Astrócitos derivados de células de pacientes com esquizofrenia (colunas 1 e 3) promovem menor vascularização comparados à células-controle (imagem: Pablo Trindade/UFRJ/Idor)
Estudo publicado na revista Molecular Psychiatry sugere que a esquizofrenia
pode estar relacionada com alterações na vascularização de determinadas regiões
do cérebro. No trabalho, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) observaram que células neurais (astrócitos)
derivadas de pacientes com a doença induzem a formação de um maior número de
vasos – só que mais finos –, o que pode afetar a rede vascular de algumas áreas
cerebrais.
A esquizofrenia
é considerada um transtorno mental grave e multifatorial, podendo afetar até 1%
da população mundial. Entre os sintomas comuns estão a perda de contato com a
realidade (psicose), alucinações (ouvir vozes, por exemplo), falsas convicções
(delírios), pensamento e comportamento anômalos, diminuição da motivação e
piora da função mental (cognição).
No estudo,
os pesquisadores centraram as atenções no papel dos astrócitos – células
essenciais para a manutenção dos neurônios e que funcionam como usinas energéticas
do sistema nervoso central – no desenvolvimento da doença. Além de apontar
novos alvos terapêuticos, o estudo avança no entendimento de mecanismos
moleculares da doença.
“Mostramos que os astrócitos podem estar envolvidos com uma alteração na
espessura dos vasos do cérebro. E isso pode estar relacionado com um fator
importante da esquizofrenia: a diminuição no fluxo metabólico [produção de
energia] em certas regiões cerebrais. “Isso reforça o papel dos astrócitos como
um elemento central da doença, tornando-os um alvo para novas terapias”,
explica Daniel Martins-de-Souza,
professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas
(IB-Unicamp) e um dos autores do artigo.
O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de um Projeto Temático e
de Bolsa de Pós-Doutorado concedida
a Juliana Minardi Nascimento,
primeira autora do artigo ao lado de Pablo Trindade, da UFRJ e do Idor.
Alteração
na vascularização
Os
pesquisadores compararam astrócitos derivados de células da pele de pacientes
com esquizofrenia com os derivados de pessoas sem a doença. Essa parte do
estudo foi realizada no laboratório de Stevens Rehen, pesquisador do Idor e
professor do Instituto de Biologia da UFRJ.
Para isso,
a equipe reprogramou as células epiteliais de pacientes com esquizofrenia e as
do grupo-controle para que regredissem a um estágio de pluripotência
característico de célula-tronco (células-tronco pluripotentes induzidas ou
iPSCs). Em seguida, induziu-se a diferenciação das células, transformando as
iPSCs em células-tronco neurais (que podem dar origem tanto a neurônios como a
astrócitos).
"Estudos
anteriores já haviam sugerido que tanto anormalidades moleculares quanto
funcionais dos astrócitos poderiam estar envolvidas na patogênese da
esquizofrenia. Em nosso trabalho, comprovamos essa relação a partir de estudos
com células-tronco pluripotentes induzidas. Sem essa técnica seria impossível
estudar os astrócitos da maneira como fizemos”, explica Martins-de-Souza.
Com os
astrócitos derivados de pacientes e de controles saudáveis os pesquisadores
realizaram dois testes. Primeiro, foi feita uma análise proteômica (que
identifica o conjunto de proteínas presentes na amostra), no Laboratório de
Neuroproteômica da Unicamp, verificando a variação de proteínas expressas nas
células-controle e nas de pacientes com esquizofrenia.
“Avaliando
a proteômica das células com esquizofrenia observamos alterações imunes
associadas aos astrócitos. Também encontramos diferenças em citocinas
inflamatórias e diversas outras proteínas que indicavam uma ação angiogênica
[que favorece o crescimento de novos vasos] na vascularização cerebral”,
informa Nascimento.
Depois da
análise proteômica, os pesquisadores realizaram ensaios funcionais. Observou-se
que a resposta inflamatória dos astrócitos de pacientes estava alterada e que
as substâncias que liberavam afetavam a vascularização. A realização desses
ensaios foi parte do pós-doutorado de Trindade.
Para isso,
os pesquisadores utilizaram um modelo de sistema vascular baseado na membrana
que envolve o embrião de galinha. Conhecida como CAM (sigla em inglês para
membrana corioalantoica embrionária de ovos de galinhas), a metodologia tem
sido empregada para estudar o efeito de substâncias na vascularização de
tecidos.
Esse
ensaio foi conduzido por colaboradores da Universidad de Chile (Chile).
“Basicamente, colocamos os meios condicionados de astrócitos, contendo todas as
substâncias que estas células secretam, dentro da região vascular de ovos
fertilizados. Conforme as células vasculares vão se multiplicando, é possível
verificar como se dá a formação dos vasos. Assim, é possível observar se as
substâncias secretadas pelas células cultivadas induzem ou inibem a
vascularização do ovo", conta Trindade.
Além de modificarem a vascularização, os astrócitos derivados de
pacientes com esquizofrenia apresentavam um perfil crônico de inflamação. “É
sabido que os astrócitos são células neurais que têm o papel de regular a
resposta imune na região. Portanto, é possível que eles estejam promovendo uma
vascularização mais imatura ou menos eficiente. Verificamos que, em comparação
ao grupo-controle, os astrócitos derivados de pacientes secretam uma quantidade
maior de interleucina-8, um sinalizador de inflamação e suspeito de ser o principal
agente da disfunção vascular associada à esquizofrenia”, explica o pesquisador
à Agência FAPESP.
Os autores
ressaltam que os achados reforçam o papel do neurodesenvolvimento na
esquizofrenia, que, ao que tudo indica, é mediado pelos astrócitos.
"Os sintomas
da doença geralmente se manifestam quando se é um jovem adulto. Mas, como
mostramos no trabalho, as células gliais nesses pacientes são diferentes desde
o princípio, o que interfere no neurodesenvolvimento ainda no útero. A
diferenciação e a formação do cérebro ocorrem de forma alterada. Portanto, pode
ser que, durante a maturação do cérebro, aconteçam fatos como o que verificamos
no estudo: uma vascularização sistematicamente alterada levando à malformação
de circuitos cerebrais que pode desencadear a esquizofrenia na idade adulta”,
diz Nascimento.
Outra
contribuição do estudo foi alertar para a importância dos astrócitos nas
doenças neurológicas. “O papel das células da glia, como é o caso dos
astrócitos, não só na esquizofrenia, mas nas doenças neurológicas em geral tem
sido um achado recente, pois havia uma visão muito neurocêntrica de
investigar mais o papel dos neurônios. Não deixa de ser uma forma de ampliar
nossa visão e entendimento sobre a doença”, avalia Martins-de-Souza.
O artigo Induced pluripotent stem cell-derived astrocytes from patients with schizophrenia exhibit an inflammatory phenotype that affects vascularization pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41380-022-01830-1.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
Estudo aponta relação entre esquizofrenia e alterações vasculares no cérebro | AGÊNCIA FAPESP
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