O contexto externo permanece adverso e incerto. As principais economias do mundo continuam enfrentando um ambiente inflacionário desafiador, mantendo em curso uma política monetária restritiva e com uma perspectiva de redução na atividade econômica – ou até mesmo uma possível recessão.
E o Brasil? Após o término das eleições, inicia-se
o processo de transição de governo, que aumenta a ansiedade de diversos
segmentos da sociedade em relação às possíveis mudanças de direção. E, não
poderia ser diferente para o setor de energia, em especial de petróleo, gás
natural e biocombustíveis, que continuam em evidência em função da crise
energética global.
Diversos avanços foram conquistados nos últimos
anos. Entre os destaques, no upstream (exploração e produção de
petróleo), o destravamento do setor, possibilitando investimentos diretos e
indiretos de cerca US$ 428 bilhões para os próximos 10 anos, segundo plano
decenal de expansão de energia da empresa de pesquisa energética EPE.
Entre os principais avanços no setor está a
manutenção de um calendário de leilões de áreas exploratórias, que oferece
previsibilidade e estabilidade para os investimentos em exploração, e que, mais
recentemente, está sendo substituído pelo programa de oferta permanente. De
acordo com a ANP (Agência Nacional de Petróleo), esse programa conta, hoje, com
1.068 áreas disponíveis e, num futuro próximo, pretende adicionar mais 1.018 –
incluindo áreas terrestres, offshore convencional (fora do polígono
do Pré-sal) e no Pré-sal.
O destravamento do setor se deu, em grande parte,
por conta de novas resoluções sobre Exploração e Produção de Petróleo (E&P)
e Conteúdo Local, publicadas entre 2017 e 2018, pelo Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE). Paralelamente, o Congresso publicou novas leis,
como a extensão do REPETRO por mais 20 anos (um regime fiscal favorável) e a
lei que desobrigou a Petrobras a ser a operadora única do Pré-Sal (porém, com o
direito de preferência), além do governo resolver o impasse em relação ao
contrato da cessão onerosa com a Petrobras.
No âmbito regulatório, a ANP publicou resoluções de
redução de royalties para produção incremental de campos marginais e
para pequenas e médias empresas, além de medidas para apoiar o programa de
desinvestimentos da Petrobras em áreas terrestres e águas rasas, entre outras
iniciativas para estimular novos investimentos no setor.
Com o início de um novo governo, a expectativa é
que não haja grandes alterações nas políticas e regulação já estabelecidas no upstream
– em particular, projetos de exploração e desenvolvimento da produção em áreas
já contratadas. Porém, pode haver impactos no plano de desinvestimentos da
Petrobras, principalmente em áreas terrestres e em águas rasas, bem como na
exploração em áreas com maior sensibilidade ambiental, como é o caso da
exploração na margem equatorial. Nesta região, em particular, a Petrobras
anunciou, recentemente, que pretende intensificar os esforços de exploração com
investimentos de USD 2 bilhões – cerca 38% do orçamento para exploração até
2026.
Já no midstream (refino/gás natural), o
movimento de desinvestimentos da Petrobras pode sofrer impactos significativos
com a entrada do novo governo. É muito pouco provável que aconteça recompra de
ativos já desinvestidos, embora possa haver desaceleração ou até a paralização
do processo de desinvestimentos.
É importante destacar que o plano de
desinvestimentos da Petrobras foi motivado por mudanças na estratégia da
empresa em direcionar seus investimentos para segmentos estratégicos e com
maior retorno de capital, sendo que grande parte desse movimento foi provocado
pelo TCC (Termo de Conduta de Cessão), assinado com o CADE (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica), em 2019.
Entretanto, a principal motivação continua sendo
desenvolver um mercado de petróleo, gás natural e biocombustíveis mais
dinâmico, competitivo e aberto em todos os elos da cadeia. Acredita-se que o
mercado aberto e competitivo possa atrair mais investimentos do setor privado e
gerar maior impacto socioeconômico no médio/longo prazo.
No dowstream (distribuição/revenda), a
maior preocupação é com a atual política de preços da Petrobras, que utiliza a
paridade internacional (Preço de Paridade de Importação - PPI), atualizando os
preços de combustíveis de acordo com as variações internacionais do petróleo e
do câmbio.
A preocupação do novo governo com a volatilidade
dos preços dos combustíveis e seu impacto para a sociedade é legitima e merece
atenção. Entretanto, é importante destacar que a Petrobras é uma empresa de
economia mista, com ações listada nas bolsas do Brasil e Estados Unidos e, por isso,
precisa respeitar as regras estabelecidas nestes mercados. Em um passado não
muito distante, a empresa enfrentou uma das maiores crises de sua história em
razão de uma política de preços equivocada e corrupção, que resultou em
prejuízos significativos de imagem e financeiros, o que motivou mudanças
importantes na governança e estatuto da empresa.
O cobertor é curto e, de fato, a Petrobras precisa
ter lucro, remunerar adequadamente seus acionistas, ter capacidade de
investimentos em áreas estratégicas e ser competitiva. Mas, por ter o governo
como seu principal acionista, também precisa equilibrar estes interesses com os
anseios da sociedade, especialmente em momentos de crise.
A prática adotada recentemente pela empresa de
administrar os preços de combustíveis dentro de uma banda de valores de mercado
parece sensata, desde que consiga manter os preços competitivos e em equilíbrio
com o mercado, garantindo assim o abastecimento nacional e evitando repassar
grandes volatidades externas (oscilações nos preços do petróleo e taxa de
câmbio) aos consumidores.
Seja qual for a orientação do novo governo para o
setor, precisa garantir a estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica
para preservar os investimentos já realizados e continuar atraindo novos investimentos.
O processo de transformação do segmento em um mercado aberto, competitivo e
dinâmico é a nossa garantia de maior segurança energética, ampliação da nossa
vantagem competitiva como nação e, certamente, uma contribuição mais
significativa para a prosperidade da nossa sociedade.
Felipe Kury - ex-diretor da ANP.
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