Até fevereiro deste ano, a grande pauta dos negócios internacionais eram os efeitos da pandemia sobre as economias do mundo. Uma das grandes lições aprendidas após dois anos pandêmicos foi sobre a vulnerabilidade das cadeias logísticas globais. Dificuldades em carregar e descarregar caminhões, filas em portos, congestionamentos de navios e a falta de contêineres acabaram por elevar preços de produtos manufaturados e de commodities em todo o mundo.
Quando achávamos que a pandemia ficava para trás, e
que novos tempos de maior estabilidade estavam no horizonte, a Rússia inicia as
ameaças aos ucranianos que, em fevereiro de 2022 tornam-se um conflito de fato.
Mais uma vez, o delicado equilíbrio das Relações Internacionais estava
alterado. Os efeitos econômicos iniciais da invasão foram os mais óbvios: a
alta no petróleo e no gás natural, grandemente exportados pelos países
envolvidos no conflito – e iniciada mesmo antes da invasão ocorrer de fato – e,
posteriormente, também no trigo e nos fertilizantes.
Muitas empresas aéreas – seja de carga ou de
passageiros – alteraram suas rotas para não sobrevoar Rússia ou Ucrânia. Com
isso, os custos desse transporte aumentaram e, por óbvio, aumentou também o
custo do que é transportado. Há que se ressaltar que, desde o início da
pandemia da covid-19, as cadeias logísticas globais já estavam em crise e,
atualmente, com combustíveis mais caros e novas rotas sendo necessárias, agrava-se
um quadro que já era muito complexo.
Atualmente, três meses após o início da empreitada
militar russa, outros efeitos são sentidos por todo o mundo. Nem mesmo doentes
e convalescidos escapam de sentir os efeitos das pretensões de Putin: a
indústria farmacêutica encara uma inédita falta de suprimentos. Ainda que a
Ucrânia e a Rússia produzam poucos itens médicos e de saúde, muitos utilizados
pela cadeia produtiva farmacêutica são impactados. É do petróleo que vem o
plástico usado em seringas, frascos ou equipamentos médicos no geral. Xisto,
alumínio, níquel, titânio, neon e ferro, também muito usados pelo segmento
médico-farmacêutico em instrumentos cirúrgicos e dispositivos implantáveis,
vinham grandemente de Rússia e Ucrânia. Ou seja: o fornecimento reduziu.
Além de tudo isso, há os lockdowns
na China. Shanghai e Shenzen, dois grandes centros de indústria e manufatura
que estão às voltas com eclosões de casos de covid-19 e confinamentos rigorosos
– fruto da política chinesa de tolerância zero ao vírus. Esses isolamentos e
restrições deixaram ainda mais escassos certos produtos, e vêm gerando uma
crise na manufatura chinesa que afetou todo o mundo. Foram incontáveis
montadoras de automóveis que pararam suas produções por falta de peças
chinesas. Agora, é a vez do segmento médico-farmacêutico.
A alta demanda de produtos como paracetamol e
dipirona, numa era de combustíveis caros e insumos escassos, esvazia
prateleiras de farmácias e desabastece hospitais. O Brasil, que até 2021
importava 90% dos insumos para a produção de medicamentos, é também afetado.
Aos fatores já colocados pode-se acrescentar o dólar caro que torna as
importações mais custosas. Os medicamentos serão mais um dos itens a pesar na
inflação que tanto corrói nosso poder de compra.
Cirurgias eletivas e procedimentos médicos não
emergenciais estão sendo cancelados ou remarcados. Uma vez que as grandes
empresas produtoras de medicamentos e equipamentos médicos não sabem precisar a
normalização nos fornecimentos, não sendo possível prever um desfecho para essa
situação. Depois da geopolítica da vacina, nos deparamos com o efeito dominó a
partir da invasão à Ucrânia: a geopolítica da saúde de todos nós. Ao que
parece, Putin não terá comprimidos para suas dores de cabeça.
João
Alfredo Lopes Nyegray - advogado, formado em Relações Internacionais e
especialista em Negócios Internacionais. É coordenador do curso de Comércio
Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade
Positivo, Doutorando em estratégia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário