No começo do novo mandato, o Governo Federal deixou clara a sua intenção de retomar importantes discussões ambientais, publicando, logo no primeiro dia de mandato, nove decretos que revogam medidas do antigo governo e iniciam ou retomam políticas ambientais.
Seguindo sua intenção de alavancar políticas
socioambientais, o atual Governo Federal publicou, no último dia 13 de
fevereiro, dois novos decretos (Decreto nº 11.413/2023 e Decreto nº
11.414/2023) que contém disposições relevantes acerca da necessidade de
implementação de políticas institucionais voltadas às práticas socioeconômicas
ambientais.
O novo modelo de certificação, instituído pelo
Decreto nº 11.413/2023, guarda grande semelhança com o certificado antigo
(Recicla+) no que tange à forma de comprovação do atendimento às metas, mas
difere no enfoque que concede ao fomento às práticas de Governança
Socioambiental. O Certificado Recicla+, instituído por meio do Decreto nº
11.044/2022, estabelecia que as empresas sujeitas à implementação de logística
reversa deveriam apresentar à entidade gestora as notas fiscais eletrônicas
oriundas das operações de comercialização de produtos e de embalagens
recicláveis, para a comprovação do retorno dos materiais recicláveis ao ciclo
produtivo. Uma vez verificada a veracidade e autenticidade por meio da figura
do verificador independente, contratado pela entidade gestora, emitia-se o
certificado Recicla+, como forma de atestar a conformidade das empresas com as
metas de logística reversa do setor.
Com o Decreto nº 11.413/2023, responsável por
revogar o Decreto nº 11.044/2022, foram apresentadas três novas certificações
como forma de comprovação do cumprimento das metas de logística reversa. O
primeiro é o Crédito de Reciclagem de Logística Reversa (CCRLR), que vem para
substituir o Recicla+ e destina-se à comprovação da restituição ao ciclo
produtivo da massa equivalente dos produtos ou embalagens sujeitas à logística
reversa.
Assim, apesar do Decreto do Recicla+ ter sido
revogado, o novo CCRLR não passa de uma nova nomenclatura ao certificado, vez
que ambos (i) são documentos emitimos pela entidade gestora para os
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes para fins de
comprovação do cumprimento das metas de logística reversa e (ii) são
fundamentados no certificado de destinação final e nas notas fiscais
eletrônicas das operações de comercialização de produtos ou de embalagens
comprovadamente retornados ao fabricante ou à empresa responsável pela sua
reciclagem.
O segundo é o Certificado de Estruturação e
Reciclagem de Embalagens em Geral (CERE), destinado aos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes de produtos ou embalagens sujeitos
à logística reversa que invistam em projetos estruturantes de recuperação de
materiais recicláveis e que comprovem a restituição ao ciclo produtivo da massa
equivalente dos produtos ou embalagens.
O terceiro é o Certificado de Crédito de Massa
Futura, que permite às empresas sujeitas à logística reversa auferir
antecipadamente o cumprimento de sua meta de logística reversa, relativa à
massa de materiais que serão reintroduzidos na cadeia produtiva em anos
subsequentes, fruto de investimentos financeiros antecipados para implementar
sistemas que permitam que a fração seca reciclável contida nos resíduos sólidos
urbanos seja desviada de aterros e lixões. Para ser elegível a esse crédito é
necessário que, além de possuir CERE, atenda e implemente, concomitante, uma
séria de ações e premissas de impacto socioambiental, como geração de renda e inclusão
socioeconômica de catadores e outros requisitos estabelecidos no Decreto.
Nota-se que tanto o CERE quanto o Certificado de
Crédito de Massa Futura, não possuem o condão de, por si só, comprovar a
implementação do sistema de logística reversa. Na realidade, tem por finalidade
incentivar a prática de políticas de governança socioambiental ao estipular
requisitos obrigatórios para elegibilidade à certificação pelos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos e embalagens sujeitos
à logística reversa.
Assim por meio desses dois certificados, não basta
que as empresas comprovem a restituição ao ciclo produtivo da massa equivalente
dos produtos ou embalagens que coloquem no mercado, sendo essencial, para sua
emissão, que implementem projetos estruturantes ou invistam financeiramente em
projetos com a intenção de evitar o despejo de resíduos em aterros ou lixões
para fins de comprovação de atendimento às metas.
