Roque de Sá/Agência
Senado |
Com 59 anos como economista da Associação Comercial
de São Paulo (ACSP), o que me obrigou a acompanhar a política e a economia do
país diariamente, imaginava que não veria mais nada de novo nessas áreas, a não
ser repetições, lembrando do que diz Guilherme Afif Domingos, que “de novo, só
o que foi esquecido”.
Confesso, no entanto, que me surpreendi com a festa
de fim do ano da Confraria do Gasto, integrada pelo Executivo (futuro), pelo
Legislativo e pelo Judiciário, que, em ação coordenada conseguiram contentar
todos os seus membros. O aumento generoso de salário para todos os membros da
Confraria foi apenas um sinal do que iria acontecer.
A exclusão do teto dos gastos do Auxílio\Bolsa
autorizado pelo ministro Gilmar Mendes, combinado com a declaração de
inconstitucionalidade do “orçamento secreto”, propiciaram as condições ideais
para as negociações da “PEC da Transação”, contentando a todos e, com certeza,
se precisar atender a mais alguém, o caminho está aberto.
Foi emocionante ver a dedicação do Congresso,
trabalhando à noite, “enquanto a plebe rude da cidade dorme”, como dizia o
velho samba, para aprovar a gastança, sem qualquer preocupação com o detalhe de
como tudo isso vai ser pago.
A Constituição, que no dizer de muitos juristas
deve ser a ordem fundamental de uma sociedade, que se estrutura a partir de
certos princípios fundamentais, e que para ser eficaz não deve sofrer
constantes mutações, não foi obstáculo para os parlamentares, pois, como dizia
Getúlio Vargas, ela é “como a virgem, que para ser fértil precisa ser violada”.
Constata-se que as garantias dos direitos
individuais e a segurança dos contribuintes nada valem, pois a Constituição
reflete uma estrutura de poder e o poder agora está na mão da Confraria do Gasto.
Manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Se a Constituição é detalhe, as leis se tornam
muito mais frágeis, como mostra a modificação do Estatuto das Estatais para
atender aos interesses de quem manda, pois, como também dizia Getúlio, “lei!
Ora, a lei”.
Com a Pec do Gasto, 37 ministérios e as propostas
dos grupos de transição, criamos uma realidade virtual, o Metaverso
orçamentário, onde não existe escassez de recursos (para a Confraria), e as
palavras como austeridade, prioridade, produtividade, passam a significar
exatamente o seu contrário, como na Novilíngua de George Orwell.
Quanto aos pobres, que têm siso a justificativa
para tudo, continuarão a ser apenas estatísticas que, certamente, serão
utilizadas para aumentar os impostos sobre os ricos, ignorando que somente com
o aumento da riqueza será possível combater a pobreza de forma duradora
Como cidadão, e como contribuinte que vive no mundo
real, busco algum consolo, lembrando dos estóicos, que eram “indiferentes ao
prazer e à dor, aos altos e baixos do destino, tendo como ponto de partida a
avaliação daquilo que na vida pode ou não ser controlado”. Segundo eles, a
causa da infelicidade é nos preocuparmos com coisas sobre as quais não temos
poder. Devemos ter foco naquilo que pode ser controlado por nós, que são nossos
valores, e ser calmo e racional independentemente do que aconteça.
Ou, como na Oração de São Francisco, pedir “força
para mudar o que pode ser mudado, resignação para aceitar o que não pode ser
mudado, e sabedoria para distinguir uma coisa da outra”.
Outra alternativa, e que me parece mais
interessante para o momento, é me inspirar em Voltaire, com seu doutor
Pangloss, para quem “tudo, absolutamente tudo, acontece para o bem, neste que é
o melhor dos mundos possíveis”.
Boas Festas
Marcel Solimeo
Diário do Comércio (dcomercio.com.br)
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