Pesquisadores da UFMT e do Cemaden mostram que a inclusão é necessária no desenvolvimento de políticas de prevenção para evitar a “invisibilidade” dessas pessoas e reduzir barreiras que intensificam a vulnerabilidade (foto: Giselly Gomes/GPEA)
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Relatório recente do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontou
que quase metade da população global – de 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas
– vive em locais ou contextos altamente vulneráveis aos impactos das
transformações do clima. E a desigualdade social acentua ainda mais essa
vulnerabilidade.
Buscando
entender os efeitos das desigualdades em programas de redução de riscos e
prevenção a desastres ambientais, pesquisadores da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden) desenvolveram um estudo qualitativo exploratório com foco em
pessoas com deficiência visual.
Partindo
do questionamento de como incluir essas pessoas na discussão de políticas de
redução de riscos e de mitigação das mudanças climáticas, os cientistas
concluíram que, apesar dos avanços legais, ainda há uma série de barreiras que
comprometem a participação social em diferentes espaços, especialmente onde as
decisões são tomadas. Esses obstáculos reforçam as relações de dependência
desses indivíduos, além de perpetuar uma situação de “invisibilidade” do grupo.
“As pessoas com deficiência e as
organizações que trabalham com elas são pouco incluídas em temáticas
ambientais. Por outro lado, as instituições que lidam com esses temas não
pensam em como criar formas e espaços para incluí-las. A invisibilidade é
tamanha que não temos dados sobre o tema. Nem sequer o grupo tem sido envolvido
em ações de prevenção a desastres ambientais e adaptação às mudanças
climáticas. Esperamos que de algum modo esse estudo possa sensibilizar as
instituições para desenvolver políticas mais inclusivas”, afirma à Agência FAPESP o sociólogo Victor Marchezini,
pesquisador do Cemaden e um dos autores do trabalho.
A pesquisa, que recebeu apoio da FAPESP, foi publicada
no International Journal of Disaster Risk Science. É
resultado do doutorado da educadora ambiental Giselly Gomes, do Grupo Pesquisador
em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da UFMT.
“Ao
estudar os riscos de desastres ambientais, aprendi que é fundamental ouvir
essas pessoas. A partir do momento que elas participam do processo, a
construção das políticas públicas segue outro caminho, mais inclusivo”, diz
Gomes, que atualmente trabalha no Instituto dos Cegos do Estado de Mato Grosso
(Icemat).
O
instituto foi uma das três organizações que participaram e contribuíram com a
pesquisa, desenvolvida desde 2017. As outras foram o Centro de Apoio e Suporte
à Inclusão da Educação Especial (Casies) do Estado de Mato Grosso e a
Associação Mato-Grossense dos Cegos (AMC).
Metodologia participativa
Inicialmente
os cientistas identificaram as instituições em Cuiabá para mapear os locais de
residência e de circulação das pessoas com deficiência visual na cidade. O
objetivo era detectar se estavam expostas a áreas de risco, como deslizamentos
e enchentes.
Capital do
Estado de Mato Grosso, com uma população estimada em cerca de 623 mil moradores,
Cuiabá enfrenta problemas de infraestrutura – reflexo da expansão urbana em
áreas de proteção ambiental. Tem regiões de várzea sujeitas a inundações às
margens do rio Cuiabá e seus afluentes, onde estão concentrados assentamentos
informais, com população de baixa renda e sem estrutura adequada de saneamento
e coleta de lixo, por exemplo.
Com base nos levantamentos realizados
juntamente às instituições, os pesquisadores montaram mapas georreferenciados usando
áreas de risco detectadas pela Defesa Civil e pelo Serviço Geológico do Brasil
e cruzaram com os locais de residência e convívio de 21 pessoas com deficiência
em Cuiabá e sete em Várzea Grande, na região metropolitana da capital
mato-grossense.
Por fim,
houve uma etapa com 15 entrevistas, incluindo perguntas sobre mudanças
climáticas, risco de desastres, vulnerabilidade e o papel da educação. Outro
ponto abordado foi a dependência que pessoas com deficiência visual têm para
conseguir evitar ou enfrentar barreiras em caso de desastres ambientais, como
enchentes, alagamentos e enxurradas.
“Quando
meus filhos não estão comigo e vão para a casa do pai, eu nem saio de casa”,
relatou aos pesquisadores uma mulher de 48 anos com visão parcial. “Seja de dia
ou de noite, a gente sempre tenta estar com outras pessoas. Se acontecer um
desastre, a maioria das pessoas vai estar no trabalho, na escola. [...] Se
houver um incêndio, o alarme será acionado e iremos para fora, um ao lado do
outro. Não vejo como criar algo específico para nós deficientes visuais, mas
espero que tenha”, disse no depoimento um homem de 50 anos com visão parcial.
Os
resultados preliminares foram compartilhados em um workshop, em 2018, com a
participação de cerca de cem convidados, dos quais 60% eram pessoas com
deficiência. Durante o evento, houve a proposta de criação de um aplicativo
adaptado às necessidades de informação desses indivíduos.
Também foi
desenvolvido um mapa de risco tátil, coproduzido com um professor e dois
técnicos do Casies e revisado por especialistas em braille, sistema de leitura
e escrita baseado em alfabeto cujos caracteres são pontos em relevo,
distinguidos por meio do tato. A partir de seis pontos salientes é possível
fazer 63 combinações para representar letras simples e acentuadas, pontuações,
algarismos, sinais algébricos e notas musicais.
Os
resultados finais foram: 1) método de mapeamento para identificar a exposição
de pessoas com deficiência visual a deslizamentos e inundações e criar mapas
táteis de risco adaptados a elas; 2) a incorporação de vozes desse grupo em
relação às suas vulnerabilidades e capacidades frente aos impactos das mudanças
climáticas e 3) uma iniciativa de educação inclusiva para reduzir barreiras
incapacitantes que intensificam a vulnerabilidade.
Universo
De acordo
com o Censo 2010, o último realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), quase 46 milhões de brasileiros (24% da população)
declararam ter algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades –
enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus – ou possuir deficiência
mental/intelectual. Desse total, 18,8% apresentaram dificuldade para
enxergar.
No entanto, esse contingente não
aparece destacado entre os cerca de 8,2 milhões de brasileiros que vivem em
2,471 milhões de domicílios localizados em áreas de
risco no país. Dados desagregados e mapas de perigos
são considerados elementos básicos para a formulação de propostas e políticas
públicas de redução de riscos de desastres.
Já a
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC, lei nº 12.608/2012) prevê
apenas que cabe ao Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil “propor
procedimentos para atendimento a crianças, adolescentes, gestantes, idosos e
pessoas com deficiência em situação de desastre”.
“Procuro
no dia a dia fazer a provocação, por meio da educação, para incluir essas
pessoas nos levantamentos e na formulação de políticas públicas. Por outro
lado, ainda existe uma espera delas por resultados e inclusão. É preciso
entender que, mesmo as situações de risco afetando a todos, alguns estão mais
sujeitos e precisam falar sobre como são afetados”, completa Gomes.
No estudo,
os pesquisadores apontam a necessidade de envolver esse público no planejamento
de contingência e em exercícios de evacuação de locais. Nesse processo, a
educação é considerada fundamental para transformar as instituições e
aproximá-las das pessoas que precisam estar mais preparadas para situações de
riscos ambientais.
“Gostaria
que essa pesquisa fosse ampliada e que a temática fizesse parte da base
curricular do ensino como forma de melhor preparar as pessoas e incluí-las”,
afirma Gomes.
O artigo (In)visibilities About the Vulnerabilities of People with Visual
Impairments to Disasters and Climate Change: A Case Study in Cuiabá, Brazil pode
ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s13753-022-00394-6.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-aponta-caminho-para-envolver-pessoas-com-deficiencia-visual-na-prevencao-de-desastres-ambientais/38294/
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