Estudo feito na USP reforça a hipótese de que insetos da espécie Drosophila melanogaster mantêm uma relação de mutualismo com bactérias do gênero Wolbachia. Achado pode favorecer o combate a doenças transmitidas por mosquitos (foto: Sanjay Acharya/Wikimedia Commons)
Um estudo conduzido por pesquisadores
das universidades de São Paulo (USP) e de Cambridge (Reino Unido) mostrou que
moscas da espécie Drosophila melanogaster –
comuns em qualquer cozinha – são infectadas por menos espécies de vírus e
contêm menor carga viral quando são colonizadas por bactérias do gênero Wolbachia.
O trabalho, apoiado pela FAPESP e pela Royal Society, foi publicado na revista Communications Biology.
Os resultados reforçam a hipótese de
que a Drosophila e a Wolbachia vivem
uma relação de mutualismo, em que ambas se beneficiam, e não de parasitismo,
como já se suspeitou. O achado pode ter repercussão no combate a doenças
transmitidas por outros insetos.
“A Wolbachia está
presente em mais da metade dos insetos terrestres. Por muito tempo, achou-se
que ela era um parasita reprodutivo, porque há algumas linhagens em que ela
altera a reprodução do hospedeiro e, com isso, aumenta a própria frequência na
população. Mas com os avanços de biologia molecular das últimas duas décadas,
descobriu-se que em muitos casos ela não faz essa manipulação da reprodução. A
única maneira de explicar por que ela é tão comum, então, seria por trazer
algum benefício”, conta Rodrigo
Cogni, professor do Instituto de
Biociências (IB-USP) e primeiro autor do artigo.
A Wolbachia já
foi apontada antes como tendo uma ação protetora contra vírus. No entanto, os
experimentos eram realizados com animais em condições de laboratório. Por
exemplo, podia-se inocular a bactéria em moscas não colonizadas anteriormente e
comparar a taxa de sobrevivência após infecção viral com a de outras que não
tinham o microrganismo.
Esta é a primeira vez que se constata
a presença da Wolbachia e sua ação antiviral
em Drosophila melanogaster coletadas em campo,
portanto, mostrando que a relação existe em populações naturais.
A bactéria já é usada, inclusive, em
ações para combate a doenças virais transmitidas por mosquitos, como dengue,
zika e chikungunya. Estudos na Austrália e em países da Ásia mostraram que
regiões onde Aedes aegypti contaminados em
laboratório com Wolbachia foram soltos tiveram
menos casos dessas doenças do que em áreas sem esse tipo de intervenção.
A premissa dessas intervenções é que,
como a bactéria é transmitida da fêmea para os ovos, mosquitos com Wolbachia acabam predominando na população e a
replicação do vírus é bloqueada nos insetos, impedindo a infecção de humanos.
O uso do Wolbito, como
é chamado o mosquito com a bactéria, é uma ação conduzida pelo World Mosquito
Program desde 2011. No Brasil, atualmente, é executada em cinco municípios pela
Fiocruz, com apoio do Ministério da Saúde.
O estudo
atual contribui para uma melhor compreensão da relação entre bactéria e insetos
e pode servir de subsídio para aprimorar ações como essa.
Moscas protegidas
Os pesquisadores coletaram 1.014
moscas da espécie D. melanogaster em um pomar de
Connecticut, Estados Unidos. A bactéria estava presente em 71% dos indivíduos.
Usando técnicas de sequenciamento
genético, os pesquisadores obtiveram o RNA total expresso em cada mosca. A
grande maioria (93%) tinha pelo menos um vírus. Foram identificados 30 deles,
17 conhecidos por infectar D. melanogaster e
13 novos, relacionados a outros vírus de insetos ou mesmo de fungos e
tripanossomas.
“Como os
vírus podem estar presentes na comida, no ambiente e em patógenos das moscas,
não podemos garantir que todos eles necessariamente as infectem. No entanto,
uma vez que muitos têm relação com outros vírus de artrópodes, sugerimos que
alguns deles devem, sim, infectá-las”, afirma Cogni.
As moscas que tinham Wolbachia tiveram em média 15% menos vírus do que
as livres da bactéria. Além disso, a carga viral – a quantidade de vírus vivo
no organismo – foi menor naquelas que carreavam a bactéria.
“Estudos anteriores de outros grupos
indicam que a Wolbachia tem de ser
mutualista, ou não estaria presente numa frequência tão alta. Estamos mostrando
agora que ela exerce uma proteção em populações naturais, o que reforça a
hipótese do mutualismo. Porém, isso não quer dizer que não haja um custo para
as moscas albergarem a bactéria”, informa o pesquisador.
Outros trabalhos já mostraram que, se
por um lado a maior densidade de Wolbachia aumenta
a proteção contra vírus, por outro eleva o gasto energético, acarretando, por
exemplo, em uma menor produção de ovos. Pelo que o estudo indica, é um bom
custo-benefício.
O artigo Wolbachia reduces virus infection in a natural population of
Drosophila pode ser lido em: www.nature.com/articles/s42003-021-02838-z.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/bacteria-funciona-como-barreira-contra-infeccao-e-reduz-carga-viral-em-moscas/38604/
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