Por meio da análise
de sedimentos marinhos, estudo investigou as trocas gasosas entre os oceanos e
a atmosfera. Aquecimento do Atlântico Sul provocou a liberação de CO2
aprisionado no fundo oceânico da região austral, apontam os autoresColeta de um testemunho sedimentar marinho realizada
durante a expedição Amaryllis
(foto: Thomas Kenji Akabane/USP)
As trocas gasosas
entre a atmosfera e os oceanos são um componente importante do ciclo do
carbono, desempenhando papel vital na regulação do clima e na manutenção do
equilíbrio ecológico do planeta. Estima-se que os oceanos absorvam aproximadamente
um terço do dióxido de carbono (CO2) emitido pela humanidade. Por isso,
compreender os processos complexos que regem essas trocas gasosas é de extrema
importância – ainda mais agora, no contexto da crise climática global.
Um estudo recente
investigou os processos que regeram os fluxos gasosos entre a atmosfera e o
oceano Atlântico Sul no passado geológico recente. E revelou um marcante
equilíbrio natural nas trocas de CO2, mesmo sob um cenário de mudanças
climáticas abruptas. O estudo, financiado pela FAPESP, foi publicado na
revista Global and Planetary Change.
“Investigamos
períodos do passado geológico recente nos quais o clima global sofreu mudanças
abruptas causadas pela redução da intensidade da Célula de Revolvimento
Meridional do Atlântico [AMOC, na sigla em inglês]. Esses eventos são
conhecidos como Heinrich Stadials (HS), em homenagem ao climatologista
alemão Hartmut Heinrich,
conta Tainã Pinho, autor
correspondente do trabalho – fruto de seu projeto de mestrado conduzido no
Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGC-USP).
Como a AMOC é
responsável por transportar substancial quantidade de calor do Atlântico Sul
para o Atlântico Norte, uma redução na sua eficiência gera resfriamento no
Atlântico Norte e acúmulo de calor no Atlântico Sul. Uma importante
consequência do aquecimento da porção meridional do Atlântico foi o aumento da
ressurgência marinha no oceano Austral, que circunda a Antártica. A
ressurgência é a subida das águas profundas para a superfície. Sua
intensificação fez com que o Oceano Austral liberasse grande quantidade de CO2,
que estava aprisionada no fundo oceânico, para a atmosfera. Esse CO2 oriundo do
oceano profundo possui uma “impressão digital” que permite distingui-lo do CO2
oriundo de outras fontes.
Toda essa história
ficou, de certa forma, gravada nos sedimentos marinhos. “Nosso estudo foi
baseado em análises de microconchas de foraminíferos planctônicos, preservadas
em três testemunhos sedimentares marinhos. Dois deles foram coletados na costa
brasileira, nos Estados de Alagoas e Santa Catarina, e o terceiro foi coletado
ao largo da África do Sul. As análises das microconchas permitiram reconstituir
e compreender um importante elo nas trocas gasosas entre a atmosfera e o
Atlântico Sul durante os eventos HS”, diz Pinho.
Segundo o
pesquisador, “as análises isotópicas realizadas e os resultados de modelagem
matemática indicaram que o carbono oriundo do fundo oceânico é primeiro
transferido do oceano Austral para a atmosfera e, posteriormente, entra em
equilíbrio com a porção superior do Atlântico Sul”.
Essa compreensão
foi possível mediante o estudo da composição dos isótopos estáveis do carbono
presentes nas microconchas, que são formadas principalmente por carbonato de
cálcio (CaCO3). Isótopos estáveis são átomos de um elemento químico que têm o
mesmo número de prótons, mas números diferentes de nêutrons em seus núcleos, e
não sofrem decaimento radioativo. No caso do carbono, processos naturais como a
fotossíntese dão preferência pela incorporação na matéria orgânica de um
isótopo em detrimento do outro. E, quando os organismos que produzem
fotossíntese no topo do oceano morrem, eles afundam na coluna de água e sofrem
degradação em grandes profundidades. Então, o isótopo que foi preferencialmente
incorporado é novamente liberado para o pool de CO2 das águas
do oceano profundo, gerando assim a tal “impressão digital”.
“A partir da
comparação entre a composição isotópica das microconchas obtidas nos três
testemunhos sedimentares marinhos e a composição isotópica do CO2 atmosférico
registrada nos testemunhos de gelo da Antártica, pudemos concluir que o
Atlântico Sul registrou aumentos do CO2 atmosférico durante os eventos HS”,
afirma Pinho.
Os pesquisadores
observaram excesso de um dos isótopos estáveis do carbono – mais precisamente
do carbono 12, também chamado de “carbono leve” – durante os eventos HS. E essa
é a “impressão digital” do CO2 do oceano profundo. As microconchas detectaram a
emissão de CO2 com excesso de carbono 12 do fundo oceânico da região austral
para a atmosfera que, então, entrou em equilíbrio com a camada superficial do
Atlântico Sul.
“Esse equilíbrio
não se limitou aos primeiros metros da coluna de água, mas alcançou
profundidades de, pelo menos, 300 metros. Por meio deste equilíbrio, a
‘impressão digital’ do CO2 do oceano profundo foi transferida para a porção
superficial do Atlântico Sul”, acrescenta Pinho.
Atualmente, existe
um crescente grupo de evidências que indica o enfraquecimento, ou até mesmo o
colapso, da AMOC até o final deste século. Além do aquecimento global em curso,
isso poderá causar um aquecimento adicional do Atlântico Sul, repercutindo no
clima planetário.
“Como a
solubilidade do CO2 na água diminui à medida que a temperatura da água aumenta,
o aquecimento pode reduzir a capacidade de os oceanos absorverem CO2,
desconectando, pelo menos parcialmente, os oceanos da atmosfera. Esse
importante desequilíbrio poderá ser rastreado por meio da composição isotópica
do carbono do CO2 na água do oceano, de maneira análoga ao que foi feito no
estudo aqui reportado”, comenta o professor Cristiano Chiessi,
orientador da pesquisa de Pinho no IGc-USP e coautor do artigo.
A compreensão das
bases e dos limites naturais do ciclo do carbono integrando a atmosfera e os
oceanos no passado deve enriquecer os cenários sobre as mudanças
climáticas em curso. O eventual desacoplamento entre esses dois
importantíssimos reservatórios de carbono, a atmosfera e o oceano, é algo a ser
monitorado com a máxima atenção. “A composição dos isótopos estáveis de carbono
em foraminíferos planctônicos é de interpretação complexa, mas
pode fornecer pistas relevantes para a compreensão de aspectos específicos
do ciclo do carbono”, pontua Chiessi.
O orientador
ressalta que, além das conclusões alcançadas, o estudo constituiu um notável
esforço laboratorial, levantando novos registros de três porções distintas do
Atlântico Sul, com mais de 940 análises.
O estudo recebeu
financiamento da FAPESP por meio de três projetos (19/10642-6, 18/15123-4 e 19/24349-9) e foi
conduzido no âmbito dos programas de Pesquisas em Caracterização, Conservação,
Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA)
e de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
O artigo Thermodynamic
air-sea equilibration controls carbon isotopic composition of the South
Atlantic thermocline during the last glacial period pode ser acessado
em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0921818123001960?via%3Dihub.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/ciclo-do-carbono-durante-o-ultimo-periodo-glacial-pode-ajudar-a-monitorar-a-crise-climatica/44907
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