Há algumas semanas, depois de dias de um isolamento severo, habitantes de Shanghai, moderna cidade chinesa, gritavam aflitos das janelas de seus apartamentos. Para o desespero havia inúmeras razões: falta de itens básicos de higiene pessoal, falta de medicamentos de uso contínuo e, até e principalmente, de alimentos. Incontáveis vídeos de geladeiras e armários vazios, crianças chorando e idosos enfraquecidos tomaram as redes. Como já era de se esperar, a escassez de alimentos gerou aumento nos preços, e a situação piorou muito rapidamente. Num momento em que a agonia atingiu seu auge, e os gritos angustiados geraram um coro de milhares de pessoas, drones tomam os céus poluídos da megalópole ordenando que seus habitantes controlassem seus desejos de liberdade, não cantassem e se afastassem de suas fenestras.
O uso de drones para emitir tais ordens, tal qual a
decretação de lockdown sem aviso prévio – impedindo que as pessoas estocassem
um mínimo de alimentos e remédios –, é uma mostra não apenas do totalitarismo hi-tech
chinês, mas dos novos reféns da pandemia, mais de dois anos após sua eclosão.
Alguns dias depois, após incontáveis críticas da comunidade internacional, os
chineses distribuíram alguns kits básicos de alimentação para os moradores
isolados.
A violação dos direitos mais básicos de seus
habitantes, no entanto, não parava ali. A testagem em massa, um dos pilares da
tolerância zero ao vírus, separava famílias, retirava bebês dos colos de suas
mães; destruia também fisicamente lares diversos ao pulverizar compostos
químicos por residências que, após duas semanas, vazias, apodreciam
rapidamente. Essa política agressiva nos leva a questionar os números de
infectados e mortos divulgados pelo governo chinês. De janeiro a março deste
ano, Pequim anunciou um número de mortos por covid-19 maior do que em todo o
ano de 2021.
Por mais eficaz que o isolamento social, o uso de
máscaras, a vacinação maciça e a higiene das mãos sejam no combate à pandemia,
o custo humano dos novos reféns do isolamento não é o único. Além da cidade de
Shanghai – que abriga a maior siderúrgica e o maior polo de construção naval da
China –, a cidade de Shenzhen, ao sul, também passou por políticas semelhantes.
Shenzhen, considerada o Vale do Silício Chinês, é sede de empresas de
tecnologia e hoje a terceira maior cidade da China.
O lockdown rigoroso em grandes cidades chinesas
gerou efeitos que rapidamente se espalharam pelo mundo. Além de um importante
centro financeiro, Shanghai concentra um dos mais importantes portos do mundo –
que, só em 2021, foi responsável por 27% das exportações chinesas. Com a
abrupta parada nas atividades gerais na cidade, o envio e o recebimento de
mercadorias para e do mundo foram interrompidos. O acúmulo de contêineres, em
falta por todo o planeta, e a fila de navios para desembarque e embarque de
mercadorias, já geram efeitos por toda a cadeia produtiva global. Empresas como
a Volkswagen, já paralisaram a produção de automóveis em várias de suas
plantas.
O Brasil pode experimentar uma redução momentânea
nas exportações de minérios e soja para a China, uma vez que cidades com a
produção interrompida, certamente não utilizarão esses itens. Somados aos
efeitos econômicos também globais da invasão russa à Ucrânia, os lockdowns na
China já prejudicam a economia do mundo todo e escancaram a dependência das
cadeias produtivas das cargas vindas da China. O Brasil, que se
desindustrializou nos últimos anos, é altamente dependente de manufaturados
chineses, assim como Estados Unidos e União Europeia. A redução dessa
dependência não é algo que pode ocorrer rapidamente, e deve fazer parte de um
planejamento.
Uma das explicações para o meteórico crescimento de
Shanghai foi a implantação de Zona de Processamento Econômico de Exportação e
Zona de Livre Comércio. Nesse ambiente, a tributação de atividades industriais
é praticamente nula, e o governo facilita a geração e implantação de novos
negócios. A esse cenário favorável, soma-se uma infraestrutura de qualidade e o
incentivo à educação técnica e universitária. O que nós, brasileiros, estamos
esperando para replicar aqui essas iniciativas?
João
Alfredo Lopes Nyegray - doutorando em estratégia, mestre em
internacionalização. Coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de
Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário