Ao anunciar que o governo não conseguirá honrar o compromisso de reduzir a zero o déficit primário ao final de 2024 (2º ano de mandato), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desmoralizou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que prometeu atingir essa meta. Ainda ignorou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, enviada ao Congresso pelo próprio governo, peça da qual constava o déficit zero, agora relativizado pelo presidente.
Lula culpou o mercado, a quem tachou de “ganancioso demais”, e, além de
desautorizar o ministro da Fazenda, que vem buscando incansavelmente adesões
importantes para a meta do déficit zero, desrespeitou o Congresso Nacional,
empenhado em dar suporte ao ministro, e arriscou perder a credibilidade junto a
investidores, credores e sociedade civil. O resultado do posicionamento do
presidente não contribui para a melhoria da credibilidade do país e poderá até
mesmo causar redução na taxa de crescimento do PIB e dificultar o ritmo da
redução da taxa de juros.
Trata-se de um péssimo sinal à nação por parte de quem assumiu com enorme
benevolência do Congresso Nacional. Basta lembrar que, mesmo antes de
empossado, o novo governo foi autorizado a gastar mais R$ 145 bilhões, por meio
da Emenda Constitucional nº 126, artigo 3º, que flexibilizou o teto de gastos,
pelo qual as despesas não podiam crescer acima da inflação.
A torneira foi aberta e, menos de um ano depois, o governo admite que não vai
fechá-la.
O arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso já sinalizava que os gastos públicos
sempre crescerão mais do que a inflação. Em momentos de recessão ou de baixo
crescimento crescerão menos, é verdade, mas ainda assim, acima da inflação. Os
números mostram que os gastos do governo federal em 2023 têm como limite o
equivalente ao total de gastos do exercício de 2022, corrigido pela inflação de
7,20% (IPCA) e acrescido dos R$ 145 bilhões autorizados pelo Congresso.
É preciso lembrar também que o Orçamento 2023 acabou turbinado com dinheiro
extra para o pagamento do Bolsa Família – R$ 600,00 por mês por família
cadastrada, durante todo o ano –, para investimentos sociais como Farmácia
Popular e merenda escolar – e para investimentos em infraestrutura.
Ao final de 2023, a União terá gasto R$ 5,490 bilhões, o correspondente mais da
metade (51,41%) do PIB (Produto Interno Bruto). Serão R$ 2,01 bilhões em
pagamentos de juros e encargos das dívidas (somando 18,79% do PIB), R$ 3,0
bilhões em despesas compulsórias (28,03% do PIB) e R$ 191,0 bilhões em despesas
discricionárias (1,79% do PIB). Restarão para investimentos o montante (pífio)
de R$ 144 bilhões (1,35% do PIB). Além disso, há mais R$ 145,0 bilhões (1,36%
do PIB) em investimentos extras concedidos pela Emenda Constitucional nº 126.
Vale enfatizar que dos 51,31% do PIB comprometidos com esses gastos, apenas
2,71% terão sido aplicados em investimentos. Mais grave ainda é que metade
disso é de caráter excepcional, garantido pela Emenda Constitucional.
Como se observa, há razões de sobra para o Brasil olhar com maior atenção os
gastos da União. Somente a título de juros, em razão da dívida pública nacional
atingir R$ 7,96 trilhões, o correspondente a 74,4% do PIB, o país paga
anualmente R$ 955 bilhões, ou seja, 8,92% do PIB. É estarrecedor que o país
comprometa 26,30% do total anual de suas receitas públicas apenas para
financiar a dívida pública (rolagem da dívida).
Passou da hora de o Brasil tratar a situação fiscal com mais seriedade. Em nome
da transparência, deveria ser obrigatória a divulgação não apenas do déficit
primário, mas também do déficit nominal, este sim o verdadeiro. Isso evitaria
que as autoridades tratem com menosprezo a existência do déficit fiscal que
hoje, no Brasil, é da ordem de 9,52% do PIB, considerando-se os juros das
dívidas (8,92% do PIB) mais o déficit primário (0,6% do PIB). Um número
totalizado que precisa ser revelado à nação.
Esse imenso déficit jamais será reduzido se não for encarado pelo governo o
problema do gigantismo da máquina pública. Sozinha, ela consumirá estimados R$
3,0 trilhões no próximo ano. Isso corresponderá a cerca de 26% do PIB 2024,
estimado em R$ 11,50 trilhões, considerando-se R$ 10,7 trilhões (PIB de 2023) e
admitindo-se inflação de 4,5% no ano e mais crescimento de 3% do PIB.
Não é viável para o país gastar R$ 3,00 trilhões em despesas compulsórias
quando a arrecadação tributária da União será de R$ 2,42 trilhões (21% do PIB).
Importante destacar que a carga tributária atual corresponde a 33,71% do PIB e
a arrecadação tributária prevista para 2024 atingirá R$ 3,98 trilhões.
Caso o Brasil não se convença da necessidade de redução da gastança pública e
dos privilégios que cada vez impõem mais ônus, a fim de impedir a explosão da
dívida pública – ainda que bem distante -, corremos o risco de chegar ao
fenômeno intitulado “dominância fiscal”, onde a política fiscal expansionista
(gastança pública) predomina sobre a política monetária (BACEN) e remete a uma
situação em que o Banco Central se vê impedido de elevar a taxa de juros para
combater a inflação porque a elevação do pagamento de juros sobre a dívida
pública amplifica o desequilíbrio fiscal. Esse desequilíbrio provoca efeitos
devastadores: apavora e afugenta os investidores, deprecia o Real e a inflação
se acelera. Gerar, de forma irresponsável, déficit é o caminho para a
perpetuação do subdesenvolvimento, o que remete a lição do professor Roberto
Campos de que “só há uma razão para o subdesenvolvimento Brasileiro: a mania de
distribuir fatias impossíveis de um bolo ilusório”
Esse cenário (dominância fiscal) ainda se encontra muito longe no horizonte,
porém se não prevalecer o prever (no sentido de planejar, estudar),
em vez do prover (UTI) – muito mais que mera troca de vogais -, quando
acontecer o despertar poderá ser tarde demais.
O Brasil segue sistemática e teimosamente ignorando os ensinamentos de Marco
Túlio, o imperador de Roma (ano 55 a.C.): “O orçamento deve ser equilibrado, o Tesouro Público
deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos
funcionários públicos deve ser moderada e controlada, e a ajuda a outros países
deve ser eliminada, para que Roma não vá à falência. As pessoas devem novamente
aprender a trabalhar, em vez de viver às custas do Estado”.
Mais de dois mil anos é tempo suficiente para que a lição tenha sido aprendida.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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