Estudo realizado por grupo internacional, com participação de brasileiros, desenvolveu gráficos que mostram a evolução do cérebro, incluindo expansão e redução ao longo dos anos; no futuro, dados poderão servir para prática clínica (foto: Eduardo Cesar/Pesquisa FAPESP)
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Um grupo internacional de cientistas,
incluindo brasileiros, reuniu 123.984 exames de ressonância magnética para
mapear o desenvolvimento do cérebro humano desde as primeiras semanas do feto
até os 100 anos de idade. Com esse banco, foram montados gráficos que mostram a
evolução cerebral ao longo dos anos, incluindo fases de rápida expansão no
início da vida e de redução do tamanho do órgão durante o envelhecimento.
Essa
ferramenta sistematizando os processos de desenvolvimento típico e atípico do
cérebro poderá servir como uma referência, funcionando de forma semelhante às
atuais tabelas de acompanhamento de medidas de altura e peso de crianças. Além
de base para novos estudos, a expectativa é que as curvas de referência tenham,
no futuro, uma aplicação clínica.
O trabalho, liderado por
pesquisadores das universidades de Cambridge (Reino Unido) e da Pennsylvania
(Estados Unidos), foi publicado na revista Nature. Ao fornecer
uma métrica por idade e sexo, a ferramenta permite comparações e poderá apontar
caminhos, por exemplo, para identificar distúrbios que surgem em diferentes
estágios da vida ou até mesmo alterações cerebrais capazes de sinalizar doenças
neurodegenerativas progressivas, como Alzheimer e Parkinson.
O banco está sendo considerado o
maior deste tipo – reúne exames de 101.457 pessoas de vários países. Apesar de
haver uma predominância da representatividade de descendências europeia e
americana, o estudo incluiu informações de indivíduos da América do Sul, da
África e da Austrália. Porém, essa diversidade ainda é pequena se comparada ao
total de informações. Por meio de um site, chamado BrainChart,
os pesquisadores pretendem continuar alimentando os dados.
“O grande diferencial metodológico da
pesquisa foi abrir a possibilidade de montar referências robustas e adequadas
que até então não havia. Agora, ao estabelecer essas curvas, com as pontuações
e percentis, é possível colocar cada indivíduo e entender como o cérebro está
se desenvolvendo em comparação à trajetória padrão. Quando há um banco com
tantas amostras é possível demonstrar pequenas diferenças com mais robustez”,
explica à Agência FAPESP o médico Pedro
Pan, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) e coautor do trabalho.
Pan é
vice-coordenador do Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos
Psiquiátricos na Infância (BHRC na sigla em inglês), uma grande pesquisa de
base comunitária que acompanha 2.511 crianças e jovens de Porto Alegre (RS) e
São Paulo desde 2010.
O BHRC, considerado um dos principais
acompanhamentos sobre riscos de transtornos mentais realizados no Brasil, faz
parte do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e
Adolescentes (INPD), apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq). O INPD, com mais de 80 professores e pesquisadores de 22
universidades, tem como coordenador-geral o professor do Departamento de
Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FM-USP) Eurípedes Constantino Miguel Filho.
O instituto dispõe de mais de 2 mil
imagens cerebrais coletadas na última década. Parte delas contribuiu com o
trabalho publicado agora na Nature, que tem
entre os coautores os professores Giovanni Abrahão Salum, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Andrea Parolin Jackowski, da Unifesp, e André Zugman, do INPD.
Achados
Os
pesquisadores usaram métricas de ressonância magnética quantificadas por
pontuações em relação a trajetórias não lineares de mudanças estruturais
cerebrais e taxas de alterações ao longo da vida. Foi utilizado um software de
neuroimagem padronizado para extrair os dados dos exames de ressonância
magnética, começando com o volume de substância cinzenta (células cerebrais,
neurônios) e branca (que inclui as conexões do cérebro).
Depois,
houve expansão para análises da espessura do córtex e volume de regiões
cerebrais específicas. Para gerar os gráficos cerebrais, o grupo adotou uma
estrutura implementada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para desenvolver
as curvas padronizadas de altura e peso.
