Muitas das 50 mil espécies de plantas e animais usadas direta ou indiretamente por bilhões de pessoas já estão em declínio, ameaçadas pela exploração excessiva e o comércio ilegal, alerta novo relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, entidade conhecida como o "IPCC da biodiversidade" (pesca ilegal de espécies ameaçadas no Rio Grande do Sul; foto: MPF)
Bilhões de pessoas tanto em países
desenvolvidos como em desenvolvimento dependem de espécies silvestres de
plantas e animais para alimentação, saúde, energia, geração de renda e
recreação, entre outras finalidades. Muitas dessas espécies, contudo, estão em
declínio, ameaçadas pela exploração excessiva e pelo comércio ilegal, entre
outras práticas que têm agravado a crise global da perda de biodiversidade.
O alerta
foi feito por cientistas autores do relatório de avaliação sobre o uso
sustentável de espécies silvestres da Plataforma Intergovernamental sobre
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês) – entidade
criada em 2012 com a missão de sistematizar o conhecimento científico e
subsidiar decisões políticas em âmbito internacional. O resumo do documento foi
aprovado esta semana por representantes dos 139 Estados-membros do órgão –
incluindo o Brasil – e divulgado nesta sexta-feira (08/07) em Bonn, na
Alemanha.
“Cerca de
50 mil espécies silvestres são utilizadas de diferentes maneiras, incluindo
mais de 10 mil que são usadas diretamente como alimento. As populações rurais
dos países em desenvolvimento são as mais vulneráveis ao uso insustentável, uma
vez que, com a falta de alternativas, são forçadas a seguir explorando espécies
que já se encontram em risco”, disse Jean Marc Fromentin, um dos coordenadores
da avaliação.
O
relatório é resultado de quatro anos de trabalho de 85 especialistas, líderes
em ciências naturais e sociais de diferentes países, além de detentores de
conhecimento indígena e tradicional e de 200 autores contribuintes, com base em
mais de 6,2 mil estudos.
Entre os autores do documento
está Maria Gasalla,
professora do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO-USP).
Os autores
destacam que, nos últimos 20 anos, o uso humano de espécies silvestres tem
aumentado em geral, mas sua sustentabilidade tem variado de acordo com as
práticas.
A
superexploração tornou-se muito comum e já é uma das principais ameaças à
sobrevivência de muitas espécies terrestres e aquáticas, apontam.
“A
sobrevivência de cerca de 12% das espécies de árvores selvagens está ameaçada
pela exploração madeireira insustentável. A coleta insustentável é uma das
principais ameaças para vários grupos de plantas, notadamente cactos, cicas e
orquídeas, e a caça insustentável tem sido identificada como uma ameaça para
1.341 espécies de mamíferos silvestres”, sublinham os autores.
Por sua
vez, o comércio ilegal de espécies silvestres já representa a terceira
atividade ilegal no mundo, com valores anuais estimados em até US$ 199 bilhões.
A madeira e o peixe representam os maiores volumes e valores do comércio ilegal
de espécies silvestres.
As mudanças
climáticas também podem agravar a perda de espécies silvestres. Ao mesmo tempo,
algumas das melhores práticas no uso de plantas e animais selvagens, tais como
a silvicultura sustentável, podem ser uma ferramenta importante de mitigação e
adaptação ao clima, ponderam os autores.
“Enfrentar
as causas do uso insustentável e, sempre que possível, reverter essas
tendências, resultará em melhores resultados para as espécies silvestres e para
as pessoas que dependem delas”, avaliou Marla Emery, uma das coordenadoras do
relatório.
Uso sustentável
Uma a cada
cinco pessoas em todo o mundo (cerca de 1,6 bilhão) depende de plantas
silvestres, algas e fungos para sua alimentação e renda; uma em cada três (2,4
bilhões) depende de lenha para cozinhar e cerca de 90% dos 120 milhões de
pessoas que trabalham na pesca de captura dependem da pesca em pequena escala,
apontam os autores.
A fim de
estabelecer um uso mais sustentável das espécies silvestres de plantas,
animais, fungos e algas em todo o planeta, de modo a assegurar o bem-estar da
humanidade, os autores do relatório analisaram políticas e ferramentas que têm
sido usadas em diversos contextos.
Com base
nessa análise, apresentam alguns elementos-chave que poderiam ser usados como
alavancas para essa finalidade, como a implementação de políticas inclusivas e
participativas e medidas de gestão de cadeias econômicas baseadas na exploração
de espécies silvestres.
Em países
com sólida gestão da pesca têm sido observado aumento das populações de peixes
com valor econômico. A população de atum vermelho do Atlântico, por exemplo,
foi reconstruída e agora é pescado dentro de níveis sustentáveis.
“Para
países e regiões com baixa intensidade de medidas de gestão da pesca, no
entanto, o estado das unidades populacionais é muitas vezes pouco conhecido,
mas geralmente acredita-se estar abaixo da abundância necessária para maximizar
a produção sustentável de alimentos”, ponderam os autores.
A mudança
climática, a crescente demanda e os avanços tecnológicos nas tecnologias
extrativas estão entre os prováveis desafios para o uso sustentável das
espécies silvestres, e é necessária uma mudança transformadora para
enfrentá-los, aponta o relatório.
O relatório está disponível em: https://zenodo.org/record/6810036#.YsgpaHbMLIV.
Elton Alisson
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/uso-insustentavel-de-especies-silvestres-ameaca-oferta-de-alimentos-e-geracao-de-renda-dizem-cientistas/39083/
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