Verifica-se, assim, que o Decreto nº 11.413/2023
confere posição privilegiada à figura dos catadores de materiais recicláveis e
reutilizáveis, uma vez que, para fins de emissão dos três certificados, as
notas fiscais eletrônicas, autenticadas pela entidade gestora, deverão ser
oriundas, preferencialmente, das operações de comercialização dos materiais
recicláveis a partir de catadores e catadoras individuais, cooperativas e associações
de catadoras e catadores que realizem a coleta ou a triagem e encaminhem esse
material para a cadeia da reciclagem; devendo esgotar os resultados oriundos
das organizações de catadores antes de usar os créditos de reciclagem oriundos
de outros operadores logísticos.
Outro exemplo da relevância conferida a essas
figuras é que, para emissão do CERE, é necessário que a empresa tenha mais de
50% de sua meta de recuperação de embalagens em geral cumprida por meio de
parceria com catadores individuais, cooperativas e associações de catadores ou
entidades cuja origem dos resíduos seja comprovadamente de catadores.
Como reflexo dessa movimentação política, não está
mais prevista como uma das formas de comprovação do sistema de logística
reversa a destinação de resíduos sólidos para o aproveitamento energético,
através dos combustíveis oriundos de resíduos sólidos urbanos. Acredita-se que
essa exclusão se dê em decorrência das críticas apresentadas pelo Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR ao Recicla+, que
apresentava, como um de seus objetivos, o estímulo à destinação dos resíduos
sólidos a programas de recuperação energética.
Para o MNCR, tal objetivo estaria em aparente
desacordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), vez que, em seu
entendimento, deixaria de priorizar a atuação dos catadores, colocando-os
apenas como uma dentre as várias outras formas de atendimento às metas de
logística reversa. Contudo, a leitura do decreto que regulamentava o Recicla+
deveria ser realizada em consonância com a PNRS, que possui justamente como um
dos seus objetivos primordiais a inclusão socioeconômica dos catadores, assim
como a sua expressa priorização para fins de operação do sistema.
Cumpre pontuar que Decreto entra em vigor apenas em
14 de abril de 2023 e determina que as empresas possuem 12 meses e os
catadores, organizações, associações e cooperativas possuem 24 meses para se
adequar à implementação e a operacionalização da ferramenta de emissão dos
Manifestos de Transporte de Resíduos do Sinir. Há ainda a previsão de que as
entidades gestoras e os responsáveis por modelos individuais disponibilizem ao
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima relatório de resultados, até o
dia 30 de julho de cada ano, com as informações e os dados consolidados no
período de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior, para fins de
verificação do cumprimento das ações e das metas de logística reversa,
respeitado o sigilo das informações, quando solicitado e devidamente
justificado.
Por fim, conjuntamente com o novo sistema de
certificação, foi publicado também o Decreto nº 11.414/2023, dando continuidade
à política de promover a integração socioeconômica dos catadores de materiais
recicláveis e reutilizáveis de baixa renda, por meio da reinstituição do
Programa Pró-Catador através do Programa Diogo de Sant'Ana Pró-Catadoras e do
Pró-Catadores para a Reciclagem Popular, voltados à promoção e à defesa dos
direitos humanos das catadoras e dos catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis.
O novo Decreto define que o sistema será
implementado através da articulação da União com os Estados, Distrito Federal e
Municípios, que optarem a aderir ao Programa, o qual será custeado pelas
dotações orçamentárias próprias de cada um dos entes. O Programa segue pendente
de maiores regulamentações e, por ora, possui apenas o potencial de trazer
benefícios aos catadores, tendo em vista que somente será colocado em prática a
partir da adesão voluntária dos demais entes federados.
Isabela Bueno Ojima - advogada associada, Maurício Pellegrino é sócio e Carolina de Toledo Nascimento é estagiária do Cescon Barrieu Advogados na área ambiental
Cescon Barrieu
www.cesconbarrieu.com.br
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