A
modelagem adotada – a GAMLSS (sigla em inglês para modelos aditivos
generalizados para escala e forma de localização) – permitiu alavancar o
conjunto de dados agregados de neuroimagem ao longo da vida dos indivíduos,
derivando os marcos de desenvolvimento cerebral (ou picos de trajetórias) e
comparando com a literatura atual.
Com isso,
foi possível confirmar, e em alguns casos até mesmo mostrar pela primeira vez,
marcos que haviam sido levantados por hipóteses. Entre eles estão a idade em
que as principais classes de tecidos do cérebro atingem o volume máximo e
quando regiões específicas do órgão chegam à maturidade.
Em relação
ao volume de substância cinzenta, os cientistas mostraram que há um rápido
aumento a partir da metade da gestação, atingindo o pico pouco antes de a
criança chegar aos 6 anos de idade. Em seguida, começa a diminuir lentamente.
Já o volume de matéria cinzenta na região subcortical – que controla as funções
corporais e o comportamento básico – atinge o pico na adolescência, por volta
dos 14 anos.
O volume
de substância branca também aumenta rapidamente desde a metade da gestação até
a primeira infância, atingindo o pico pouco antes dos 29 anos de idade. Seu
declínio começa a acelerar após os 50 anos. “Isso mostra que o espaço de
plasticidade dessas conexões vai até o início da vida adulta”, explica Pan.
A partir
dos 60 anos, há um crescimento do líquido cefalorraquidiano, implicando redução
do cérebro. “Atualmente esse marcador é usado na clínica como um indício indireto
de envelhecimento cerebral, que pode ser associado a doenças
neurodegenerativas. Algumas dessas referências para o cérebro ainda não
tínhamos com essa fidedignidade”, completa o pesquisador brasileiro.
Até então,
os cientistas sabiam que esse volume do líquido aumentava com a idade, já que
normalmente está associado à atrofia cerebral, mas não tinham a dimensão da
velocidade do crescimento em uma amostra tão significativa.
Cooperação
Ao
contrário do que acontece na genética, em que os bancos de dados chegam à casa
dos milhões, em neurociência os estudos tradicionalmente são baseados em
conjuntos de amostras relativamente pequenas. Alguns fatores que contribuem
para esse cenário são a dificuldade de coletar as imagens, por depender de
estrutura física e de equipamentos de ressonância, e o alto custo.
Em março deste ano, um artigo publicado na Nature discutiu o tema,
colocando em questão o fato de que muitas das pesquisas usando neuroimagem
deixam de produzir resultados válidos exatamente porque tendem a incluir
pequeno número de participantes, ficando aquém do necessário para gerar
resultados confiáveis.
“O caminho
para resolver esse ponto é trabalhar com amostras grandes e diversas, como esse
grupo internacional se propôs a fazer”, afirma Pan, recordando da primeira
reunião que teve com os pesquisadores Richard Bethlehem (Cambridge) e Jakob
Seidlitz (Pennsylvania) em dezembro de 2020 para tratar da cooperação. Ambos
são os primeiros autores da pesquisa sobre desenvolvimento cerebral.
Para criar a amostra representativa
global, os cientistas agregaram os exames de ressonância magnética de mais de
cem estudos de diversos países. Em editorial na mesma edição da Nature, que trata
sobre a autoria dos dados abertos, a revista destaca que “nem todos os
conjuntos de dados estavam originalmente disponíveis para uso dos
pesquisadores”.
Em
entrevista ao site da Universidade de Cambridge, Bethlehem destacou que a
cooperação permitiu reunir dados de todas as faixas etárias, possibilitando
detectar mudanças precoces e rápidas do cérebro humano. “Uma das coisas que
conseguimos fazer, por meio de um esforço global muito coordenado, é reunir
dados ao longo de toda a vida útil”, afirmou.
O artigo Brain charts for the human lifespan pode ser lido
em: www.nature.com/articles/s41586-022-04554-y#Ack1.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/cientistas-criam-ferramenta-de-referencia-para-o-desenvolvimento-cerebral-com-o-maior-banco-de-dados-de-pacientes-ja-reunido/38374/
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