Há quem se pense dono\a das próprias ideias, das opiniões que tem formadas.
Engano de presunçoso\a. Salvo estarmos reconhecido\as
entre o\as gênio\as
da Terra, não é assim que funciona com a cabeça da gente.
Comumente, não
há uma única crença, um só valor, um singular costume
que professemos que
tenha sido escolha ou, muito menos, concepção nossa.
Todos, ao nascermos, encontramos ideias
já circulando no mundo. Algumas
dessas ideias vão nos alcançar e se instalar em nossa
cachola, preenchendo
nosso acervo pessoal básico com o qual “lemos” os
acontecimentos e
formamos entendimentos sobre o nosso redor.
O derredor nos fornece os elementos
mentais com os quais abarcamos o
derredor. Assim, vivemos tendendo a repetir um
ambiente social. Esse
ambiente social só aos poucos sofre modificações
(hoje de modo mais
acelerado que no passado), mais por conflitos de
interesses que se chocam e
alteram as coisas (dialética da História) do que por
vontade organizada.
Das nossas refregas com o mundo (uma
resultante variável: algo como uma
instável soma vetorial das diferentes forças
ideológicas em conflito), as
circunstâncias se refazem “sozinhas”. Muito pouco se
remaneja com intenção
ou ato deliberado de alguém.
Com as ideias circulantes que nos alcançam
(são-nos faladas) mais algum
baralhamento entre elas, formamos (temos formadas,
mais exatamente)
nossas concepções e explicações de todas as coisas.
Eis nossos conteúdos
intelectuais, nossa matéria de pensamento, nossa ideologia.
O\as que
acreditam que suas ideias são “suas” ideias estão,
pois, iludido\as.
Já foi dito, há as personalidades
extraordinárias. Salvo, porém, essas raras
excepcionalidades, pensadore\as que logram formatar
alguma coisa que já
vem pensada de tempos, ou até mesmo criar algo, somos
todo\as
constituído\as por ideias circulantes.
Esses pensamentos circulantes nos
apetrecham e passamos a pensar
escorados neles; habitualmente, apenas os repetimos,
passando-os
empacotados adiante. Dificilmente há quem se volte a
pensar sobre os próprios
pensamentos. Algo assim como perguntar: por que penso
o que penso, donde
vêm minhas crenças? Não nos historicizamos.
Dispensando-nos de indagação, recebemos
ideias embrulhadas e seguimos,
repassando-as para quem vem vindo, sem nos
inquirirmos sobre seu sentido,
sua legitimidade, sua pertinência. Não avaliamos
nossas ideias; não
indagamos a validade de nossos valores.
É certo que convicções nos norteiam a
vida: são referências para entender o
mundo, explicá-lo, vivê-lo. Não obstante, descabe a
pretensão de que o meu pensamento é “meu”. É nada! O “meu” pensamento
adveio de fora, tomou
conta de mim e eu não me apercebo que ele se foi
entranhando no meu
cérebro e produzindo a minha consciência.
Assim, as minhas ideias serão as ideias
idas minhas conjunturas. E não
poderia ser de outra forma, pois somos um sistema de
referências. Ninguém
forma ideias particularmente. Reitero: ideias são
coisas que circulam fora de
mim, antes de se estabelecerem em mim.
Minhas relações cotidianas me propiciam
conceitos análogos aos meus, o que
reforça minhas circunstâncias em mim e me confirma
como sou em minhas
circunstâncias. Nós nos repetimos. Dificilmente
pensamos “fora da caixinha”.
Exatamente por isso apreciamos as nossas “bolhas” de
internet, os nossos
mundinhos em que todos pensam o que pensamos.
Não é simples substituir-se em seus
próprios pensamentos. Alguém consegue
passar-se a limpo? Se sim, não se extinguirá, mas se
apurará. Referi, todavia,
antes, sobre baralhar ideias que entram na nossa
cabeça e, então, inventar
ideias novas.
Quero significar melhor: se rearranjo
algumas das ideias que o mundo colocou
na minha cabeça, posso ter outras ideias além
daquelas específicas que o
mundo colocou na minha cabeça. Mas isso é uma
operação um tanto complexa
e requer mais do que uma declaração de vontade.
“Caixinhas” mentais,
habitualmente inflexíveis, não se atrevem ao
diferente.
Assim, quem está repleto de compreensões
e explicações simples, vai
conseguir, quando muito, conjugar essas simplicidades
umas com as outras e
permanecer simples no resultado. A alternativa,
portanto, é dar-se, justamente,
ideias alternativas.
Aperfeiçoar-se a si. Esse desiderato faz
algumas exigências: afora o viajar a
outras culturas desvestido dos conceitos de partida
(a priori), temos o ler, o
estudar, o conversar, o assistir a filmes bem
estruturados sobre outros
pensamentos que não os nossos. Teríamos que saber
visitar, com esforço de
despidos de nós, outras explicações de mundo.
Não é coisa para vontade fraca ou vontade
intransigente, mas, se desejo isso e
se consigo isso, vou jogando tintas de outras cores
na tinta que define a minha
cor ideativa. Aqui, contudo, temos que enfrentar um
obstáculo epistemológico,
ou de conhecimento do conhecimento.
A epistemologia nos adverte de que, ao
visitar outros pensamentos, eu os vejo
e analiso a partir dos pensamentos que estão
instalados em mim. Seja: os
meus pensamentos condicionam os meus pensamentos
sobre outros (e os
meus próprios) pensamentos. Eu filtro os pensamentos
novos, pois os
interpreto à luz do que já pensava; acabo intocado
por eles.
O recurso é um esforço de equidistância
(submissão a métodos). Isso, em se
tratando de pensar pensamentos, é de difícil prática:
teríamos que por sob suspeição o que pensamos, para ler, imparcialmente,
outros pensamentos.
Vale, contudo, intentar.
Filosoficamente, abster-se de aderir a um
dogma (não formar opinião
definitiva). Os gregos definiam esse procedimento por
epoché: suspensão do
juízo (colocar a opinião entre parênteses, sem negar
ou aceitar determinada
proposição). Não avento, todavia, deletar os próprios
arquivos mentais. Sugiro
algo mais difícil: minimizar a tela das próprias
razões.
Então, desinteressadamente, o esforço
honesto de se expor a outros saberes;
o imergir curioso noutros argumentos. Aí, ir
recompondo as coisas. Sobra-se
com mais e melhor. Não é simples, mas não é
complicado. É apenas
complexo, assim como o é a humanidade.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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