Páginas disseminadoras de fake news ajudaram a alimentar o receio, nunca comprovado, contra o sistema eleitoral
O discurso de desconfiança em relação às urnas
eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro passou a ser observado de forma
mais intensa durante a campanha para as eleições de 2018. O receio em relação
ao sistema foi alimentado por páginas conhecidas por disseminar notícias falsas
na internet. A conclusão é do desdobramento parcial de uma pesquisa acadêmica
da Universidade Positivo realizada em parceria com o Facebook. O estudo fez a
análise do conteúdo publicado em 11 páginas na rede social, durante o período
eleitoral daquele ano.
Para a pesquisadora do Centro de Pesquisa Jurídica
e Social do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Positivo,
Olívia Pessoa, junto com as campanhas políticas, havia a proliferação de um
discurso nas redes que tentava chamar a atenção para possíveis fraudes no
sistema eleitoral. “É criado um grande descrédito dos elementos que compõem o
cenário eleitoral brasileiro. Não apenas as urnas eletrônicas, mas também os
partidos políticos, as pesquisas eleitorais e o debate como ferramenta da
democracia”, aponta.
Esse discurso foi predominante nas páginas do
Facebook que apoiavam a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Esse descrédito vem atrelado a uma desconfiança em relação ao próprio sistema
democrático”. Os apoiadores do presidente utilizaram como estratégia um mau
funcionamento que teria possibilitado à “esquerda brasileira vencer pleitos
eleitorais em sequência, desde Fernando Henrique Cardoso”.
Voto impresso e debate
Foi também durante a campanha eleitoral de 2018 que
o voto impresso passou a ser apontado como o fiel garantidor da lisura do
processo eleitoral, em discurso que é reafirmado nos dias atuais pelo
presidente Jair Bolsonaro. A pesquisa aponta, ainda, a denúncia de que o
sistema atual não é possível de ser auditado, e de que o voto na forma
eletrônica coloca a própria democracia em risco. Desde então, nenhum indício
relevante de fraude foi efetivamente revelado. Assim sendo, os Tribunais
Regionais e o Tribunal Superior Eleitoral vêm demonstrando a confiabilidade das
urnas, diante das críticas.
Nesse mesmo período, a ausência de Jair Bolsonaro
nos debates é justificada pelas páginas de apoio como prevenção a uma
conspiração em curso contra o presidente. “Eles montam um discurso de que o
debate estava sendo organizado para prejudicar Bolsonaro e que, por isso, ele
não deveria ir”, explica Olívia. Algumas páginas chegaram a divulgar ameaças
terroristas contra o presidente, caso ele fosse aos encontros. As denúncias
nunca foram comprovadas.
Bem contra o mal
O estudo aponta que as páginas de apoio ao
presidente Jair Bolsonaro foram responsáveis por criar, ainda, um ambiente que
simulava uma luta do bem contra o mal, nas eleições de 2018. “O bem era
representado por Bolsonaro, um messias enviado por Deus, para tirar o país das
mãos de uma esquerda fascista, violenta e corrupta”, analisa Olívia.
A religião e a crença em Deus se tornam bandeiras
relevantes nesse ambiente marcado pelo dogma espiritual. “O aspecto religioso é
mencionado com muita frequência para justificar o voto em Jair Bolsonaro”,
finaliza.
Bolsonaro X Trump
Em um desdobramento anterior da mesma pesquisa, o
grupo de estudos identificou semelhanças nas estratégias eleitorais para as
redes sociais usadas, tanto por Jair Bolsonaro como por Donald Trump, que,
juntos, somam, 7 bilhões de visualizações totais em suas atividades no
Facebook. Essa fase da pesquisa foi realizada com base na análise quantitativa
de dados estatísticos disponibilizados pelo Facebook à Universidade Positivo.
O doutor em Filosofia e coordenador de Relações
Internacionais da UP, Henrique Braunstein Raskin, aponta uma convergência de
uso da rede pelos dois políticos durante os períodos eleitorais: a utilização
do Facebook como ferramenta de engajamento dos apoiadores. “Com o Trump,
observamos um pico de postagens em 2016 e em 2020, períodos das eleições
norte-americanas. No caso de Bolsonaro, constatamos que, em 2018, as
publicações também aumentam muito, ultrapassando, inclusive, o número de Trump,
e mostrando uma estratégia comum de movimentação da rede em períodos
politicamente decisivos”, analisa Raskin.
Há outras semelhanças entre eles. Tanto Trump
quanto Bolsonaro apresentam aumento na presença no Facebook a partir de 2015
(anterior à campanha eleitoral de Trump e à crise política no Brasil – que
culminou em impeachment da então presidente Dilma Rousseff); ambos provocam aumento
de interações (absolutas e relativas aos números de seguidores) em suas páginas
nos respectivos períodos eleitorais; e os dois líderes políticos tiveram um
aumento considerável na utilização de “vídeos nativos”, aqueles que rodam
automaticamente no feed dos usuários da rede e que se mostraram ferramenta
preponderante, nos últimos anos, em suas atuações no Facebook.
O relatório aponta a preponderância de visualização
dos vídeos de Bolsonaro na segunda metade de 2018 (período eleitoral no Brasil)
e, também, sobretudo, entre abril e outubro de 2020. De acordo com Raskin, as
interações dos apoiadores também aumentam durante os períodos que antecedem as
eleições. “Esse fator ajuda na propagação do conteúdo dos candidatos na rede,
considerando a lógica algorítmica da rede social. Ainda que obtendo números
absolutos de audiência dos seus vídeos diferentes, Trump e Bolsonaro parecem
ter um mesmo movimento de visualizações, que aumenta e que diminui de maneira
bastante correlacionada”, comenta.
Segundo Raskin, há fator de preponderância em
Bolsonaro quando comparado ao ex-presidente dos EUA. “Ainda que Trump tenha
comumente números absolutos superiores aos de Bolsonaro, dada a sua projeção
global, vê-se que as interações geradas pelos vídeos têm números maiores entre
os espectadores de Bolsonaro do que entre os de Trump. Isso permite inferir que
o engajamento do “bolsonarismo” no Facebook seria mais intenso que o do
“trumpismo” na rede social”, finaliza.
A pesquisa
A pesquisa realizada pelo Mestrado em Direito em conjunto
com o Centro de Pesquisa Jurídica e Social da Universidade Positivo utiliza o CrowdTangle,
aplicativo de navegação do Facebook disponibilizado aos pesquisadores para a
análise dos dados. O estudo tem como objetivo entender a influência das
notícias falsas no processo eleitoral brasileiro. Desde então, outros três
relatórios quantitativos foram divulgados pelos pesquisadores, sempre com a
temática eleições e fake news. A pesquisa segue em curso,
no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Positivo, com o
objetivo de analisar a interferência da rede na democracia e no processo
eleitoral.
Importante ressaltar que as páginas analisadas são
públicas e integram um universo de diferentes plataformas – geridas pela mesma
pessoa ou grupo – que foram consideradas produtoras e difusoras de fake news
na Informação Técnica, de 23 de abril de 2020, da Consultoria Legislativa da
Câmara de Deputados.
Universidade Positivo
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