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segunda-feira, 25 de julho de 2022

Afinal, o negociado prevalece sobre legislado?

Recentemente, houve o julgamento de dois recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) referentes à ADPF 381 e outra Repercussão Geral Tema 1.046 que tratam sobre os direitos dos trabalhadores. Notamos que as notícias que circularam sobre esses assuntos geraram dúvidas, uma vez que aparentemente o STF tomou duas decisões distintas sobre o mesmo tema.

É importante esclarecer que ambos os recursos têm a mesma matéria constitucional e foram escolhidos para que o STF analise de vez a possibilidade de prevalência de convenções e acordos coletivos de trabalho (ACT/ CCT) sobre o legislado, bem como seus limites, haja vista que a Constituição Federal, em seu art. 7º, estabelece os direitos fundamentais dos trabalhadores e, no mesmo artigo no inciso XXVI, reconhece a validade de CCTs. 

No primeiro caso analisado a ADPF 381, trata-se de um recurso interposto pela Conselho Nacional do Transporte (CNT) em que se pleiteava a nulidade ou invalidade de cláusulas coletivas que até 2012 previam a aplicação do art. 62, I da Consolidação das Leis Trabalhistas aos motoristas externos. Em razão da previsão convencional, esses empregados estavam excluídos do controle de jornada de trabalho e, consequentemente, do direito ao recebimento de horas extras. 

Contudo, a discussão decorria exatamente pelo fato da existência da possibilidade de controle de jornada por parte das empresas por meio de tacógrafos, por exemplo. Em razão disso, esses trabalhadores estavam sendo prejudicados em virtude de tais cláusulas coletivas. 

Alguns Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) já tinham se posicionado invalidando tal cláusula. O STF, neste caso específico, assim como os Tribunais e o TST, entendeu que a norma prevista na CCT feria as regras constitucionais, uma vez que, em que pese esses motoristas exercerem atividades externas, havia a possibilidade de controle de jornada de trabalho e, inclusive, com cobranças de metas de deslocamento, motivo que comprovou que a jornada cumprida por esses trabalhadores era superior ao estabelecido na Constituição Federal. Assim, analisando um caso na prática, o STF invalidou o negociado e o empregador teve que pagar as horas extras a esses trabalhadores. 

Já no recurso ARE 1121633, tratava sobre horas extras in itinere – esse caso foi selecionado para representar e decidir a questão do Tema 1.046 – de repercussão geral, cujo objeto de análise foi a possibilidade ou não de que o negociado prevalecesse sobre o legislado. 

No caso analisado, do processo de repercussão geral, tratava-se de cláusula convencional que não considerava como horas extras o deslocamento do empregado para o local de trabalho e vice-versa, juridicamente chamado de horas extras in itinere. A maioria dos ministros do STF entendeu que, por se tratar de direito disponível não previsto na Constituição Federal e ainda por entender que na CCT houve concessões compensatórias, a previsão contida na CCT que excluía o direito ao pagamento de horas extras in itinere aos trabalhadores era válida.

Diante do exposto, notamos dois movimentos distintos. Um que a CCT vale sobre o legislado e outro que não, o que, na prática, significa dizer que o STF reconheceu a importância da autonomia das partes e a possibilidade de firmarem acordos e convenções coletivas conforme suas necessidades e peculiaridades, assim como dispôs a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) em seu artigo 611-A e a ACT ou CCT. Ambos podem prever concessões que restrinjam ou delimitem direitos trabalhistas, mas sempre observando os direitos indisponíveis previstos no art. 7º da Constituição Federal.

 

Flaviana Moreira Garcia - sócia-fundadora do escritório Moreira Garcia Advogados, Pós-Graduada em Direito e Processo.


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