Os cientistas utilizaram duas estratégias para coletar as lágrimas – o swab conjuntival (à esquerda) e as tiras de Schirmer, empregadas em exame que avalia se o olho produz quantidade suficiente de lágrimas (foto: Luiz Fernando Manzoni Lourençone/USP)
Pesquisa liderada por cientistas da
Universidade de São Paulo (USP) concluiu que o vírus da COVID-19 pode ser
detectado em lágrimas por meio de testes com swab, haste flexível
com algodão na ponta usada na coleta de material para exames.
Ao analisar amostras de pacientes
internados no Hospital das Clínicas de Bauru (SP) com diagnóstico da doença
confirmado por métodos convencionais, os pesquisadores detectaram o SARS-CoV-2
na superfície ocular utilizando esse tipo de teste em 18,2% dos casos. O
resultado indica uma alternativa ao swab nasal e oral, que
causa desconforto no nariz e na garganta, e sinaliza a necessidade de medidas
de proteção para os profissionais de saúde já que, apesar de baixo, há risco de
transmissão do vírus pela lágrima.
Além disso, a combinação de dois
fatores – mais comorbidades e maior taxa de mortalidade – entre pacientes com
teste positivo na lágrima sugere que a detecção viral pode auxiliar no
prognóstico da doença.
Os resultados foram publicados em artigo no Journal
of Clinical Medicine.
“No início da pesquisa, pensamos em
buscar um método de diagnóstico fácil, com a coleta de material sem tanto
incômodo para os pacientes. O swab nasal, além de provocar
desconforto, nem sempre é usado da maneira correta. Para pessoas com desvio de
septo nasal, por exemplo, pode ser um problema. Achávamos que a lágrima seria
mais fácil de executar, mais tolerável. Conseguimos mostrar que é um caminho.
Uma limitação nesse estudo é que não sabemos se a quantidade de lágrima
coletada influencia na positividade ou não”, afirma o autor correspondente do
artigo, o professor Luiz Fernando Manzoni Lourençone,
da Faculdade de Odontologia de Bauru e do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais, ambos da USP.
Segundo o pesquisador, é possível
inferir que a probabilidade de detectar o vírus em amostras lacrimais é maior
em pacientes com carga viral alta, que pode levar a um quadro de viremia
disseminada por diversos fluidos corporais.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por
meio de Bolsa de Iniciação Científica concedida
a Luís Expedito Sabage,
aluno de graduação, orientando de Lourençone.
Técnica
De 61 pacientes internados, foram
analisadas amostras de 33 deles com diagnóstico de COVID-19 e de outros 14 sem
o vírus, obtidas durante o primeiro semestre de 2021, quando as principais
variantes que circulavam no Estado de São Paulo eram a gama e a delta.
Os cientistas utilizaram duas formas
para coletar as lágrimas – o swab conjuntival e as tiras de
Schirmer (exame para avaliar se o olho produz quantidade suficiente de
lágrimas). As avaliações foram realizadas entre julho e novembro do mesmo ano.
Do total, o SARS-CoV-2 foi detectado em
18,2% das amostras coletadas por swab e em 12,1% das obtidas
por meio de tiras de Schirmer. Por outro lado, como esperado, nenhum dos
pacientes negativos para COVID-19 em exames feitos com swab nasofaríngeo
teve amostra de lágrima positiva.
Para avaliar as comorbidades, o grupo
adotou o Índice de Comorbidade de Charlson (ICC), composto por 20 fatores e
desenvolvido como forma de padronizar e ajustar indicadores de risco,
discriminando o prognóstico de um paciente em termos da mortalidade no período
de até um ano.
Segundo a pesquisa, os indivíduos cujas
lágrimas testaram positivo para o SARS-CoV-2 tiveram ICC inferior em relação ao
restante (apontando maior probabilidade de óbito em dez anos) e taxas de
mortalidade mais altas.
Independentemente do diagnóstico de COVID-19,
a maioria dos indivíduos apresentou baixa produção lacrimal e desconforto
ocular, indicando a necessidade do uso de lágrima artificial durante a
internação.
Além de dados demográficos, clínicos e
de sintomas oculares, os cientistas trabalharam com análises de RT-qPCR (sigla
em inglês para Reação em Cadeia de Polimerase de Transcrição Reversa). O método
requer a extração do material genético; um processo de transcrição do RNA em
DNA e, por fim, a multiplicação do DNA. Considerado padrão-ouro para diagnóstico
da COVID-19 e amplamente usado em vários laboratórios pelo mundo, o exame é
capaz de detectar a presença de até mesmo uma única cópia do material genético
do vírus na amostra.
Ao contrário de estudos anteriores, em
que genes virais (N e RdRp) não foram considerados nas análises de RT-qPCR,
nesse caso a pesquisa identificou diferentes partes do vírus, resultando em uma
melhor taxa de detecção.
Em julho de 2021, foi publicado o
resultado do trabalho de um
grupo da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas
(FCM-Unicamp) que acompanhou 83 pacientes internados no Hospital de Clínicas da
cidade, dos quais 8,43% tiveram amostras de lágrimas ou da superfície ocular
positiva para a doença.
“Quando começamos, no início de 2021,
não tínhamos tecnologia para fazer o cruzamento de alguns tipos de dados,
saindo da ciência básica para a prática clínica. Nesse intervalo, o Sabage fez
um estágio no Byers Eye Institute, do Departamento de Oftalmologia da
Universidade Stanford [Estados Unidos], uma referência em estudos de fluidos
oculares complexos. Com a tecnologia de lá, foi possível fazer vários
pareamentos e constatar a presença de SARS-CoV-2 em lágrimas das nossas
amostras. A associação com outra equipe trouxe resultados para nosso campus e
abriu uma nova linha de pesquisa”, completa Lourençone à Agência FAPESP.
O estágio em Stanford
recebeu apoio da FAPESP.
Possibilidades
Agora, o grupo de pesquisadores iniciou
uma nova linha com foco na detecção de doenças por meio de testes e exames
ligados aos olhos. O objetivo é trabalhar com outros tipos de vírus, além do
SARS-CoV-2.
“Existem outros vírus ainda pouco
estudados no Brasil. Pretendemos nos dedicar a encontrar soluções e melhorar a
qualidade de vida dos pacientes. Vamos analisar também outras condições virais
que se tornam sistêmicas”, diz o professor.
O artigo Conjunctival Swabs
Reveal Higher Detection Rate Compared to Schirmer Strips for SARS-CoV-2 RNA
Detection in Tears of Hospitalized COVID-19 Patients pode ser lido
em: www.mdpi.com/2077-0383/11/23/6929.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-mostra-que-virus-da-covid-19-pode-ser-detectado-em-lagrimas-por-meio-de-teste-com-iswab-i/40527/
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