalidade brasileira poderão
readquiri-la posteriormente, em caso de arrependimento.
A mudança insere o Brasil no rol dos países
expressamente favoráveis à possibilidade de polipatridia. Contudo, para Cláudia
Sobral, que segue nos Estados Unidos cumprindo pena pelo assassinato do marido,
foi uma mudança tardia.
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