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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Desconfiança em relação às urnas eletrônicas surge no Brasil a partir das eleições de 2018, aponta estudo

 Páginas disseminadoras de fake news ajudaram a alimentar o receio, nunca comprovado, contra o sistema eleitoral


O discurso de desconfiança em relação às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro passou a ser observado de forma mais intensa durante a campanha para as eleições de 2018. O receio em relação ao sistema foi alimentado por páginas conhecidas por disseminar notícias falsas na internet. A conclusão é do desdobramento parcial de uma pesquisa acadêmica da Universidade Positivo realizada em parceria com o Facebook. O estudo fez a análise do conteúdo publicado em 11 páginas na rede social, durante o período eleitoral daquele ano. 

Para a pesquisadora do Centro de Pesquisa Jurídica e Social do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Positivo, Olívia Pessoa, junto com as campanhas políticas, havia a proliferação de um discurso nas redes que tentava chamar a atenção para possíveis fraudes no sistema eleitoral. “É criado um grande descrédito dos elementos que compõem o cenário eleitoral brasileiro. Não apenas as urnas eletrônicas, mas também os partidos políticos, as pesquisas eleitorais e o debate como ferramenta da democracia”, aponta.

Esse discurso foi predominante nas páginas do Facebook que apoiavam a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “Esse descrédito vem atrelado a uma desconfiança em relação ao próprio sistema democrático”. Os apoiadores do presidente utilizaram como estratégia um mau funcionamento que teria possibilitado à “esquerda brasileira vencer pleitos eleitorais em sequência, desde Fernando Henrique Cardoso”.


Voto impresso e debate

Foi também durante a campanha eleitoral de 2018 que o voto impresso passou a ser apontado como o fiel garantidor da lisura do processo eleitoral, em discurso que é reafirmado nos dias atuais pelo presidente Jair Bolsonaro. A pesquisa aponta, ainda, a denúncia de que o sistema atual não é possível de ser auditado, e de que o voto na forma eletrônica coloca a própria democracia em risco. Desde então, nenhum indício relevante de fraude foi efetivamente revelado. Assim sendo, os Tribunais Regionais e o Tribunal Superior Eleitoral vêm demonstrando a confiabilidade das urnas, diante das críticas.

Nesse mesmo período, a ausência de Jair Bolsonaro nos debates é justificada pelas páginas de apoio como prevenção a uma conspiração em curso contra o presidente. “Eles montam um discurso de que o debate estava sendo organizado para prejudicar Bolsonaro e que, por isso, ele não deveria ir”, explica Olívia. Algumas páginas chegaram a divulgar ameaças terroristas contra o presidente, caso ele fosse aos encontros. As denúncias nunca foram comprovadas.


Bem contra o mal

O estudo aponta que as páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro foram responsáveis por criar, ainda, um ambiente que simulava uma luta do bem contra o mal, nas eleições de 2018. “O bem era representado por Bolsonaro, um messias enviado por Deus, para tirar o país das mãos de uma esquerda fascista, violenta e corrupta”, analisa Olívia.

A religião e a crença em Deus se tornam bandeiras relevantes nesse ambiente marcado pelo dogma espiritual. “O aspecto religioso é mencionado com muita frequência para justificar o voto em Jair Bolsonaro”, finaliza.


Bolsonaro X Trump

Em um desdobramento anterior da mesma pesquisa, o grupo de estudos identificou semelhanças nas estratégias eleitorais para as redes sociais usadas, tanto por Jair Bolsonaro como por Donald Trump, que, juntos, somam, 7 bilhões de visualizações totais em suas atividades no Facebook. Essa fase da pesquisa foi realizada com base na análise quantitativa de dados estatísticos disponibilizados pelo Facebook à Universidade Positivo.

O doutor em Filosofia e coordenador de Relações Internacionais da UP, Henrique Braunstein Raskin, aponta uma convergência de uso da rede pelos dois políticos durante os períodos eleitorais: a utilização do Facebook como ferramenta de engajamento dos apoiadores. “Com o Trump, observamos um pico de postagens em 2016 e em 2020, períodos das eleições norte-americanas. No caso de Bolsonaro, constatamos que, em 2018, as publicações também aumentam muito, ultrapassando, inclusive, o número de Trump, e mostrando uma estratégia comum de movimentação da rede em períodos politicamente decisivos”, analisa Raskin. 

Há outras semelhanças entre eles. Tanto Trump quanto Bolsonaro apresentam aumento na presença no Facebook a partir de 2015 (anterior à campanha eleitoral de Trump e à crise política no Brasil – que culminou em impeachment da então presidente Dilma Rousseff); ambos provocam aumento de interações (absolutas e relativas aos números de seguidores) em suas páginas nos respectivos períodos eleitorais; e os dois líderes políticos tiveram um aumento considerável na utilização de “vídeos nativos”, aqueles que rodam automaticamente no feed dos usuários da rede e que se mostraram ferramenta preponderante, nos últimos anos, em suas atuações no Facebook.

O relatório aponta a preponderância de visualização dos vídeos de Bolsonaro na segunda metade de 2018 (período eleitoral no Brasil) e, também, sobretudo, entre abril e outubro de 2020. De acordo com Raskin, as interações dos apoiadores também aumentam durante os períodos que antecedem as eleições. “Esse fator ajuda na propagação do conteúdo dos candidatos na rede, considerando a lógica algorítmica da rede social. Ainda que obtendo números absolutos de audiência dos seus vídeos diferentes, Trump e Bolsonaro parecem ter um mesmo movimento de visualizações, que aumenta e que diminui de maneira bastante correlacionada”, comenta. 

Segundo Raskin, há fator de preponderância em Bolsonaro quando comparado ao ex-presidente dos EUA. “Ainda que Trump tenha comumente números absolutos superiores aos de Bolsonaro, dada a sua projeção global, vê-se que as interações geradas pelos vídeos têm números maiores entre os espectadores de Bolsonaro do que entre os de Trump. Isso permite inferir que o engajamento do “bolsonarismo” no Facebook seria mais intenso que o do “trumpismo” na rede social”, finaliza.


A pesquisa

A pesquisa realizada pelo Mestrado em Direito em conjunto com o Centro de Pesquisa Jurídica e Social da Universidade Positivo utiliza o CrowdTangle, aplicativo de navegação do Facebook disponibilizado aos pesquisadores para a análise dos dados. O estudo tem como objetivo entender a influência das notícias falsas no processo eleitoral brasileiro. Desde então, outros três relatórios quantitativos foram divulgados pelos pesquisadores, sempre com a temática eleições e fake news. A pesquisa segue em curso, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Positivo, com o objetivo de analisar a interferência da rede na democracia e no processo eleitoral.

Importante ressaltar que as páginas analisadas são públicas e integram um universo de diferentes plataformas – geridas pela mesma pessoa ou grupo – que foram consideradas produtoras e difusoras de fake news na Informação Técnica, de 23 de abril de 2020, da Consultoria Legislativa da Câmara de Deputados.

 


Universidade Positivo


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