Profissionais precisam estar prontos para o acolhimento
No Dia Mundial da Conscientização do Autismo (2/4),
o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) destaca a importância
do atendimento especializado aos pacientes com Transtorno do Espectro do
Autismo (TEA). Em geral, o transtorno é caracterizado por dificuldades de
interação social, comunicação e comportamentos repetitivos e restritos. Por
isso, é essencial que o Cirurgião-Dentista esteja pronto para receber, acolher
e tratar esse paciente e, também, informar familiares e cuidadores sobre saúde
bucal.
Segundo a Cirurgiã-Dentista Dra. Cristhiane Olivia
Ferreira do Amaral, especialista e membro da Câmara Técnica de Odontologia para
Pacientes com Necessidades Especiais (OPNE) do CROSP, o paciente com TEA é
único, pois ele tem espectro em intensidades diferentes, que variam entre os
níveis de apoio e suporte 1, 2 e 3. “O nível 1 é quando o indivíduo precisa de
pouco suporte. O nível 2, quando o grau de suporte necessário é razoável. E o
nível 3, quando o indivíduo necessita de muito suporte e apoio”.
O mais importante, segundo ela, é que o
Cirurgião-Dentista seja inserido pela família na equipe multiprofissional que
atende o paciente autista, já que normalmente ele vai a diversas terapias:
fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, fisioterapia, entre outras.
Porém, a Odontologia não está inserida de forma plena e efetiva como deveria.
“Nós, Cirurgiões-Dentistas, temos que estar prontos para este acolhimento. As
pessoas com autismo nos ensinam que os sentimentos não precisam de palavras e
que o melhor tipo de comunicação é o amor”.
Dra. Cristhiane explica que essa inclusão da
Odontologia é importante para que haja rotina, adaptação e criação de vínculo
por parte do paciente e profissional. “Se houver prevenção, ela não precisará
passar por um atendimento odontológico invasivo e de alta complexidade”.
Modalidades de atendimento
A especialista esclarece que a modalidade de
atendimento prestada ao paciente autista é determinada de acordo com nível de
dificuldade de cada um. A abordagem odontológica pode ir desde o atendimento no
consultório de uma forma lúdica, com a utilização de métodos de manejo
indicados para conseguir a cooperação para o tratamento, até o atendimento
hospitalar.
“O nível de suporte e apoio que o paciente autista
se encontra ou a reação dele frente ao tratamento odontológico e a necessidade
odontológica acumulada, é que determinarão o tipo de modalidade de abordagem
que o Cirurgião-Dentista vai utilizar”.
Dra. Cristhiane explica que, em alguns casos,
diante da presença de um procedimento complexo e depois de tentativas de
abordagem com manejo do comportamento sem a colaboração do paciente, poderá
haver a necessidade de sedação com profissionais habilitados e capacitados. Em
casos mais invasivos, é necessária a intervenção em ambiente hospitalar com
anestesia geral.
Desafios
A desorganização sensorial que pode acontecer no
consultório por parte do paciente autista não é incomum. Nesses casos, é
necessário fazer de tudo para que esse paciente não se desorganize. Por isso, o
vínculo formado é fundamental.
A Dra. Cristhiane esclarece que existem várias
técnicas que podem ser utilizadas para ajudar nesse sentido. “O
Cirurgião-Dentista pode, por exemplo, preparar o consultório com uma
pré-ambientação. Podemos deixá-lo mais colorido, colocar um motivo de interesse
do paciente (interesse restrito a determinados itens ou temas). Pode ser: um
personagem, jogos, objetos, brinquedos que o paciente é focado e goste muito”.
Outra coisa importante, segundo ela, são as
sequências visuais, pois o autista tem necessidade de referência física,
materiais estruturados, para diminuir a ansiedade e para não se desorganizar
sensorialmente. Nesse caso, os pais podem, por exemplo, mostrar sequência de
várias figuras ou fotos de um atendimento odontológico. Dra. Cristhiane explica
que essa técnica permitirá que o paciente tenha uma sequência visual do que
acontecerá durante o atendimento, antecipando a sua ida ao consultório, que já
estará estruturada em sua mente.
A previsibilidade de tempo e ambiente é um item
importante no atendimento ao autista. A especialista diz que a previsibilidade
corresponde à necessidade de antecipação dos acontecimentos de forma
estruturada e regrada. “O paciente com TEA tem essa necessidade de
previsibilidade de acontecimento e de tempo de cada procedimento. Vale
ressaltar que os sistemas sensoriais, como visão, audição, paladar, olfato e
tato, dentre outros, são alterados no autismo. Se esse paciente tiver uma
rotina ao tratamento odontológico, ele estará mais adaptado e organizado em relação
aos estímulos sensoriais provocados durante o atendimento”.
Outras técnicas
Além das técnicas já citadas, a especialista
destaca que existem inúmeras possibilidades que podem ser utilizadas no
atendimento ao paciente com autismo, entre as quais:
O reforço positivo - O reforço positivo corresponde à recompensa cada vez que há
colaboração com comportamento desejado. Esse reforço pode ser um item, um
objeto; interações ou atividades que acontecem como consequência de uma
resposta. “‘Aqui pode ser utilizado o incentivo com o próprio reforçador dele,
que pode ser o brinquedo que ele gosta ou a tela do celular que ele vai poder
olhar assim que terminar”.
A dessensibilização dos sons - O uso de equipamentos como a caneta de baixa rotação deixa o som e a
vibração ruins. Uma boa estratégia, de acordo com Dra. Cristhiane, pode ser a
utilização da escova elétrica para que haja uma antecipação dos ruídos e dos
movimentos vibratórios em casa. A antecipação dos sons por meio de recursos
como imitação do ruído da caneta de alta rotação também é válida.
Por fim, abordagens como adaptação de rotina,
condicionamento, gerenciamento de comportamento, limitação de ruídos intensos e
luz diretamente nos olhos, eliminação de reforço negativo ou punição, adoção de
um ritual de procedimentos estabelecidos e horários programados, somados à
ajuda dos pais para tarefas sequenciais por meio de figuras e desenhos, ordens
claras e curtas e sessões bem planejadas auxiliarão na formação do vínculo, que
deve ser um sentimento bilateral. A Cirurgiã-Dentista aconselha aos pais que
nunca mintam quando se tratar de levá-los ao Cirurgião-Dentista. “Dizer que vai
levar à casa de um amigo ou no shopping não é uma boa estratégia, pois ocasiona
a quebra da confiança”.
Higiene bucal
A higiene bucal em casa costuma ser difícil em
muitos casos, pois o paciente pode ter aversão à escovação. Contudo, ela nunca
deve deixar de ser realizada.
A especialista orienta a driblar a dificuldade por
meio de associações e aproximações sucessivas. Lembra que se trata de ensinar,
não apenas um comportamento, mas um conceito. “Nem sempre é fácil, mas não deve
deixar de ser feita. Se não for realizada não entra na rotina, e se não está na
rotina, piora a qualidade da saúde bucal”.
Dados
A Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que,
em todo o mundo, uma em cada 160 crianças tenha autismo. Porém, a última
pesquisa divulgada nos Estados Unidos pelo Centro de Controle de Prevenção de
Doenças (CDC), em 23 de março de 2023, apontou que 1 em cada 36 crianças de 8
anos são autistas. No Brasil, aproximadamente 2 milhões de pessoas têm
Transtorno do Espectro do Autismo.
Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP)
www.crosp.org.br
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